Depois de perder o selo de bom pagador pela agência Standard &Poor’s (S&P) e ver o ministro do ajuste fiscal, Joaquim Levy, sinalizar sua saída do governo, a presidente Dilma Rousseff recuou em sua proposta de gerar um déficit primário de R$ 30,5 bilhões (0,5% do PIB) no orçamento de 2016 e encaminhou, ao Congresso, um novo pacote fiscal, visando transformá-lo em um superávit de R$ 34,4 bilhões. Um ajuste equivalente, assim, a nada menos que R$ 66 bilhões.
O principal objetivo do governo com o novo pacote é o de evitar que outra agência de risco – a Moody’s ou a Fitch – acompanhe a S&P, retirando-lhe, também, o grau de investimento e, ao mesmo tempo, afagar o ministro, cuja saída poderia aumentar, ainda mais, a turbulência da economia. O novo ajuste parece, no entanto, condenado ao fracasso, com o corte de gastos anunciado, combinado com o aumento de impostos de má qualidade, empurrando o país para uma maior e mais prolongada recessão, e ampliando as frentes de conflitos de vários setores com o Executivo, aí incluindo alguns dos quais tem lhe dado apoio.
Em relação ao corte de gastos, projetados em R$ 26 bilhões, esses conflitos são claros: i) com os servidores públicos, que participam com a quota de R$ 12,5 bilhões, considerando o adiamento do reajuste de seus salários de janeiro para agosto (R$ 7 bilhões); a redução dos ministérios e revisão dos contratos de comissionados (R$ 2 bilhões); a extinção do abono de permanência para os servidores com tempo de aposentadoria que permanecem trabalhando (R$ 1,2 bilhão); a suspensão de concursos públicos (R$ 1,5 bilhão) e a aplicação do teto salarial para o funcionalismo (R$ 800 milhões); ii) com os parlamentares, ao direcionar R$ 7,6 bilhões de suas emendas para financiar obras do PAC e a Saúde, livrando o orçamento destes gastos; iii) com os movimentos sociais, que veriam reduzidos os recursos do programa “Minha casa, minha vida” em R$ 4,8 bilhões, para não falar nos agricultores com cortes de R$ 1,2 bilhão do programa de garantia de preços mínimos.
Do lado da receita, cujos ganhos são estimados em R$ 40 bilhões, a maior contribuição viria da proposta de ressuscitar a CPMF, com uma alíquota de 0,20%, por quatro anos, um imposto que não deixou boas lembranças e que é repudiado pela maioria dos setores da sociedade, com o qual se espera arrecadar R$ 32 bilhões. Além disso, entre as medidas mais relevantes, com a transferência, para o governo federal, de 30% da arrecadação do “Sistema S” (o que lhe daria ganhos estimados em R$ 6 bilhões), um recurso pertencente às entidades empresariais que é destinado para a formação e especialização de quadros técnicos de várias áreas do setor produtivo (Senai, Senac, Sebrae etc.), além da redução de R$ 2 bilhões do benefício do Reintegra, que beneficia o setor exportador.
Mal anunciado, o pacote já começou a fazer água ante a reação dos setores mais diretamente por ele atingidos – empresários, servidores públicos e parlamentares -, mesmo porque sua aprovação depende, na maioria das medidas, do Congresso, levando o governo a ensaiar uma negociação em relação a três, que devem minar o esforço pretendido de gerar um superávit primário em 2016.
A primeira, diz respeito ao adiamento do reajuste do funcionalismo para abril e não mais para agosto, o que deve retirar-lhe R$ 3 bilhões da economia esperada. A segunda, à diminuição para 20% das receitas do “Sistema S”, causando perdas de R$ 2 bilhões para o ajuste. A terceira, ao uso dos recursos das emendas parlamentares, previstas em R$ 7,6 bilhões, considerando que o Congresso não aprovaria a medida, transformando-se em seu próprio algoz. Isso, para não falar na criação da nova CPMF, um imposto que representa metade dos ganhos esperados com o novo pacote, mas que tem tudo para não ser aprovado pelo repúdio geral da população ao aumento de tributos e pelas suas características de incidência. Apesar de o governo ter manifestado, ante a reação principalmente do empresariado a essa medida, aceitar a redução de seu prazo de vigência para dois anos e de contemplar critérios para livrar o que considera ser a “nova classe média”, que, na verdade, são as camadas de mais baixo poder aquisitivo, de sua incidência, sua aprovação certamente encontrará forte resistência.
Se o governo pretendia mostrar-se comprometido em apresentar soluções para o desequilíbrio fiscal primário previsto para 2016, errou novamente na dose, na direção e na falta de negociação com estes setores, pretendendo ajustar suas contas com o “chapéu alheio”, como se manifestou uma liderança parlamentar. Com o conteúdo do pacote anunciado, parece estar conseguindo, ao contrário do pretendido, reforçar o arco das forças políticas que se opõem à gestão atual da política econômica, nelas incluindo os servidores públicos e os movimentos sociais, e aprofundando o isolamento político da presidente Dilma Rousseff.
O fato é que, com o novo pacote, tudo indica que não se vai conseguir obter o resultado esperado do superávit primário em 2016, ao mesmo tempo em que se ampliarão as forças de oposição ao governo. A retirada do grau de investimento pela Moody’s ou pela Fitch, ou por ambas, parece, nessas condições, ser apenas uma questão de tempo. Se isso acontecer, é melhor se preparar para tempos ainda mais difíceis para a economia e para o país.