Por: Cilmar Franceschetto*
Lançamento e exposição das fotos: Museu da Vale – 01 de junho, 19 hs.
O pesquisador Cilmar Franceschetto, lança no próximo 01 junho, no Museu da Vale, em Vila Velha, o livro Victor Frond – 1860: uma aventura fotográfica pelo itinerário de D. Pedro II na Província do Espírito Santo. O livro narra a história sobre a produção das primeiras fotografias do Espírito Santoe foi editado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo – IHGES, que comemora neste ano o centenário da sua fundação. A obra conta ainda com apoio da Biblioteca Nacional e foi patrocinada pela Vale, por intermédio da Lei Rubem Braga, da Prefeitura de Vitória. No mesmo local do lançamento será montada uma exposição com as fotografias que resultaram no livro.
A obra de Franceschetto é resultado de uma ampla pesquisa sobre a produção de um conjunto de 16 imagens, produzidas entre fins de setembro e outubro de 1860, pelo fotógrafo francês Victor Frond, que foi contratado pelo Imperador Pedro II para registrar Vitória e as colônias de imigrantes no interior do Espírito Santo. Frond percorreu o mesmo itinerário que o monarca e sua comitiva haviam percorrido sete meses antes.
A localização das imagens, que fazem parte do acervo da Biblioteca Nacional, e posterior identificação do nome do fotógrafo que as produziu, foi realizada por Franceschetto, que também é jornalista, fotógrafo e se dedica à pesquisa sobre a imigração no Estado. O primeiro contato com essas relíquias capixabas se deu ainda em 1996, em uma visita que fez à Biblioteca Nacional, onde as fotos estavam guardadas. A identificação de autoria ocorreu em 2004, o que se tornou uma grande descoberta para a história da fotografia no Brasil, pois até então não se conhecia qualquer original de Frond no país.
O livro
O livro possui 270 páginas e foi prefaciado pela professora, estudiosa de arte e fotografia da UFES, Almerinda da Silva Lopes. A professora contextualiza a produção fotográfica de Victor Frond e do seu projeto editorial denominado Brazil Pittoresco, publicação em que as fotografias realizadas no Espírito Santo seriam impressas, dentre imagens de outras províncias do Império. O livro-álbum tinha por objetivo divulgar o Brasil na Europa e, no caso das imagens realizadas no Espírito Santo, a perspectiva era o de atrair mais imigrantes para as colônias recém-criadas no interior da Província.
O autor se utilizou de documentos e mapas do acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo;de jornais publicados na época;dos relatos de viagens de Dom Pedro II e do barão suíço, Johann Jakob von Tschudi, que também visitou a província em 1860. O barão suíço foi enviado pela Confederação Helvética para verificar a situação dos seus compatriotas nas colônias e fazendas do Brasil.Tschudi desembarcou em Vitória em fins de outubro, enquanto Frond concluía seus trabalho se preparava as bagagens para seu retorno ao Rio de Janeiro.
De considerável importância para a pesquisa foram as informações observadas nas imagens,incluindo-se as respectivas legendas anotadas pelo fotógrafo no verso do cartão suporte das fotografias. Ao realizar o cruzamento desses dados com os documentos, mapas e livros pesquisados, o autor conseguiu elucidar diversos segredos, estratégias e técnicas utilizadas pelo fotógrafo em sua tarefa de registrar o Espírito Santo com luz. Deste modo, a obra também tem por objetivo dar o devido respaldo à fotografia como importante fonte para o estudo da história.
Além da impressão das fotografias, o livro é fartamente ilustrado com infográficos e mapas, que demonstram a localização geográfica atual onde as fotos foram tiradas. E o autor foi ainda mais detalhista em seu trabalho ao apontar o local onde o fotógrafo montou sua câmera para fazer os registros, bem como ao descrever as técnicas, os equipamentos, os produtos químicos, dentre outros itens utilizados por Frond para a captura e revelação das fotografias.Observando as sombras emitidas pelas árvores e construções o autor até mesmo sugeriu um horário aproximado para a tomada das imagens, o que se dava por volta do meio-dia, com o sol a pino e os ambientes bem iluminados.
