Por: Helder Gomes*
Falam muito na grande mídia da deterioração das contas externas que seria derivada da queda nos fluxos e nos preços internacionais das commodities. A Balança Comercial brasileira está mesmo uma lástima. Mas, vale a pena dar uma olhada mais acurada no Balanço de Pagamentos nesses 20 anos de governos tidos como progressistas no Brasil.
A máxima do “exportar ou morrer” lançada por FHC ganhou ares de tragédia. De um lado, o movimento de especialização produtiva travou a industrialização e a diversificação tecnológica interna, de outro, as primeiras grandes privatizações, no afã da internacionalização, levaram ao aprofundamento da desnacionalização da produção brasileira. O governo Lula avançou com o projeto, ao lançar a Política de Desenvolvimento Produtivo, com foco nas fusões e aquisições, com o objetivo de criar megaempreendimentos especializados em commodities. Nesse processo, o BNDES passou a operar em escala continental (na América Latina, mas, também, na África e até na Ásia), agigantando o poder das internacionalizadas Vale e Votorantim, mas, também, Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, JBS, MARFRIG etc., apenas para ficar nas mais famosas frequentadoras das últimas notícias advindas dos tribunais. Os desembolsos do BNDES passaram de R$ 37 bi, no último ano de FHC, para algo em torno de R$ 187 bi, em 2014, abastecido com o reforço que vem obtendo das transferências do Tesouro Nacional, que se endivida às taxas de juros mais altas do mundo, para emprestar às megaempresas com taxas de juros subsidiadas.
Desnacionalizar significa alienação do patrimônio, mas, também, transferência para o exterior dos centros de decisão privada sobre novos investimentos internos, nível da produção, qualidade dos processos de inovação, entre outras deliberações sobre o futuro. Resultado, depois de uma breve ascendência em nossa Balança Comercial, com seu ápice em 2006, quando dava a impressão de que estávamos no país das maravilhas, ou da marolinha, agora parece que todo mundo caiu na real. Mas, afigura-se ainda certo receio em interpretar alguns indicadores fundamentais do drama.
A partir dos dados do Banco Central, percebe-se que, mesmo se voltássemos à folga na Balança Comercial, de 2005-2006, esta seria, em muito, insuficiente para cobrir os rombos da chamada Conta de Serviços e Rendas. Entre os Serviços, além do reflexo da euforia dos/as coxinhas com as viagens internacionais, percebe-se um crescimento assustador dos aluguéis de equipamentos.
Outro indicador importante para entender melhor a situação tem sido a inversão nas remessas das chamadas rendas ao exterior. Até 2003, o pagamento de juros ganhava de lavada das remessas líquidas de lucros e dividendos, mas, a partir daí começam a aparecer os efeitos da desnacionalização produtiva, derivada das privatizações e das fusões e aquisições por estrangeiros.
Considerando que todos os dados acima resultam de saldos entre a entrada e a saída de dólares do país nas contas específicas das transações correntes, podemos chegar a algumas conclusões: a) estamos nos endividando, cada vez mais, para abastecer as grandes potências imperialistas com nosso patrimônio natural (minérios, soja, carnes, álcool, celulose...); b) o fazemos porque essa é a maior das prioridades do governo federal, daí a necessidade de cortes nos serviços públicos essenciais às classes trabalhadoras para garantir a disponibilidade dos gigantescos recursos do BNDES; e, c) os resultados dos grandes investimentos, em vez de serem usados na diversificação produtiva e tecnológica nacional, são agora enviados em volumes crescentes para o exterior, pelos novos donos do Brasil, na forma de juros, lucros, dividendos etc. Pior de tudo, vemos a formação de megaempresas que engrandecem o país, mas, enquanto os novos barões da carne esnobam a contratação de estrelas da TV, nos vemos tendo que comprar 1 quilo de patinho a peso de ouro.
* Helder Gomes é economista e doutorando em Política Social na UFES.