O que fazer para resolver a questão da dúvida pública? Todo o povo brasileiro se pergunta indignado quando poderá confiar verdadeiramente nos seus juizes e desembargadores, nos administradores públicos e nas pessoas que ocupam cargos de suma importância na organização social deste nosso país, que passou dos quinhentos anos. Às vezes tem-se a impressão de que na cúpula administrativa brasileira predominam os calhordas, os canalhas, os cínicos, os contraventores, os corruptos, os embusteiros, os espertalhões, os falsários, os fraudulentos, os impostores, os irresponsáveis, os larápios, os patifes, os prevaricadores, os sacanas, os salafrários, os trambiqueiros, os trapaceiros e os vigaristas. Será isso verdade? Será que não estamos enganados e tudo não passa de uma grande brincadeira? Há pouco descobrimos estarrecidos que o valor do dólar não era real e que o valor do real estava fora da realidade. Os porta-vozes da economia tentaram de todas as formas nos convencer de que a desvalorização era necessária para continuarmos nossa caminhada rumo à tão sonhada estabilidade econômica, e de que os inúmeros aumentos abusivos em nada alterariam os índices inflacionários. Por outro lado, será que tem algum sentido manter milhões de pessoas na miséria com o argumento de que só assim conseguiremos atingir um nível de crescimento econômico capaz de proporcionar a todos o bem estar social e uma renda per capita digna?
A classe média tenta a todo momento fugir do dragão da inflação, escapar do fantasma do rebaixamento, safar-se da boca do leão, escapulir dos pedágios, conferir os pesos e medidas, esquivar-se das falsificações, livrar-se das multas e taxas extras, defender-se da pirataria tributária oficial e sair da mira dos bandidos. Talvez seja o caso de propormos uma CPI ampla, geral e irrestrita: pararíamos o país por três meses apenas e durante este tempo, todos os setores da vida pública seriam detalhadamente examinados, com divulgação das conversas telefônicas de todos os nosso caciques e poderosos, e quebra do sigilo bancário da quase totalidade de nossos dirigentes e detentores dos cargos de confiança. Todos os aeroportos seriam fechados temporariamente para que ninguém fugisse e - lançando mão da terceirização - contrataríamos o FBI e a Interpol para fazer o censo exato de todos os impostores; além de ótimos programas de televisão, teríamos no mínimo a possibilidade de identificar os bandos, as quadrilhas e os esquemas, mesmo que ninguém fosse preso. Sabemos que muitas vezes há insuficiência de provas, pois o dinheiro passa por uma lavagem high tech muito eficaz.
Mas sempre há uma saída para tudo. É preciso paciência e fé no bom senso de quem dirige este país. De qualquer modo, não há razão para desespero. Como disse aquele honrado deputado ao depor num dos casos mais escabrosos de venda de informações sigilosas e de uma rede nacional de propinas: “Quebrem meu sigilo bancário, mas respeitem minhas contas na Suíça, é só o que eu peço!”
Para os trabalhadores a realidade continua dura, ereta e cada vez mais penetrante. Assimilaram até mesmo os roubos oficializados, a ciranda financeira, o achatamento dos salários, a disparada dos preços, o sucateamento dos serviços básicos e a retração da empregabilidade. Mas será que aqui, sob esse belo céu azul, há algum favorecimento? Há vazamento de informações confidenciais; há esquemas de propinas? Há corrupção; há desvio de verbas? Há impunidade; há nepotismo? Há prevaricação; há políticos B.O? Há algum descaso? há crime organizado? Novamente a dúvida pública nos assola, exigindo respostas imediatas e objetivas.
De qualquer modo temos a pausa para Natal e logo depois o carnaval, dando uma oportunidade ótima para a mídia hegemônica entreter a maioria da população. Todos nos sentiremos então no melhor dos mundos possíveis, afinal os melhores jogadores, as melhores praias, o melhor clima e os melhores trios elétricos estão aqui, neste quase continente, cheio de sol e abençoado por Deus, convictos de que a História seguirá o seu curso e de que tudo está sendo feito com o melhor das intenções. Acima de tudo somos um povo alegre e feliz! Que Deus nos proteja!
*Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.