Quando escreveu sua obra Somnium, no século XVII, o astrônomo alemão Johannes Kepler fez pesar contra si a acusação de prática de bruxaria juntamente com a mãe Katharina. No livro, ele lhe pede uma porção que o induz a um sono que o permitiria viajar à Lua. Como tanto as inquisições católica e protestante buscavam um motivo mais sólido para acusá-los, essa obra foi o que bastou para que a Ciência mais uma vez se calasse naqueles anos obscuros.
Hoje, há mais que motivos para acusá-lo de bruxaria: sua descrição das paisagens lunares são muito próximas das que os astronautas encontraram quando pisaram no nosso satélite. Então, a Ciência encontrou uma voz fora dos ambientes acadêmicos para se manifestar: a Ficção Científica!
Vamos deixar bem claro: é ficção! Kepler não teria tomado nenhum chá que o teria conduzido ao espaço e sua descrição da paisagem selenita é fruto unicamente do seu vasto conhecimento científico, mesmo para a época.
Somnium talvez tenha sido a primeira das ficções científicas, assim declarado. Mas podemos dizer que “A República”, de Platão, já filosofava sobre Ciência Social ao relatar sua clássica “Alegoria da Caverna”, vinte e um séculos antes!
Isso, talvez, nos sirva para definir o que seja Ficção Científica. Trata-se de uma obra, seja escrita ou representada, que trata de assuntos correlatos ao alcance da ciência: o que pode ocorrer ao mundo, o que poderia ter ocorrido, a mudança do comportamento das pessoas, com suas reações e mudanças sociais com a criação de um determinado produto ou com a existência de um serviço antes não pensado e todas as suas consequências, positivas e negativas. Trata-se também do questionamento nietzschiano sobre a existência de Deus ou seu relacionamento com o ser humano. Fora isso, podemos chamar de especulação sobre a ciência ou de aventura espacial. A série “Guerra nas Estrelas”, por exemplo, foi classificada por um crítico como “faroeste espacial”, e, por mais fanático pela série que possamos ser, isso não está longe da verdade.
Então, entramos finalmente no assunto. Se aqui falamos sobre filmes, falaremos de filmes de ficção científica. Essa temática foi logo aproveitada pelos cineastas como Méliès que, em 1902 filmou seu “Viagem à Lua”.
Os cineastas tinham um enorme filão a ser aproveitado. O cinema nasceu no auge das descobertas científicas que moldariam o Século XX, iniciadas nos finais do Século XIX, quando uma excelente gama de escritores começaram a explorar a angústia humana ante as mudanças que estavam à beira da possibilidade de acontecer – e, algumas, realmente aconteceram! Começou com Jules Verne, que iniciou com contos sobre viagens fantásticas, mas plausíveis. Logo, imaginou um mundo fantasioso, impossível de ocorrer, num século XX que ainda estava quarenta anos distante para começar, onde aparelhos poderiam enviar textos escritos para outros aparelhos distantes! Inimaginável, para a época, um aparelho de fax!
Quando escreveu “Da Terra à Lua”, Verne começou a imaginar o impacto do mundo diante de uma viagem mais inusitada do que o seu “Viagem ao Centro da Terra”, escrito um ano antes. E esse filme inspirou Méliès na sua pioneira realização cinematográfica.
Ainda, do mesmo ator, veio o já citado “Vinte Mil Léguas Submarinas”, que se tornou um grande sucesso no cinema nas mãos do diretor Richard Fleischer, com Kirk Douglas e James Mason, numa produção milionária de Walt Disney em 1954, rendendo dois Oscar.
Jules Verne soube, então, vislumbrar o futuro através do presente, sendo um profeta visionário de, na maior parte das vezes, uma vida de boa qualidade, bem servida de tecnologia.
