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Assuntos Banais

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30/10/2017 - por Nancy Araújo de Souza


         Já faz muitos anos que uso o ônibus como transporte. Parei de me estressar no trânsito desde que me aposentei. Hoje, no máximo, fico um pouco aflita quando ele atrasa ou se um engarrafamento me faz chegar atrasada ao compromisso. Evito isso saindo mais cedo de casa Procuro me distrair na viagem, observando detalhes da cidade que não via enquanto estive sentada diante do volante, preocupada com os imprevistos. Nunca gostei de dirigir, foi a coisa mais cansativa que enfrentei durante muitos anos. Nada se compara à responsabilidade de um motorista no meio do trânsito caótico, com as surpresas desagradáveis do piloto da moto que só vemos depois que passa, o medo dos assaltos nos semáforos, os motoristas nervosos que nos xingam  porque respeitamos a velocidade permitida, e os loucos que surgem, de repente, atravessando a rua fora da faixa de segurança, e animais sem dono, e as buzinas, e tanto imprevisto, que pouca coisa me distrai tanto quanto entrar num coletivo e não ter mais estas preocupações. Os motoristas e trocadores, hoje, são bem treinados e educados, pelo menos nas linhas que uso com mais frequência. 
     O fato de ter o direito de não pagar passagem também contribui um pouco para meu contentamento. E ainda tem as conversas que ouço e me distraem... Conversas banais. Cada relato que ouço durante as viagens pode render assunto para escrever muitas histórias interessantes. Algumas são muito tristes, outras muito engraçadas e algumas, raras, muito preocupantes. Quem conversa mais nos ônibus são as mulheres, os homens são mais calados e quando dialogam falam de trabalho e futebol, algumas vezes de política, mas o assunto predominante é o futebol, sem dúvida. Nunca falam de mulheres e de relacionamentos! Nunca!!!!
   Se fizer uma pesquisa sobre assuntos conversados nos ônibus, a variedade pode surpreender. Mulheres mais maduras falam de religião, de festas em família, de grupos de idosos que viajam, dançam e namoram, coisas leves, mas algumas descem o pau nos genros e noras que nunca são suficientemente bons para elas.  Poucas falam de dificuldades financeiras, deixam isso para os jovens da família que estão desempregados.
  Muitos destes jovens estão indo para entrevista de emprego. Se são homens, estão ligados ao celular e nem se dão conta de que ocupam lugares destinados aos idosos. Também dormem ou fingem dormir quando ao seu lado está um idoso viajando em pé. Alguns são atenciosos e cede o lugar como um favor. Como um favor! Esta juventude é de espantar... As mocinhas falam muito de estudos e relacionamentos. Algumas tenho visto muito nos últimos tempos, falam de estudos, comentam as dificuldades para terminar a tese de mestrado, doutorado ou seja lá o que for, comprovando que as mulheres realmente estudam mais do que os homens. É bom ver que elas se dedicam aos estudos, mesmo sem muita perspectiva de um trabalho condizente com o nível de conhecimento adquirido, ou para ser mais clara, com o diploma adquirido, porque conhecimento nem sempre acompanha o certificado, isso é relativo. Ainda bem que estudam e podem viver a esperança de que com um diploma na mão ou na parede, poderão, um dia, deixar de andar de ônibus... Doce ilusão...Não têm idéia do quanto é estressante  dirigir um carro,enfrentar o trânsito maluco e o quanto é bom viajar de ônibus ouvindo histórias interessantes...
         Histórias interessantes ouço com freqüência, como aquela da mulher que, no bando atrás de mim contava como mandou o cachorro do marido ir embora, coisa de rir uns dois meses. Outra foi aquela que deu uma surra no marido no bar do bairro onde ele estava bêbado. Mas uma das mais tristes foi a da mãe cuja filha foi assassinada pelo marido, que está preso. Ela, que já não é jovem, cuida dos netos e precisa trabalhar para sustentá-los. Isso é triste demais.
Uma jovem, ao celular, não percebeu o viva-voz ligado, por engano com certeza, e todos os passageiros ouviram quando o rapaz pediu, gritando, para ela desaparecer da sua vida, que não queria mais nada com ela, etc e coisas bem desagradáveis e ela com dificuldade para desligar o troço... 
   Mais difícil foi ouvir uma senhora madura falar do suicídio do marido. O quanto sofreu complexo de culpa que sentiu, e a hostilidade da família dele culpando-a pela atitude louca do marido, pois ninguém supunha que ele pudesse se matar. Até o dia em que ela adoeceu seria-mente e os médicos pediram todos os exames possíveis para descobrir o seu problema. Quase morreu quando a informaram dos resultados e um deles mostrou algo que ela nunca poderia imaginar: soro-positivo. A revolta, a decepção com o único homem da sua vida e o ódio! A razão do suicídio do marido: AIDS.  No momento estava voltando do grupo de apoio a pessoas com este problema. Conta com a ajuda deste grupo e dos filhos que são carinhosos e lhe dão o respaldo para continuar vivendo. A família do marido recebeu com revolta a notícia querendo ainda culpá-la pela doença e morte do marido. Hoje ela e os filhos não convivem com eles. Essa foi uma das mais tristes histórias que ouvi no ônibus.
    Andar de ônibus e ouvir tais relatos também me deixa um pouco triste, mas logo a tristeza é substituída por uma história alegre, ou uma paisagem que não conhecia e vou me distraindo com as novidades. Penso que deveria fazer uns passeios de ônibus por bairros mais afastados para conhecer outras histórias... Mas fico por aqui mesmo em roteiros mais curtos onde sempre encontro novidades e muito a aprender. A vida sempre nos ensina algo, principalmente quando viajamos de ônibus e nos surpreendemos com certas histórias banais. 

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