O livro é dividido em duas partes. A primeira traz uma pequena biografia dos viajantes, contextualizando a província capixaba no ano de 1860, o papel de D. Pedro II, do Barão de Tschudi, de Victor Frond e do amigo compatriota, que o acompanhou, o escritor Alexandre Jouanet no itinerário fotográfico, pela Província do Espírito Santo.
Na segunda parte o autor desenvolve uma narrativa, no gênero romance histórico, na qual faz um exercício de imaginação, baseado nos documentos, porém, ao descrever a trajetória dos franceses por Vitória e pelo interior capixaba, percorrendo o mesmo trajeto realizado anteriormente pelo Imperador e sua comitiva. Ganham destaque as notas de fim, que ampliam a compreensão dos fatos e onde as fontes históricas são cuidadosamente citadas. Nessa narrativa são descritas, didaticamente, as técnicas fotográficas utilizadas por Frond, os prováveis textos redigidos por Jouanet, os encontros e desencontros com as autoridades, com os colonos imigrantes, com os negros escravizados, dentre outros personagens capixabas que, provavelmente, testemunharam as aventuras de Victor Frond na produção dos primeiros registros em fotografia do Espírito Santo.
Uma triste nota
Por desleixo e falta de responsabilidade, 12 das 16 imagens foram furtadas da Biblioteca Nacional em 2005, onde estavam guardadas há mais de um século. Esse roubo ocorreu durante a greve dos servidores da instituição, ligada ao Ministério da Cultura, e continuam desaparecidas até os dias atuais.
Na ocasião foram subtraídas 1.909 obras da Divisão de Iconografia, dentre as quais 398 fotografias e apenas 29 destas foram recuperadas. As fotografias de Victor Frond pertenciam à Coleção Thereza Cristina Maria, nome dado por Dom Pedro II em homenagem à sua esposa e foi doada pelo Imperador à Biblioteca Nacional por ocasião do seu exílio em Portugal, em 1889, com a Proclamação da República.
SINOPSE
Em 1860, duas décadas depois do invento da fotografia, a ‘nova arte’ chega à Província do Espírito Santo pelas lentes do francês Jean Victor Frond, que se tornou um respeitado fotógrafo da Corte Imperial do Brasil, instalando-se no Rio de Janeiro, onde montou sua oficina fotográfica, na Rua da Assembleia.
Na capital francesa, Frond exerceu atividades militares como subtenente do Corpo de Bombeiros, onde lutou por seus ideais republicanos, contra o golpe de estado, imposto pelo Imperador Napoleão III e por isso foi preso e exilado. Após fugir do cárcere de uma prisão da Argélia, foi para a Inglaterra, passou por Portugal, onde aprendeu o ofício fotográfico, para depois cruzar o Atlântico em direção ao Brasil, onde chegou em outubro de 1856.
Entre os meses de setembro e outubro de 1860, a pedido do Governo Imperial e acompanhado pelo colega escritor, Alexandre Jouanet, Frond percorre o mesmo itinerário que o Imperador Pedro II havia trilhado na província espírito-santense, sete meses antes, para então registrar alguns panoramas de Vitória e as colônias de imigrantes, localizadas nas montanhas do interior capixaba.
Como resultado dessa viagem o fotógrafo francês produziu um conjunto de 16 imagens, que seriam impressas em um dos volumes do seu livro-álbum, Brazil Pittoresco – um considerável e inédito projeto editorial para o Brasil da época – a fim de divulgar as terras espírito-santenses na Europa,com o intuito de atrair mais imigrantes para as colônias recém-criadas. Tratava-se, pois, de uma campanha propagandística, patrocinada com recursos do Departamento Geral de Terras, e que, certamente, contou com a interferência direta do Imperador Pedro II e por isso muito criticada pelo Barão de Tschudi. É bem provável que Victor Frond tenha produzido um número maior que as 16 fotografias que nos foram legadas até os dias atuais, pois permaneceu mais de um mês em território capixaba.
