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Quem Tem Medo da Filosofia?

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14/01/2016

Em comparação com as diversas formas de conhecimentos estabelecidas e popularizadas pelas ciências físicas hoje, o conhecimento filosófico aparece como algo estranho, especialmente para o modo de pensar comum, que chamaremos de senso comum. Este é um tipo de saber, mas carregado de reações e julgamentos afetivos,característico de nossas relações uns com os outros na vida cotidiana. Nas diversas épocas e nos diversos lugares o ser humano tem buscado conhecer a realidade (origem, acontecimentos, fenômenos físicos, relações humanas, a sociedade), para dar sentidos para as coisas e para si mesmos e bem conduzir as suas existências. O senso comum é também um saber sobre tudo isso, mas suas interpretações não exigem esforço intelectual. É bom lembrar que o senso comum é característico de todos nós, com formação escolar elevada ou não.

Para o ser humano aficionado às formas de conhecimentos das ciências físicas (biologia, química, física, etc.) o conhecimento filosófico é insuficiente porque não tem como  fundamento a experiência. O que não é experimentado como fato não é doador de conhecimento. Embora deveras importante não é meu intento desenvolver aqui este aspecto.

Como surgiu a filosofia? E como surge ainda? Vamos Começar pelo primeiro aspecto. Historicamente falando a filosofia teve um tempo (século VI a.C.) e um lugar (Grécia antiga) de aparecimento. O que os primeiros filósofos queriam discutir? Uma das mais importantes certamente é a questão da origem do mundo. Encontramos esta questão em todas as interpretações do mundo nas diversas culturas ou sociedades. É a questão da origem e foi sempre considerada importante para a orientação do humano na vida presente e arquitetar a vida futura. O sentido da vida advinha da explicação que se dava da origem de uma determinada cultura, para até conformar instituições e relações humanas. Destaco aqui as relações de poder. 

A explicação da origem do mundo que os primeiros pensadores (filósofos) enfrentaram no período histórico grego considerado estava vazada em narrativas mitológicas, ou seja, a origem de qualquer coisa (mundo, homem, lei, poder, guerra, planta, conhecimento, amor) provinha da intervenção de forças sobrenaturais. Forças divinas (deuses e deusas) benignas ou malignas. Explicava-se assim também a origem do bem e do mal no mundo. E este tipo de recurso era característico e forte nas diversas culturas de forma a servir para estruturar as relações entre os indivíduos e garantir a unidade e sobrevivência cultural. 

 Os primeiros filósofos causaram uma tensão ideológica ao apresentarem outras explicações. Eles se afastaram das explicações de origem de fundamentos míticos (contidos na rica mitologia grega) e as apresentaram derivando-as da própria racionalidade humana. Explico: O filósofo e matemático Tales de Mileto disse que tudo o que existe no mundo foi derivado da água. Essa afirmação em relação ao argumento mítico significou um deslocamento audacioso porque afirmara que a natureza teve sua origem na própria natureza (água) e, por derivação, a explicação advinha da racionalidade humana porque é o ser humano que a profere.

Trazer a explicação da origem do mundo para o campo da razão ou do intelecto significou uma mudança considerável porque colocou como ponto de partida a racionalidade humana, ou seja, o ser humano como centro ou ponto de partida de todo discurso possível sobre a realidade. Antes, fontes transcendentes (divinas ou mágicas) guiavam a racionalidade humana. Agora, fontes imanentes (humanas) passaram a ser o núcleo gerador de justificativas de tudo o que acontece entre os seres humanos. Um passo decisivo para o nascimento do que se denomina de ciência ocidental fora dado. Historicamente essa postura prosseguiu entre muitas tensões, bastando olhar as polêmicas, os ataques e os recuos forçados pelos intelectuais cristãos na idade Média. A polêmica é tensa ainda hoje.

Mas trazer o argumento interpretativo da origem para o intelecto humano exigiu já para os pensadores gregos o desenvolvimento de outros procedimentos. Aponto a necessidade reconhecida de que o pensar coerente exige regras. Se pensar é importante e necessário é preciso pensar com coerência, com regras. Nasceu aí a Lógica como a (ciência) do pensamento correto. Pensar bem exige regras e aplicar regras significa a criação de uma nova linguagem que dê conta da complexidade do mundo. Distanciou-se do pensar do senso comum que os gregos já chamavam de doxa (opinião) ou pensar espontâneo carregado de reações afetivas e subjetividades. 

Temer o argumento filosófico pode significar ter dificuldade para entender a linguagem elevada que os filósofos criaram para compreender, explicar ou interpretar os complexos desafios que o mundo sempre coloca. É o que observamos naqueles que iniciam a leitura em filosofia. Mas temer a filosofia pode significar também sentir-se inseguro diante do impulso crítico da filosofia, ou seja, a liberdade da filosofia em colocar sob análise, sob debate as verdades absolutas que determinadas tradições sempre alimentaram e alimentam até com virulência. 

Os filósofos têm afirmado que tudo o que é humano merece ser discutido. As verdades absolutas não raro são instrumentos de dominação. Basta estarmos atentos para realizarmos a leitura correta do mundo. As verdades absolutas não se confundem com as verdades universais. Mas deixemos esta variável para uma abordagem futura.

E como surge hoje o pensar filosófico? Surge do impulso crítico de tudo compreender, de analisar os fatos sob todos os aspectos possíveis, de buscar as justificativas dos argumentos, de ultrapassar as aparências tentando encontrar as essências, de buscar os fundamentos das questões. Educar os indivíduos filosoficamente é prepara-los para esses empreendimentos. Poderá surgir daí o cidadão. 

*Mestre em Filosofia e Sociedade  e Membro do Centro de Apoio aos Direitos Humanos

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