Não tem boneco de cinco metros de altura, não tem carro alegórico, nem passistas com aquela alegria contagiante. O carnaval do zyca é aterrorizante: aquele povo mascarado, carregando nas costas cilindros de repelentes venenosos, invadindo e revirando as casas. É uma ameaça para mães grávidas, crianças recém-nascidas, jovens e adultos sexualmente ativos, bancos de sangue, viajantes internacionais, trazendo o risco ainda de afetar a realização dos Jogos Olímpicos, sobretudo por não se dispor de vacinas e de conhecimentos consolidados sobre o tema. A picada do mosquito (Aedes egypti), eleito como grande vilão, provoca, febres diarréias, vômitos , afeta a formação do cérebro de fetos e de crianças recém-nascidas . Seus efeitos podem ser transmitidos em abraço, beijo ou ato sexual. Parece um halloween fora de época. Estabeleceu-se com ele um pânico generalizado.
Apesar da extensão da campanha antizyca, as comprovações da sua repercussão na dimensão a que foi alçada merece o questionamento de profissionais de saúde, inclusive da OMS, cujos dirigentes adoram uma pandemia. A mobilização repentina contra o zyca, coordenada pelo Palácio do Planalto, no Brasil, ganhou a adesão de vários países, infiltrou-se nas primárias eleitorais nos Estados Unidos, recebeu a adesão de Obama, de Marc Zuckenberg, o referendo de Maduro, a conivência da Colômbia, a visita de Evo Morales , advertências na França, na Argentina, na Suiça, na Alemanha e alcançou a Ásia. Teme-se contraditoriamente que o vírus chegue a África, onde teria, de fato, originado.
De passado longínquo, mas de efeitos marcantes foi a declaração de um presidente do Ibama , preocupado em reduzir o avanço dos garimpos na Amazônia. Intuiu ele filosoficamente que o contato com o mercúrio poderia tornar o sujeito um impotente sexual. Como coordenador de Comunicação divulguei aquilo amplamente, confiando que se tratava do resultado de estudos científicos. Só fui descobrir mais tarde, por meio de pesquisadores apressados em sacar financiamentos públicos, que a assertiva poderia ser verdadeira, embora não existisse dados suficientes. Mas a campanha já se tornara pública, gerando o pânico entre os miseráveis garimpeiros.
Até hoje tenho dúvidas e, por duvidar, remeto-me ao carnaval do zyca, em 2016, cujo “abre alas” inclui a chikungunha e a dengue, da mesma família, epidemias localmente definidas e que, repentinamente, ganharam o Brasil e até o mundo. O carnaval do zyca foi lançado injustamente no Nordeste, onde o pessoal é mais crédulo e curte um discurso dramatizado. A aterrorizante campanha agregou logo populações de 14 estados e de centenas de municípios, despertando alguns médicos infectologistas da sua incógnita existência para os quinze minutos de fama. O presidente da Bolívia , Evo Morales, veio ao Brasil para assinar um convênio de proteção contra o que começou a ganhar a aparência discursiva de uma pandemia, embora a OMS não tivesse informações consolidadas, nem havia dado a sua palavra final. O sábio deputado (PMDB-Pi), doutor Marcelo Castro, ministro da Saúde, deu a sua efetiva contribuição para a campanha numa declaração explosiva e contundente de que : “O Brasil está perdendo feio a guerra contra a Zyca”.
Assim como no garimpo, aquela informação sobre a impotência sexual no contato com o mercúrio causou um pânico geral, o medo da zyca se espalhou, apesar de o mosquito já ser conhecido desde 1947 e seus efeitos endêmicos em 27 países, inclusive no Brasil. Em pouco mais de três meses, com a Nação envolvida na discussão sobre o impeachment, a população foi tomada pelo pânico, gerado pela campanha do governo, que transformou o mosquito (Aedes aegyti) no inimigo número um do País, fazendo emergir a controvérsia sobre o aborto. Há quem acredita que o zyca chegou de avião, durante a Copa de Mundo de Futebol em 2014 .
De qualquer maneira, para a presidente da República era uma luz no fim do túnel. Foi repentinamente à televisão e ao rádio e fez um apelo em favor da “união nacional” , anunciando, com estilo próprio, uma “Guerra contra o zyca!” . Imediatamente, a comunicação do Palácio do Planalto a resumiu, numa frase infeliz e anti-pedagógica, de conseqüências metafóricas amplas : “Se o mosquito da zyca pode matar, ele não pode nascer“.
Logo em seguida o ministro da Defesa, Aldo Rabelo, anunciou que, entre os dias 15 e 18 de fevereiro, 220 mil soldados, 160 mil do “glorioso” Exército, 30 mil da Marinha e outro tanto da Aeronáutica, farão panfletagens nas ruas, para orientar a população no uso de inseticidas e larvicidas. O Ministério da Saúde e as secretarias de saúde, dotadas de extensos quadros de “fiscais sanitários” e mais de 10 mil médicos cubanos parecem ter um papel de coadjuvantes nesse carnaval da "guerra contra a zyca" que, no fundo, parece estar celebrando o funeral do impeachment.
*Jornalista e professor. Doutor em História Cultural.