Percebe-se, então, que o projeto fotográfico de Frond esteve intimamente ligado à visita do monarca no Espírito Santo. Pedro II era um amante da fotografia e das novas tecnologias. Presenciou, aos 14 anos, a realização das primeiras fotografias no Brasil, demonstração ocorrida no Largo do Paço, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1840, e se tornou o primeiro fotógrafo brasileiro ao adquirir para si, dois meses depois, um aparelho de daguerreotipia, a câmera fotográfica da época. Além de fotografar, tornou-se um mecenas da ‘nova arte’ e grande colecionador, cujo acervo ultrapassava 25 mil imagens. Ao ser exilado do poder em 1889, com a Proclamação da República, doou a coleção à Biblioteca Nacional, incluindo-se nesse conjunto de imagens a produção fotográfica de Victor Frond no Espírito Santo.
Em Vitória, foram realizadas sete imagens: cinco panoramas da cidade, uma do Colégio do Carmo e outra do Hospital da Misericórdia (atual Santa Casa de Misericórdia). Na colônia de Santa Isabel, nos atuais municípios de Domingos Martins e em uma pequena fração no território de Viana, foram produzidas seis imagens: quatro retratam os lotes e as habitações dos colonos Michel Schneider, Adam Wayand, Christoph Werner e a casa comercial de Carl Vicke vendo-se ao fundo a propriedade de Jacob Gehrardt. Nessa região foram produzidas ainda uma foto da casa do diretor da colônia, Adalbert Jahn, e uma da ponte sobre o rio Jucu.
Da colônia de Santa Leopoldina existe o registro de apenas uma fotografia, que é o da residência do engenheiro responsável pela medição dos lotes, o também francês, Amélio Pralon, a única entre as dezesseis imagens em que está presente o elemento humano. As outras duas imagens foram realizadas no sul da província. São elas: a fazenda Santo Antônio do Muqui, do Barão de Itapemirim, semelhante a um castelo medieval; e “o Frade, em Rio Novo”, que, por estar esmaecida, não se percebe a citada montanha (pedra do Frade e da Freira) no horizonte, mas uma grande construção, às margens do rio Itapemirim, que o autor do livro julga ser da antiga Fazenda Boa Vista, então pertencente ao Capitão Eduardo Belo de Araujo.
Até 2004 essas fotografias não tinham identificação de autoria. Não se sabia o nome do fotógrafo que as produziu. Após realizar diversas pesquisas, Franceschetto encontrou nos relatos do barão suíço, Johann Jakob von Tschudi - que também visitou as colônias de imigrantes no interior capixaba em fins de 1860 -, a citação, em considerável tom crítico, do nome de Victor Frond, como fotógrafo que havia sido contratado pelo Governo Imperial, pago com recursos que deveriam ser destinados aos colonos, que segundo Tschudi, estavam passando fome e definhando na miséria em meio às florestas do Espírito Santo.
Frond e Jouanet chegam ao Espírito Santo em 25 de setembro de 1860, conforme um documento localizado por Franceschetto no acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. A viagem a bordo do vapor São Mateus durou três dias. O retorno ao Rio de Janeiro se deu em 31 de outubro daquele ano, desta vez a bordo do navio Ceres.
RESUMO EM TÓPICOS
- O livro traz as reproduções das primeiras fotografias realizadas no Espírito Santo. Ao todo foram produzidas 16 imagens. É possível que o fotógrafo tenha registrado outros panoramas por ocasião da sua visita ao Espírito Santo, que durou mais de um mês.
- As fotografias pertencem ao acervo da Biblioteca Nacional, Coleção Thereza Cristina Maria (esposa de D. Pedro II, que as doou à Biblioteca com a Proclamação da República). Foram captadas em negativo de vidro (14x22cm e 16x23cm) e reveladas em contato direto com o papel albuminado, expondo-se papel e vidro, unidos, diretamente à luz solar.
