Nos Estados Unidos e na Europa era um tsunami: quebravam bancos, empresas e até países. No Brasil apenas “uma marolinha”. Assim Lula respondeu às preocupações dos investidores sobre a crise financeira de 2008. A premonição do asceta foi o suficiente para difundir a descontração, e transformar-se em marchinha de carnaval. Logo depois, com a economia desmoronando, e os efeitos da crise chegando ao Brasil, o País seria contemplado com uma “Nova matriz econômica”.
O messiânico Lula, o submisso Mantega e o ávido PT concluíram que o problema da economia brasileira era de consumo - muita gente pobre fora do mercado – e não de oferta . As exportações de manufaturados cresciam e a China absorvia nossos excessos de matéria prima. Lula tornou-se santo milagreiro até para Obama : “Este é o cara!” E aí acreditou que podia tudo (“WeCan”). Expandiu o crédito, subsidiou juros , a energia e a gasolina, criou uma política paternalista de distribuição de renda e adotou o controle do câmbio. A seguir, para manter o emprego dos metalúrgicos introduziu uma renúncia fiscal em favor da indústria automobilística e a de bens de consumo durável (linha branca) , que custou quase R$ 500 bilhões para o Tesouro Nacional. A economia chegou a acusar uma expansão de 7,6% (2010).
Incorporando ao seu discurso, a crença de que o Brasil era uma nação emergente, fez-se da irresponsabilidade fiscal uma política pública, desconstruindo o sistema de metas de inflação. Tudo acompanhado de pouca ciência e muita bravata contra o neo-liberalismo de FHC. A base de governo tornou-se uma hábil destruidora de reputações. O egocentrismo propiciado pela ilusão do Poder, levou alguns companheiros a tentar agir muito próximo do que recomendou Lênin em “O que fazer? “ . Inibidos, os economistas calaram-se, e uma grande parte aderiu à tal Matriz: “Parecia tudo tão óbvio”.
Certa de que em time que está ganhando não se mexe, a nova presidente manteve , no primeiro mandato, o mesmo ministro da Fazenda, o que significava dar segmento à matriz instituída pelo antecessor. Por sua vez, ignorando a coleção de fracassos da personagem, tanto na vida privada quanto pública, a volúvel imprensa, ciente já do desgoverno anterior, tentou estigmatizar a Presidente como a gerentona, ao vê-la acentuar a idéia da intervenção do Estado, introduzindo pedaladas com dinheiro das estatais, expandindo gastos públicos. Tudo somado deu a ela e ao seus correligionários lastros eleitorais.
A irresponsabilidade fiscal estabeleceu,comtudo, uma desordem nas contas públicas. As matrizes de controle de gastos foram totalmente desconfiguradas pela “contabilidade criativa” do ex-ministro da Fazenda: excesso de previsões otimistas , agressões a matemática, ilusionismo contábil, maquiagens, pedaladas, intervenção nos orçamentos das empresas públicas e nos fundos de pensão. Fazia-se a festa. A reorganização do irreverente desmonte fiscal tornou-se compulsório. Dilma foi obrigada a buscar um ministro mais ortodoxo para a Fazenda . O esforço de Joaquim Levy de reordenar as contas do Governo, terminou por expor à Nação os horrores remanescentes da tal matriz econômica: queda do PIB, aumento do desemprego, corrupção explícita, perda da credibilidade externa.
Em presença de indicadores todos negativos e agora também da má vontade do capital e já com quase a metade do Congresso na oposição, a Presidente tentou amparar a governabilidade em grandes e onerosos conchavos . O sucessor de Levy, Nelson Barbosa, ex-subordinado de Mantega na Fazenda, chega prometendo uma “Nova Matriz Econômica”. Uma das suas virtudes seria a reativação do ignorado Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) da Presidência da República, cujo papel sempre foi o de legitimar iniciativas criativas do Executivo.
Embora inclua nomes respeitados no mundo empresarial, com o “pacote econômico” agendado publicamente três a quatro dias antes do retorno das atividades parlamentares, fica a impressão de que um de seus propósitos é desviar a atenção de deputados e senadores do impeachment. Os mais céticos associam o novo CDE ao modelo de conselho instituído por Maduro , na Venezuela, para assumir temas que o não conseguiria ver aprovado mais no Congresso. Representaria um aprofundamento do desgaste dos políticos junto à opinião pública. Enfim, a matriz lulista tem conseguido desestruturar também a política. Não se avista no horizonte um partido, um político, um líder, um economista, um militar capaz de merecer o crédito da população. Por analogia, recentemente, Vladimir Putin acusou Lênin de ter desorganizado a Rússia, produzindo, como resultado, o regime rigoroso de Stálin. Aqui parece que será um pouco diferente. Somos mais retóricos. Produzimos a “Década do Desenvolvimento”, depois com a “Década Perdida”, agora a História coloca para os brasileiros o desafio da “Década da Mediocridade”, uma mistura de ignorância, fetichismo e caos, que nada tem de marolinha: um verdadeiro tsunami.
*Jornalista, professor. Doutor em História Cultural (Estive viajando pelo interior do Brasil, inclusive do Nordeste. O quadro de insegurança é desolador)