Por: Ferando Cézar Macedo*
No artigo anterior, publicado na última edição de 2015, comentamos algumas informações do documento Produto Interno Bruto dos Municípios 2010-2013, editado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 18 de dezembro de 2015, e que pode ser acessado no site dessa instituição (
www.ibge.gov.b). Indicamos o caráter espacialmente concentrado do PIB nas regiões Sudeste e Sul e nas capitais estaduais. Não obstante, apontamos, também, que muito lentamente ocorre no Brasil um processo de desconcentração produtiva, com maior participação do interior na geração da riqueza, em decorrência, principalmente, do agronegócio e da indústria extrativa, as mais dinâmicas atividades brasileiras neste século XXI. Estas se localizam, em grande medida, para além do nosso core econômico – particularmente o estado de São Paulo, maior economia do país – e adentram as regiões Centro-Oeste, Norte e parte do Nordeste.
Muitos municípios do interior, a maioria de pequeno e médio portes e que crescem acima da média nacional puxados por aquelas atividades econômicas, estão sujeitos às variações dos preços internacionais das commodities e ao comportamento da demanda internacional, que nos últimos dois anos têm sido desfavoráveis. Esta subordinação externa e a baixa diversificação produtiva devem ter lhes afetado negativamente o comportamento do PIB nos anos de 2014 e 2015, mas só saberemos com a divulgação futura pelo IBGE. Portanto, é possível que o crescimento econômico deles tenha arrefecido, arrefecendo, também, o ritmo de nossa desconcentração produtiva regional em direção ao interior e municípios de pequeno e médio portes.
Portanto, apesar do visível bom desempenho de seus PIBs neste século XXI, estes municípios estão muito suscetíveis ao cenário internacional que, no momento, apesenta-se adverso com a desaceleração da economia chinesa e a queda dos preços mundiais das commodities. As informações de 2015 disponíveis no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio já apontam esse movimento em relação às exportações cuja base produtiva tem forte localização no interior do Brasil: “com relação à exportação de produtos básicos, houve diminuição de receita de minério de ferro (-44,8%), petróleo em bruto (-27,1%), carne bovina (-18,5%), carne suína (-18,2%), farelo de soja (-15,9%), fumo em folhas (-11,6%), soja em grão (-8,8%), carne de frango (-8,5%), café em grão (-6,9%) e algodão em bruto (-3,7%)” (FONTE:
http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/noticia.php?area=5¬icia=14263).
Também em relação aos demais municípios menores que, muito comumente, carecem tanto de atividades voltadas para o mercado interno que possam lhes servir como motor do crescimento quanto de uma base produtiva exportadora que lhes dinamize a economia local, os dados do IBGE indicam forte participação do setor público na formação dos seus PIBs. Em outras palavras: onde o investimento privado não chega por não ser rentável, sobra o gasto do Estado como elemento decisivo para a geração de emprego e renda locais. Não por acaso, “entre os municípios brasileiros, 2.349 (42,2%) tinham mais do que um terço da sua economia dependente do setor de Administração, Saúde e Educação Públicas e Seguridade Social. Em quatro municípios a participação da Administração Pública no PIB era superior a 75,0%: Guamaré (RN), Uiramutã (RR), 87,6%; São José de Princesa (PB), 84,3% e Santo Antônio dos Milagres (PI), 76,5%” (FONTE:
http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3070&busca=1&t=2010-2013-participacao-capitais-pib-pais-recuou-34-3-32-8).
Ou seja, a presença do Estado constituí, para eles, o principal fermento econômico sem o qual não poderiam subsistir. Por não serem atrativos ao capital, cuja única métrica é o lucro, estes municípios menores dependem do gasto público para movimentarem suas economias, normalmente formadas por um comércio varejista pouco diversificado e por serviços pessoais sem complexidade. Provavelmente estas localidades se beneficiaram mais que a média nacional das políticas públicas praticadas na primeira década deste século e que ajudaram na pequena desconcentração do PIB ocorrida no país. Dentre estas políticas, cabe destacar as de transferência de renda, a de valorização do salário mínimo, a de formalização do emprego e a do crescimento – ainda que tímido – dos investimentos públicos, especialmente os federais. Portanto, a crise econômica, a queda na arrecadação e o ajuste restritivo praticado em 2015 devem ter-lhes afetados com mais intensidade. As próximas pesquisas esclarecerão este ponto e ajudarão a dimensionar os efeitos urbano-regionais do avanço conservador no Brasil pós-eleições 2014.
Um último aspecto é sobre o significado de um alto PIB. Com municípios tão dispares, a comparação deve priorizar o PIB per capita, ou seja, a riqueza produzida em cada município dividida por sua população. E neste quesito, Presidente Kennedy (ES) é líder disparado: seu PIB per capita de R$ 715 mil, em 2013, foi o maior do Brasil e mais do dobro do segundo colocado, São Gonçalo do Rio Abaixo (MG). Para se ter uma ideia da grandeza do PIB per capita do município capixaba, o do Brasil foi de R$ 26,4 mil e o do Espírito Santo, R$ 30,5 mil.
Quando comparamos o indicador anterior com o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, que em linhas gerais mede, parcialmente, a qualidade de vida, Presidente Kennedy fica apenas na 66ª posição dentre os 78 municípios capixabas e na 2.964ª dentre os 5.665 municípios brasileiros existentes em 2010. O mesmo acontece com Itapemirim (ES), o segundo maior PIB per capita capixaba mas tão somente o 69º IDH estadual e 3.030º brasileiro. Em outras palavras, tantas riquezas produzidas em seus territórios não representam desenvolvimento social e humano para suas populações. Ressalta-se, no entanto, que o IDH é um indicador cujo uso requer cuidado apesar de sua validade ser, normalmente, superdimensionada pelos pesquisadores e gestores públicos.
De qualquer forma, o que a discrepância em casos como estes indica – e que poderia ser multiplicada por outros exemplos facilmente verificáveis no Brasil – é que geração e distribuição da riqueza são coisas diferentes. A primeira não representa, necessariamente, melhoria das condições sociais. Ao contrário, muitos municípios têm seus territórios utilizados como plataformas de produção de riqueza sem que a mesma fique retida neles. A riqueza produzida no Brasil, a despeito da maior participação do interior, continua, do ponto de vista espacial, sendo majoritariamente apropriada nas capitais estaduais e regiões metropolitanas, além, é claro, de vazar para outros países.