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Gente Assim Como a Gente

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31/07/2017 - por Nancy Araújo de Souza

     Foi numa manhã quando seguia para a avenida onde faço a caminhada matinal que percebi a pequena construção debaixo da grande mangueira, quase na esquina. Era um amontoado de peças das quais não me lembro muito bem. Penso que eram umas caixas de madeira, outras de papelão, um guarda-chuva ou uma pequena barraca de camping rasgada, entre outras coisas indefinidas. Não me lembro de mais nada, mas parece que havia também um cachorro latindo e uma voz de homem a acalmá-lo, com delicadeza. O fato é que passando diariamente pelo local, a princípio fiquei bastante apreensiva, imaginando que em pouco tempo surgiriam outras barracas e o lugar se tornaria abrigo de moradores de rua, alguns drogados abordando sem cerimônia os passantes, e os mais atrevidos nos roubando a bolsa. Eu já me preparava para mudar o local das caminhadas. 
    O tempo foi passando, continuei caminhando por ali  mesmo e aos poucos vi a construção cres- cer. Uma das primeiras alterações feitas naquele domínio, foram as plantinhas que apareceram no meio de um pequeno canteiro gramado no espaço de terra que rodeava a árvore. Coisa pouca por causa do excesso de cimento. Ao passar, eu olhava com atenção e pensava que ali devia morar uma família que estava cuidando do seu espaço com carinho. Depois das flores talvez viesse uma pequena horta. Fiquei atenta e fui percebendo as mudanças.  Nunca vi pessoa alguma ali.  Um dia lá estava um sofá vermelho na frente da construção que já tinha paredes de tábuas e papelão. Em poucos dias ele desapareceu, imagino que a família tenha encontrado um cantinho para ele dentro da casa. Nunca mais ouvi cachorro latindo, talvez saia com o dono, que vai cedinho catar latinha ou outros materiais para reciclagem. Ele pode, quem sabe, ser um trabalhador fichado, como se diz, e trabalha como vigia à noite, ali por perto dormindo de dia com o cachorro ao lado, ou não tem cachorro, sei lá...
   Cadê as crianças e a mulher? Nunca vi ninguém ali. Toda família tem criança, ainda mais família pobre como aquela.  A gente sempre pensa que família pobre tem muitos filhos, não sei porquê.
As crianças podem estar na escola quando passo cedinho, é isso!  Também podem nem ter filhos. Pode ainda ser um homem que vive sozinho, mas pelo cuidado com o espaço deve ter uma mulher, homem é mais desatento com essas coisas. Acho que estou sendo preconceituosa, é uma bobagem pensar que homem não cuida da casa onde mora, alguns cuidam e muito melhor do que algumas mulheres, ora essa. 
    Passei a prestar mais atenção àquela construção que vejo crescer e hoje já tem um puxadinho nos galhos da árvore, o segundo piso. Também parece que cresceu para os fundos.  O jardim está maior-zinho, e os canteiros cercados por pedras e pedaços de tijolos. Do lado direito da construção, a parede de papelão ou de tábuas foi coberta por uma enorme bandeira do Brasil, bem esticadinha em sua total beleza. É uma casa de família, tenho certeza. Família de trabalhadores, pessoas que saem cedo e devem retornar à noite para o repouso merecido. Às vezes,tenho vontade de caminhar à noite só para ver como é a casa movimentada pelos moradores, mas tenho medo e não me arrisco a cami-nhar depois que escurece. Não tenho medo dos moradores da casinha, mas de pessoas que não despertam nenhuma suspeita e podem ser as mais perigosas.   
    Na semana passada  voltei a caminhar depois que retornei de uma viagem longa e me deparei com as novidades da casa. Uma escadinha bem feita na frente, duas estantes pequenas repletas de livros e cadeiras bastante usadas, talvez tudo recolhido no lixo e uma placa de papelão onde li: Livros para doação. Fiquei pensando que ali deve morar alguém ou alguma família de coração imenso que talvez nem saiba ler muito bem, mas se preocupa em recolher do lixo livros para doar. O meu espanto e admiração foram enormes. Será que alguém para ali e leva um livro para ler em casa? Será que alguém percebe o tamanho da generosidade daquelas pessoas tão humildes, mas tão ricas de bondade e gentileza? Outro dia passei mais devagar, sempre que passo por ali diminuo o passo para observar o lugar, e vi outros objetos interessantes. Um quadro branco, encardido pelo uso, que deve ter sido usado em escola com uma frase interessante sobre leitura. Li rapidamente e fui caminhar pensando naquilo. O coração ficou feliz pensando que é de gente assim que o país necessita. Gente pobre economicamente, mas rica de sabedoria, de generosidade. Qual de nós com as estantes cheias de livros empoeirados tem a coragem e a bondade de colocá-los na porta de casa e oferecê-los a quem quiser ler? Eu, por exemplo morro de ciúme de meus livros, tento me desapegar deles, mas tenho dificuldade. Se tivesse um marido juro que teria mais ciúme dos meus livros do que do companheiro. Ninguém tente não me devolver um livro que empresto! 
    Hoje, quando passei por lá parei bem na entrada, com cuidado para não pisar nas plantinhas e fui reler a frase dos quadros que agora são dois. Saí dali e fui caminhar com o coração transbordando de bons sentimentos e de admiração por aqueles que, na sua pobreza são seres humanos maiores do que eu, com certeza e bem melhores. A frase é mais ou menos esta : “Não viaje nas drogas, viaje num livro. A leitura te leva a mundos incríveis”. O outro quadro diz mais ou menos o seguinte: “O conhecimento não deve ser guardado em gavetas ou estantes, deve ser compartilhado”. Achei muito bonito e quis neste texto repartir com outras pessoas o que sinto diariamente quando passo por ali e vejo a construção humilde, o lar de pessoas que nunca vi, mas sei que são gente boa, gente como a gente, ou bem melhores… Não há como não me emocionar...

 

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