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O Brasil Depois da Lava Jato

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01/02/2016

Por: Kao Martins*

Dizem que a história é como paisagem no retrovisor de um carro em movimento: só conseguimos enxergar o conjunto depois que passamos por ela. O resto, o que vemos pela janela, é só notícia, com todas as imprecisões das narrativas produzidas em paralelo aos acontecimentos narrados. Assim, para compreender a real extensão e as consequências de fatos históricos, é recomendável esperar que eles deixem de ser notícia e se tornem de fato história. 

Acontece que somos seres inquiridores e efêmeros, sempre tentando antever desdobramentos do que nos é dado experimentar em nosso tempo de vida. E mesmo quando essas tentativas fracassam, continuamos interrogando o visível e o invisível ao redor, em busca de relances do porvir. Pois é isso que me ponho a fazer, diante das manchetes que anunciam a prisão de alguns dos maiores empresários brasileiros, enrolados nas investigações da Lava Jato.

Desde os tempos coloniais, quando mulatos suarentos se davam ares de cortesãos no cenário insalubre da nascente cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, temos como certo que prisão é lugar destinado apenas a pretos e pobres. Brancos e ricos, nunca. A força dessa convicção moldou não apenas nossa consciência, nosso caráter e nossa cultura, mas todo o arcabouço jurídico e penal do Brasil e a própria realidade nacional. 

De fato, mais de 500 anos depois do desembarque de Cabral na terra de Vera Cruz, era praticamente impossível encontrar alguém “de posses” entre a enorme massa carcerária distribuída por todos os estados do país. Era, porque a Lava Jato está atropelando essa cultura e – por que não dizer? – essa história.

Ao ver o interminável desfile de empresários, políticos, lobistas e altos executivos desfolhando diante de um juiz as tenebrosas transações em que andaram metidos, é impossível não pensar que vivemos um momento único e muito especial na história do Brasil. Como nunca houve registro de nada que se aproxime das espalhafatosas prisões efetuadas pela Polícia Federal, em operações que desconhecem escritórios e residências de luxo, é justo imaginar que vivemos uma transformação histórica. 

Mas será isso mesmo? Será que finalmente, depois de cinco séculos de impunidade, o Brasil vai garantir que as penas da lei valerão também para criminosos capazes de comprar advogados caros e juízes em promoção? 

Se considerarmos a ideia de que história é só o ontem distante e que o hoje é apenas notícia efêmera, ainda não é possível afirmar tal mudança. Aliás, se analisarmos com atenção o jogo de pressões e contrapressões que cerca a atividade dos policiais federais, promotores e juízes envolvidos, veremos que ainda é muito cedo para qualquer afirmação definitiva a respeito da Lava Jato. 

A cada dia, novas estratégias são testadas para desmoralizar a investigação e o processo. Falam em cerceamento da defesa, em “vazamentos seletivos”, em complô da imprensa e chegam ao absurdo de evocar a Inquisição, como se o juiz Moro fosse uma espécie de Torquemada dos trópicos. 

Até aqui, todas essas tentativas esbarraram na consistência das provas, na profusão de indícios e no rigor da condução jurídica. Mas há muita gente qualificada e regiamente remunerada trabalhando duro para manter fora das grades os responsáveis pela maior e mais sofisticada teia de corrupção de que se tem notícia no planeta.

Acontece que tudo isso é notícia, paisagens que vemos passar rapidamente pela janela do automóvel em que seguimos rumo ao horizonte. E o que nos interessa, aqui, é especular sobre o que ainda não se pode ver pelo retrovisor. E há muito o que especular. 

Deixando de lado as manchetes da imprensa e a sucessão de denúncias das quais se alimentam, o que assistimos hoje, no Brasil, é a luta entre o passado e futuro. Um embate entre a impunidade que chegou aos trópicos a bordo das caravelas e aqui fez morada e um novo país onde as oportunidades são iguais para todos e a justiça se faz sem considerar condição social e cor da pele dos acusados. Um país cujos contornos legais foram desenhados na chamada Constituição Cidadã, promulgada em 1988, mas que só agora ganha oportunidade, energia e direção para se tornar realidade.

Ainda é cedo para saber o resultado e as consequências históricas dessa luta. Mas só o fato de podermos ver as imagens que passam rapidamente pela janela e de sabermos que o impossível está se desenrolando diante dos nossos olhos, já pode ser considerado um privilégio por todos nós, que vivemos esse tempo.

O Brasil talvez saia da Lava Jato vestido para um futuro de mais igualdade e respeito às leis. Um futuro no qual a consciência de que o Estado não pode ser tratado como propriedade daqueles que são eleitos para geri-lo se torne comum. Ou talvez se renda de vez ao passado dos privilégios, dos pequenos ditadores, do “sabe com quem você está falando”. 

Esta é uma narrativa que ainda está sendo escrita. E nós, testemunhas e personagens desse tempo, também somos, em certa medida, autores e responsáveis por seu desfecho. É a primeira oportunidade que temos – e talvez a única que jamais teremos – de mudar o curso da nossa história. E assim, quem sabe, depois da próxima curva da estrada, poderemos admirar pelo retrovisor um país no qual os espertos, que sempre levaram vantagem em tudo, deram lugar aos solidários, que se realizam no crescimento coletivo e compartilhado. 

*Jornalista



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