- O fotógrafo foi contratado a pedido do Imperador, com recursos do Departamento Geral de Terras.
- Até 2004 as imagens não tinham identificação de autoria. Essa identificação foi feita pelo autor do livro, tendo conhecido previamente as fotos em 1996.
- São raríssimos os originais de Victor Frond, no Brasil e no mundo, conforme atestou a pesquisadora Lygia Segalla, que desenvolveu uma tese de doutorado sobre Frond. As fotos do Espírito Santo é o maior conjunto de imagens reconhecidas do fotógrafo.
- O álbum Brazil Pittoresco é o primeiro livro de fotografia da América Latina.
- As pesquisas nos jornais da época e nos documentos do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo revelaram as datas do embarque e do desembarque da vinda de Victor Frond e Alexandre Jouanet até o porto de Vitória e o dia do desembarque no porto do Rio de Janeiro, na viagem de retorno à capital do Império. Ou seja, comprova-se que os franceses permaneceram no Espírito Santo por mais de um mês.
- O autor identificou todos os locais onde foram tiradas as fotos. Identificou ainda a posição da câmera de cada registro, ou seja, o local onde Frond montou o tripé para fazer a captura das imagens. Por três ocasiões o fotógrafo fez um plano e contra plano entre os locais fotografados.
- O horário preferido do fotógrafo para fazer os registros era por volta do meio-dia, com forte incidência das luzes solares. Isso pode ser verificado nas sombras projetadas pelas árvores e por outros elementos registrados.
- Frond era um dos pioneiros no Brasil na realização de fotografias fora de estúdios. Foi o primeiro a fotografar os escravos e a vida rural no país.
- Na época, para se fotografar em ambientes externos era necessário montar um verdadeiro aparato e contratar ajudantes: transportar todos os equipamentos, os produtos químicos, além da barraca-laboratório para a revelação imediata do negativo de vidro. Este também devia ser preparado pouco antes do registro da imagem e logo depois revelado, antes que a emulsão viscosa (o colódio) secasse.
- De acordo com o pesquisador da Biblioteca Nacional, Joaquim Marçal, responsável pela apresentação do livro, “como relato da expedição de um fotógrafo oitocentista, no Brasil, esta obra de Cilmar é pioneira”.
- O livro tem a chancela do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo – IHGES que neste ano (2016) completa 100 anos da sua fundação.
- Durante a greve dos servidores da Biblioteca Nacional (Ministério da Cultura) em 2005, quase dois mil itens foram furtados da Divisão de Iconografia da instituição, dentre os quais 398 fotografias. Das 16 imagens de Frond, todas realizadas no Espírito Santo, 12 foram roubadas e continuam desaparecidas.
- O livro foi patrocinado com recursos da Lei Rubem Braga, da Prefeitura Municipal de Vitória. Os bônus foram trocados pela Vale. Também conta com o apoio da Biblioteca Nacional.
- O formato do livro é de 15x21cm e possui 270 páginas.
- Preço – 30 reais.
Consultoria em História: Silas Raasch
Consultoria em Fotografia: David Protti
Editoração e programação visual: Estúdio Zota
Dados do autor:
Jornalista/fotógrafo graduado pela UFES. Atuou como fotógrafo sobre os usos e costumes dos descendentes de italianos, alemães-pomeranos no Espírito Santo, realizando diversas mostras entre 1990 e 2009. Dedica-se à pesquisa histórica sobre a imigração no Espírito Santo sendo autor dos livros: Italianos (2014), Imigrantes – base de dados da imigração estrangeira no Espírito Santo nos séculos XIX e XX (2014) e co-autor da obra Lembranças Camponesas: a tradição oral dos descendentes de italianos em Venda Nova do Imigrante (1992). Membro do IHGES e Conselheiro do Com.It.Es (Comitê dos Italianos no Exterior - ES-RJ). Atualmente exerce o cargo de Diretor Geral do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Contato: 99941-7174 – cilmar@gmail.com