Como esperado, o Brasil terminou perdendo o status de grau de investimento a ele atribuído pela agência de risco Standard &Poor’s, que rebaixou sua nota de crédito de “BBB-“ para “BB+” e a colocou em perspectiva negativa, indicando que novo rebaixamento pode ocorrer na próxima avaliação. Por enquanto, o selo de bom pagador continua mantido na Moody’s (nota “Baa3”), um degrau acima do grau especulativo, com perspectiva estável, e dois acima na Fitch (“BBB”), mas com perspectiva negativa.
Dificilmente, no entanto, as duas últimas agências manterão essas notas na próxima avaliação, devendo acompanhar a S&P, devido aos principais argumentos com que essa justificou esse rebaixamento: a crescente piora do quadro macroeconômico, a progressiva deterioração das condições fiscais do Estado e a incapacidade do governo de encontrar saídas para crise. Se isso acontecer, tempos ainda mais difíceis se descortinam para o país.
Se perder este status em duas dessas agências, o país não somente se verá em dificuldades para contratar recursos externos necessários para financiar seus desequilíbrios em conta-corrente, e mesmo assim pagando taxas de juros bem superiores às atuais, como deverá ver bater em retirada recursos de investidores institucionais, que são proibidos de fazer aplicações em países que apresentem risco elevado, caso dos que se encontram classificados como grau especulativo.
Como consequência, as reservas externas que têm oscilado em torno US$ 370 bilhões nos últimos dois anos,poderão minguar, abrindo-se mais uma janela para aumentar a vulnerabilidade da economia e agravar as ondas de instabilidade que sobre ele têm se abatido nos últimos anos.
A antecipação da avaliação da S&P, que pegou de “surpresa” o governo, deve-se ao fato de que as condições macroeconômicas e fiscais do país se agravaram muito desde o primeiro semestre, quando as últimas avaliações foram feitas e quando as promessas feitas pela nova equipe econômica, especialmente no campo das contas públicas, receberam uma espécie de aval dessas agências, considerando que, se cumpridas, ainda havia alguma esperança de reversão da crise. O que não ocorreu.
De fato, ainda no início do atual mandato da presidente Dilma Rousseff, o ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometia uma economia de recursos do Estado brasileiro de 1,2% do PIB e contemplava metas mais ambiciosas para 2016 e 2017. O déficit externo, apesar de em trajetória de elevação (mais de 4% do PIB) não chegava a atemorizar, por causa da recessão, que se incumbiria de reduzi-lo, e do considerável nível de reservas externas do país. Se exitoso o ajuste, tinha-se a expectativa de que, uma vez arrumadas as contas primárias do governo, o crescimento econômico seria retomado naturalmente, no final de 2015, ou quando muito, já em 2016, com os investimentos voltando a ser realizados com o retorno da confiança dos investidores no futuro do país e na capacidade do Estado de honrar seus compromissos financeiros.
Uma visão ingênua da ortodoxia sobre a dinâmica da economia capitalista, especialmente em países com sérios problemas estruturais, caso da economia brasileira, mas que, de qualquer forma, garantiu o aval da estratégia estabelecida pelo governo e a manutenção de seu grau de investimento na avaliação que foi feita por essas agências.
De lá para cá, no entanto, este cenário só tendeu a piorar. Os dados divulgados pelo IBGE sobre o PIB do segundo trimestre do ano em relação ao trimestre anterior indicaram um resultado negativo de 1,9%, com queda em todos os setores da atividade econômica, como a agropecuária (-2,7%), indústria (-4,3%) e até mesmo o de serviços (-0,7%). Pela ótica da demanda, o consumo das famílias continuou desabando, com queda de 2,1%, enquanto os investimentos recuaram mais 8,1%. Somente o consumo do governo, já debilitado financeiramente, registrou um modesto crescimento de 0,7% e as exportações de 3,4%, insuficientes para dar alento à atividade econômica como um todo, dado seu reduzido peso no PIB. Com isso, projeções do mercado passaram a considerar que a economia do país deverá encolher 2,5% em 2015 e 1% em 2016.
Do lado do ajuste fiscal, com o qual se ganhou o aval dessas agências, este terminou sendo praticamente abandonado. A meta de geração de um superávit primário de 1,2% do PIB foi reduzida para 0,15% e as projetadas para 2016 e 2017 consideravelmente reduzidas. Mais grave, no entanto, é que nem mesmo essa nova meta deverá ser atingida, projetando-se, como decorrência, um aumento considerável da relação dívida bruta/PIB para a casa dos 70%.
Isso porque, nos últimos doze meses encerrados em julho, as contas do setor público como um todo registraram um déficit primário de R$ 51 bilhões, 0,89% do PIB, e um déficit nominal de R$ 502 bilhões, ou 8,81% do PIB, o maior do mundo. Como no segundo semestre ocorre, historicamente, uma maior pressão de gastos, e a recessão continua avançando, derrubando a arrecadação, não há perspectivas de que essa situação possa ser revertida. E ainda mais inaceitável para os investidores: o envio ao Congresso do orçamento de 2016, prevendo um déficit de R$ 30,5 bilhões (0,5% do PIB) em 2016.
Não bastasse isso, diante do avanço da inflação, do aumento do desemprego e da queda dos rendimentos dos trabalhadores, os índices de popularidade da presidente da República, Dilma Rousseff, atingiram níveis insignificantes (8% de aprovação), e, com eles, sua autoridade e legitimidade para liderar e negociar alternativas com o Congresso para se encontrar uma porta de saída para a crise. À crise econômica somou-se, portanto, uma grave crise política, colocando o país num quadro de crescente ingovernabilidade e com o governo crescentemente enfraquecido politicamente para aprovar medidas, visando resgatar o controle da situação e cumprir o que havia prometido.
Essas eram condições mais do que suficientes para que o Brasil perdesse o selo de bom pagador nessas agências. Mesmo que desacreditadas após a crise do subprime, em 2007-2009, quando erraram muito, essas continuam funcionando como oráculos do mercado financeiro e como guia de suas decisões nas aplicações de recursos.
Se pelo menos mais uma dessas agências – A Moody’s ou a Fitch – acompanhar a S&P, o que é mais provável, aos solavancos que foram provocados no mercado financeiro e nas expectativas dos agentes econômicos sobre o futuro do país, com a decisão da última, deverão se somar novos ingredientes bastante indigestos, garantindo o aprofundamento e a persistência da recessão por mais tempo, o avanço do desemprego e a queda mais vertiginosa dos salários dos trabalhadores.