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A Feijoada do Gervásio

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03/03/2016

Não sou rico. Minhas posses são poucas e, assim, meus prazeres burgueses são baratos.

Por ser adido cultural e trabalhar para o Governo, sou confundido com um homem de posses. Sempre com os melhores ternos, todos alugados no preço de um bom percentual do meu salário, andando com pessoal acostumado a aparecer na primeira página das revistas e jornais, a minha vida é, verdadeiramente, suada. Acordo cedo, trabalho até tarde, muitas vezes tendo de sorrir em festas bebendo vinhos vagabundos e cervejas quentes com salgadinhos feitos de véspera e requentados e dormindo tarde por conta da minha profissão. Não é a vida que pedi, mas é meu sustento.

Mas, quem me vê, pensa que sou um bon vivant. Nada disso. Nenhuma das minhas aparições foram feitas sem jornadas de pesquisas, centenas de telefonemas, e-mails, mídias sociais e sem uma vida realmente social. Assim, estou velho, solteiro e morando num sobrado em Cobilândia!

Mas eu tenho as minhas alegrias. São poucas, mas verdadeiras. 

Uma é, ao sábado, sentar-me no botequim do Gervásio. Esse lugar é um buraco de aparência suspeita, que serve cachaça de oitava categoria, cerveja vagabunda, linguiça no palito e torresmo frio, sobrenadando sobre uma banha suspeita. Mas, no sábado, ele se transforma!

É o dia em que nós, mortais, somos tratados como nababos! As mesas são cobertas com toalha de linho e se serve a melhor feijoada do planeta! No que você senta, é colocada uma caipirinha perfeita e um tira-gosto de pururucas. Depois, vem a feijoada. Para cada cliente, é servida uma caldeira de feijão, uma travessa de arroz branco com um enfeite de salsa, uma outra caldeira com carne-seca, linguiça, paio, lombo, toucinho branco e toucinho de fumeiro. Se o cliente pedir, pode trocar esses quitutes pelas carnes ditas “menos nobres”: orelha, rabo e focinho de porco. Há quem goste e há quem peça as duas opções por um preço a mais!

  Ainda, são servidas uma farofa de alho, uma travessa de laranja e mais uma de salada para abrir o apetite mais ainda, tudo bem acompanhado por uma cerveja de qualidade bem gelada.

Alguém criticaria? Bom... É caro, mas nada impossível para um pobre assalariado ter seu dia de gente chique.

Tinha ainda três mimos. Um era a goiabada-com-queijo, servida de sobremesa e já incluída na conta. Outra era o cafezinho feito pela Suélen. Essa era a menina mais feia do mundo, casada com um cego que afirmava que seus predicados eram excelentes. Deve ser, mas, pelo menos, seu café era perfeito e estava também na conta. E, para terminar, o próprio Gervásio levava a gente para casa de graça! Esperava amontoar o pessoal para encher uma Kombi e lá ele ia, sem respeitar os quebra-molas canela-verdes. As duas portas de passageiros eram presas por arame e, pelo jeito que ele dirigia, para sentar no último banco, depois de uma feijoada daquelas, no mês de fevereiro, precisava-se ser muito macho!

Assim, eu chegava em casa e ia para a cama, direto! Nos dizeres do saudoso Sérgio Porto, uma feijoada só seria completa se tivesse uma ambulância de plantão. Bom, essa era a única falha da obra-prima do Gervásio, porém amenizada pela sua Kombi, a Pintacuda!

Eis que um dia, cheguei lá! Sábado perfeito para uma feijoada, no ameno mês de junho, e veio uma surpresa: um cartaz, escrito “Sob Nova Direção”. O botequim do Gervásio tinha sido vendido naquela semana!
De cara, me informaram que eu tinha de passar pelo balcão, fazer meu prato e pesar. Reclamei dizendo que não era assim, antes. Eis que me vieram com essa: “Senhor, aqui sempre foi um bufê a quilo!”.
 
Não adiantou nem falar que eu era um freguês fiel. Quis chamar testemunhas, mas não reconheci ninguém. Nunca tinha visto nenhuma daquelas pessoas pelo bairro! Nem o Botafogo, nosso fiel garçom (tinha esse apelido, mas era capa-preta roxo!) estava lá!

O ruim dos bufês a quilo é que, primeiramente, você entra numa fila e tem que ter a paciência de esperar um daqueles catadores de tempero à sua frente escolher pedaço por pedaço daquilo que vai comer. Isso, sem contar com a fabulosa educação de quem frequenta esse tipo de restaurante. Não importando qual é a classe social de quem está à sua frente, a falta de educação é endêmica, generalizada. Uma vez, uma mulher, com o pescoço cheio de joias e Coty, usou a mesma colher do feijão para pegar arroz. Em outra, um rapaz de terno teve um acesso de espirro em cima da comida! Ora, tenho de suportar isso toda a semana e, agora, também nos sábados! Tenha dó!
 
Depois, você acaba também sendo um catador de tempero quando tem que escolher entre as carnes o que você quer. Poucos restaurantes separam a linguiça, o paio, o toucinho e o etecetera em bandejas separadas. Não gosto muito de carne-seca e tenho de ter o cuidado para comer o que eu gosto! E, assim, contribuo também para remexer na comida.

Bom, depois da paciência de conseguir preparar o meu prato, sem ter conseguido tudo o que eu queria, me sentei à mesa. Sem toalha de linho, sem caipirinha, sem tira-gosto, nem nada. Pedi, pelo menos, a minha cervejinha.

Fui atendido pelo gerente de cara amarrada: “aqui não servimos bebidas alcoólicas. Nunca servimos!”. Mas como servir uma feijoada sem cerveja? “Somos crentes!”.

Bom, sem sobremesa, sem cafezinho, sem aquela Kombi que fazia eu me sentir possuidor de uma máquina moderna com meu Corça, descobri que faltava, além de tudo isso, o mais importante de um lugar desses: o carinho. Era a atenção que um restaurante simples dava para pessoas simples, tratando a todos os seres humanos como príncipes. Mesmo o velho Jocenir, um aposentado da Rede Ferroviária, a dona Alcélia, viúva pensionista do estado ou a família do Isidoro, motorista em Cariacica, se sentiam importantes com o tratamento que gente rica estava acostumada.

O Gervásio, coitado, sofrera um acidente e teve de passar o ponto às pressas. Hoje, soube que morreu. Botafogo e Suélen desapareceram do mapa. Parece que ele voltou para Itaquari e ela está em Patos de Minas.

E seu antigo botequim definhou, com cada vez menos gente. Acabou virando numa igreja fundamentalista. Pelo menos, dá mais dinheiro à nova direção!

Eliezer Batista Ligou A Vale Ao Resto Do Mundo

Galgando vários postos ao longo de sua carreira, até ser nomeado presidente da mineradora coube a ele transformar..


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