*Por Fabio Serapião – site Crusoé
A saída da delegada Denisse Ribeiro do cargo que ocupava na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, a Dicor, e sua ida para a Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal geraram um estresse incomum na cúpula da Polícia Federal nos últimos dias.
Denisse é responsável por dois inquéritos muito sensíveis para o presidente Jair Bolsonaro. Um deles é o “inquérito do fim do mundo”, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que apura, entre outras coisas, a existência e o financiamento do chamado “Gabinete do Ódio” no Palácio do Planalto. O outro busca descobrir quem banca os atos antidemocráticos organizados por militantes bolsonaristas que deram origem a crises entre o Executivo e os demais poderes.
Os dois casos continuam com a delegada e sua equipe, mas na semana passada a investigação sobre os atos antidemocráticos chegou a sair das mãos dela e ser distribuída para outro setor da PF. Em razão da decisão, a delegada pediu exoneração do cargo de confiança que ocupava na Dicor, vinculada diretamente à direção-geral da corporação. Na sequência, ante a possibilidade de a saída virar uma crise interna e externa, já que ambos os inquéritos correm sob a relatoria de Alexandre de Moraes, os autos foram devolvidos para Denisse Ribeiro.
O estresse começou na segunda-feira, 6, quando houve uma reunião com a participação do diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Souza, da própria Denisse e do seu chefe imediato, Igor Romário de Paula, titular da Dicor.
Crusoé apurou que, durante a conversa, o diretor-geral foi informado sobre o andamento do inquérito dos atos antidemocráticos e sobre quais pessoas a investigação já havia alcançado. Rolando então teria dito que defendia o envio do caso para o Serviço de Inquéritos Especiais, o Sinq, uma repartição vinculada à Dicor que tem por atribuição tocar apurações que correm em tribunais superiores e envolvem alvos com foro privilegiado. O envio seria uma necessidade para se adequar as normativas internas da PF.
Se o inquérito fosse de fato transferido para o Sinq, Denisse deixaria de conduzir a investigação. O motivo de a delegada se negar a ir para o Sinq, apurou Crusoé, seria o fato de a delegada não ter uma boa relação com a equipe de lá e, também, não querer mudar o grupo de investigadores do caso. A delegada e Igor Romário de Paula responderam a Rolando que a decisão também dependeria de Alexandre de Moraes, que, anteriormente, havia solicitado a permanência de Denisse no caso. O diretor-geral insistiu na mudança.
Na quinta-feira, 9, Igor Romário teve que executar a ordem do diretor-geral. Encaminhou um despacho à Corregedoria da PF, informando sobre a remessa da investigação para o Sinq. O protocolo era necessário para que fosse feita a distribuição do caso a outro delegado. No despacho, está registrado que o assunto havia sido tratado com o diretor-geral.
Naquela mesma quinta, em outra reunião mais curta, o diretor-geral defendeu a sua decisão anterior, de tirar o inquérito da Dicor, mas propôs uma alternativa: o inquérito passaria a ser formalmente registrado no Sinq, como ele queria, e Denisse, se desejasse, poderia seguir na investigação, mesmo lotada na diretoria de Igor Romário. Era uma solução atípica: pela ideia, a delegada despacharia em um setor tocando uma investigação que, oficialmente, estaria debaixo da estrutura de outro. Denisse não topou a proposta.
No dia seguinte, em busca de uma solução para o impasse, foi feito outro despacho, modificando o primeiro, aquele que ordenava a distribuição dos autos para um novo delegado. A nova determinação estava em linha com a segunda reunião com o diretor-geral: o inquérito de fato seguiria de fato para o Sinq, mas Denisse continuaria no caso, mesmo lotada em outro setor. Denisse, que rejeitava a todo custo a ideia de cuidar de uma investigação vinculada ao Serviço de Inquéritos Especiais, novamente recusou a ideia e, na segunda-feira, 13, entregou o cargo de confiança na equipe de Igor Romário e pediu para voltar para a Superintendência da PF no Distrito Federal, onde estava lotada anteriormente.
Para tentar contornar a situação, Igor Romário procurou Denisse para buscar uma alternativa. Ela teria dito que mantinha a decisão de ir para superintendência, mas que poderiam enviar o inquérito dos atos antidemocráticos para lá, caso entendessem que ela deveria continuar com a investigação. Houve finalmente um acordo. Na prática, desde a última terça-feira, 14, os autos estão na Superintendência da PF no Distrito Federal, a cargo de Denisse Ribeiro.
Para evitar que o vaivém fosse interpretado como uma tentativa de criar embaraços à investigação, a cúpula da PF entrou em contato com Alexandre de Moraes para explicar a situação. Em abril, logo após o ex-ministro Sergio Moro denunciar uma tentativa de interferência na PF pelo presidente Jair Bolsonaro, Moraes ordenou que a delegada e outros três investigadores fossem mantidos nos inquéritos.
A explicação oficial da PF para a transferência é que o inquérito dos atos antidemocráticos precisava ser atrelado — ou tombado, como se diz no jargão da corporação — a um setor que tem atribuição de realizar investigações dentro da corporação. Como Denisse Ribeiro estava lotada em um cargo administrativo na Dicor, seria preciso transferir os autos para uma área operacional.
Na prática, a mudança poderia impactar diretamente na condução da investigação: se o inquérito fosse para o Sinq, a delegada teria que trabalhar com agentes do setor. Até então, na Dicor, ela vinha trabalhando com policiais de sua estrita confiança, lotados também na superintendência de Brasília, para onde ela foi transferida nesta semana. Além disso, No Sinq ela passaria a estar subordinada não mais a Igor Romário, mas ao coordenador de combate à corrupção, um delegado escolhido pelo atual diretor-geral.
A transferência da delegada se deu na semana em que ela pediu — e Alexandre de Moraes autorizou — a anexação ao inquérito dos atos antidemocráticos uma investigação interna realizada pelo Facebook que apontou a ligação de pessoas próximas à família Bolsonaro com páginas destinadas a atacar adversários do governo e do clã presidencial. Segundo o Facebook, Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial do presidente, seria um dos responsáveis por essas contas.