Mas outro escritor não teve ainda suas previsões concretizadas e respiramos aliviados quanto a isso. Trata-se de H.G. Wells. Esse socialista inglês se mostrou pessimista com a visão de futuro do mundo e seus avanços científicos e deu, para a alegria dos cineastas e cinéfilos, argumentos para filmes antológicos. Começamos com “A Guerra dos Mundos”, em que relata uma invasão à Terra por marcianos. Na época, por causa de um erro de interpretação de um astrônomo, havia se divulgado sobre a possibilidade de Marte possuir canais e, em consequência, vida inteligente. O livro levou a população ao delírio, quando foi narrado por Orson Welles pela rádio CBS em Nova York. A voz possante, daquele que viria a ser um dos grandes cineastas da história, fez o programa bater recordes de audiência e cerca de um milhão de pessoas acreditaram ser verdade, o que quase se tornou uma catástrofe. Melhor propaganda não poderia existir, e gerou dois bons filmes. Um, de 1953, dirigido por Byron Haskin, com Gene Barry, famoso pelo papel de Bat Masterson, e Ann Robinson, numa produção de George Pal, um gênio cinematográfico húngaro, que esteve à frente de vários filmes de ficção científica, inclusive tendo recebido vários Oscar. Desses três, só Ann Robinson continua habitando nosso planeta. Hoje, esse tema está bem explorado e os filmes com a temática de invasão interplanetária nem poderiam ser considerados mais de ficção científica. Mas Spielberg conseguiu ser um pouco mais próximo do livro original, na refilmagem de 2005 com Tom Cruise, Dakota Fanning, Miranda Otto, Tim Robbins, num desempenho impressionante, e, numa homenagem, Gene Barry, no seu último filme, e Ann Robinson. Além do mais, tem outro narrador impressionante, que foi Morgan Freeman.
Mas há ainda outras obras de H.G. Wells transformadas em sucessos no cinema. Damos continuação com “A Máquina do Tempo”, dirigido pelo já citado George Pal, com um convincente Rod Taylor e uma estonteante Yvette Mimieux, que, depois, foi refilmado nas mãos do bisneto do autor: Simon Wells, e interpretado por Guy Pearce e Jeremy Irons fazendo uma voz. O conto e os filmes mostram aonde a humanidade irá com a divisão de classes. Uma genial manifestação socialista.
E podemos encerrar com “O Homem Invisível”, mostrando o perigo de uma possível superioridade de um homem em relação aos demais. James Whale dirigiu o filme em 1933, com Claude Reins e umas pontas com Walter Brennan e John Carradine. Vários filmes vieram a explorar essa temática, inclusive Harry Potter!
Mas não fiquemos com os escritores antigos. De Raymond Bradbury, autor do genial “Farenheit 451”, temos o filme de François Truffaut em 1966, com a bela Julie Christie e Oskar Werner, intrigando-nos com a cultura em massa e antevendo, de alguma forma, a Internet. De Isaac Asimov, que ajudou no roteiro de “Star Trek”, podemos ver “Eu, Robô” do esforçado, mas fraco, Alex Proyas, com Will Smith, Bridget Moynahan, James Cromwell e Shia LaBeouf. Ressaltemos que o livro é bom, mas o filme... bem, há quem goste!
Mas o mais intrigante dos autores modernos, o maior expoente da ficção científica desses últimos 40 anos, foi Phillip K. Dick. Um escritor de textos curtos, oferecendo um enorme campo para bons roteiristas explorarem sem ferir o cerne das intensões de suas numerosas obras, os quais podemos destacar os filmes delas extraído: “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, “O Vingador do Futuro”, “Minority Report: A Nova Lei”, “O Pagamento” e “Assassinos Cibernéticos”. Não entremos mais em detalhes, pois o espaço está acabando, mas podemos dizer que suas obras nos levam a questões filosóficas sérias e deliciosas de serem discutidas. Quem sabe, mais tarde, se nossas memórias não forem resultados de implantes e não estivermos num sonho platônico...