Pode parecer uma coisa sem sentido, mas a questão do conhecimento ou do conhecimento verdadeiro tem despertado vivas polêmicas entre aqueles que se sentiram tocados pela questão. Os primeiros a se despertarem para a complexidade do problema foram alguns intelectuais gregos denominados de filósofos. No momento em que esses pensadores afirmaram a central importância da razão humana para a construção de qualquer discurso sobre o mundo (origem, homem, sociedade, vida política, lei, etc.) o problema do conhecimento verdadeiro emergiu. No bojo das querelas estava o problema da verdade.
Quando os sábios gregos afirmaram a prioridade da razão para organizar uma fala sobre a realidade mundana também afirmaram que tudo pode ser conhecido (o que não quer dizer que a razão pode conhecer todas as coisas). A verdade existe, diziam eles, e ela pode ser conhecida desde que a coloquemos como objeto de pesquisa e articulemos uma lógica do discurso, ou seja, regras lógicas ou organização do pensamento para captá-la. Conhecer a verdade ou captar a realidade como ela é tornou-se um exercício intelectual. O conhecimento estaria ligado, pode-se notar, à coerência do pensamento. Pensar bem se tornou necessário para compreender o mundo externo às pessoas. Ao se proceder dessa maneira o sujeito que pensa poderia se apropriar intelectualmente do objeto (seja um objeto apenas intelectual ou físico) e a certeza das coisas estaria assegurada.
Mas o que levou os pensadores gregos a sustentarem tal afirmação? Estariam eles tentando se afastar do domínio do pensamento absoluto, conforme apresentado nas narrativas míticas? Nas narrativas as explicações sobre os acontecimentos e fenômenos que aconteceram e acontecem no mundo são decorrentes das intervenções de seres sobrenaturais. E aqueles que acreditavam nessas intervenções as adotavam como parâmetros para interpretar os fenômenos e a usavam como modelos valorativos para suas condutas na vida, transformando-as, com o costume, em verdades imperecíveis e, portanto, como verdades inquestionáveis. Essas atitudes, tornando-se absolutas, não estariam dando conta do mundo em contínua transformação. Era preciso um modo de pensar que pudesse dar conta do dinamismo da natureza e da sociedade. Pode-se até dizer que aqueles pensadores prepararam o advento do pensamento científico.
Na história intelectual do ocidente a questão do conhecimento ganharia contornos diferenciados. Mesmo porque as narrativas míticas não desapareceram na história, como atestam o conhecimento do fenômeno em diversas culturas. Entraria em cena também na história a doutrina cristã que acentuaria o (dogma) da iluminação divina, como postulou o sábio Santo Agostinho. A verdade seria um privilégio divino e Deus a teria fixado ou poderia fixar no coração humano. Surgiu aqui a doutrina (teoria) da verdade como iluminação divina. Essa ideia que foi forte no período da Idade Média impediu, como afirmam alguns historiadores, o desenvolvimento da pesquisa sobre o conhecimento, incluindo aí o científico. O absoluto continuou como substrato do conhecimento verdadeiro.
O Renascimento intelectual europeu abriu perspectivas para continuar a pesquisa sobre o método adequado de conhecimento. Importantes foram os avanços no campo da ciência notadamente da astronomia com a invenção das lentes, possibilitando o telescópio.
Com a astronomia desconstruiu-se a visão de um universo homogêneo (igual, fixo, finito), celebrizada pela concepção de que a terra ocuparia o centro do universo (geocentrismo). Uma concepção heterogênea do universo, onde os corpos celestes não ocupariam posições fixas, mas cujos movimentos estariam guiados por leis físicas (leis da atração dos corpos), mudou a visão humana do universo. Segundo historiadores a própria concepção do ser humano sobre si mesmo sofreu abalos, principalmente a ideia do homem como excelência da criação divina.
Reabriram-se no início do período moderno da cultura ocidental (século XVIII) as discussões sobre o problema do conhecimento, mas agora tangenciada pela questão do método. Dois movimentos intelectuais ligados ao fenômeno surgiram na Europa: de um lado o racionalismo, que afirma a centralidade da razão para o ato do conhecimento. O ato de conhecer seria uma espécie de construção do sujeito que pensa. Um célebre pensador francês teria iniciado o movimento, Renê Descartes, aquele do “penso, logo existo”. De outro lado o movimento conhecido como empirismo, celebrizado por filósofos ingleses, tendo como máxima expressão o médico John Locke. Afirmara esse pensador que o conhecimento vem, sobretudo, da experiência externa, o cérebro humano apenas organiza os dados que surgem do trato com as coisas.
E, com tudo isso, o que mudou no cenário? O que realmente podemos conhecer? Um filósofo alemão de nome Emmanuel Kant iria unificar as tuas correntes anteriores, racionalismo e empirismo, afirmando que verdadeiramente dependemos dos objetos externos para conhecer, mas a razão humana seria altamente criativa, ela construiria o saber segundo alguns princípios que são dela própria. Esses princípios, o espaço e o tempo, que a razão teria nela a priori (antes da experiência) organizaria o conhecimento.
E o que se concluiu dessa abstrata postura filosófica de Kant? Ele estabeleceria só se poderia conhecer ideias ou princípios com os quais você pudesse submetê-los à experiência. Se você não puder submeter algumas de suas ideias ou concepções à experiência concreta abandone-as, pois elas não trarão para você o saber. Essa postura filosófica de Kant traria muito impacto para a teoria do conhecimento. Um movimento filosófico pós Kant radicalizaria a questão, o positivismo. Este sustentaria que o conhecimento humano, para ser verdadeiro, deve se ater unicamente a fatos observáveis. O resto deveria ser relegado a fenômenos puramente subjetivistas, ou puras ilações individuais. De qualquer modo esta postura nos evita a cair no delírio intelectual. Este debate continua vivo até hoje.
*Professor da Universidade Federal do Espírito Santo; Mestre em Filosofia e Sociedade.