Da: Redação*
Além de talentoso escritor infantil e romancista, Monteiro Lobato (1882- 1948) era um visionário, que acreditava cegamente na imensa capacidade do Brasil em tornar-se auto-suficiente em Petróleo. Desacreditado em seu tempo, Monteiro Lobato escreveu o livro O Escândalo do Petróleo, que ele definiu como “depoimentos apresentados à comissão de inquérito sobre o petróleo”, no ano de 1936.
Para Lobato, o petróleo é o sangue da terra, a alma da indústria moderna, a eficiência do poder militar de qualquer nação, a soberania, a dominação. “Tê-lo é ter o Sésamo abridor de todas as portas”, profetizava o escritor, como se fosse um Júlio Verne tupiniquim.
Sua luta para provar o potencial petrolífero do País contrariou interesses das grandes companhias internacionais que, segundo relata em O Escândalo do Petróleo, fariam de tudo para que nosso País fosse um eterno freguês delas. Envolveu-se a fundo com a questão do petróleo, denunciando as manobras dos trustes petrolíferos. Foi preso em 1941, por atacar a política de Vargas em relação ao petróleo.
Dois anos antes, em 1939, por incrível ironia do destino, o petróleo jorrou pela primeira vez do solo brasileiro (contrariando estudos apresentados na época pelo Governo Federal, atentando que no Brasil não havia o produto), no município de Lobato, na Bahia. “Talvez por ter o meu nome, o município de Lobato contrariou os estudos oficiais”, relatou o escritor na época.
De 1939 a 1954, foram descobertos nove campos petrolíferos na região do Recôncavo Baiano. Durante esse período, comprovada a existência do petróleo em solo brasileiro, foi desencadeada uma intensa campanha pela criação do monopólio estatal do produto. O monopólio foi finalmente estabelecido por um decreto de 1953, responsável também pela criação da Petrobrás.
Desde então, o petróleo passou a ser extraído nos seguintes Estados, além da Bahia: Rio de Janeiro, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Pará, Maranhão, Amazonas, Rio Grande do Norte, Ceará, Amapá e Paraná.
Com a possibilidade de o País tornar-se auto-suficiente em petróleo, o sonho acalentado há 64 anos deixa de ser um devaneio para transformar-se em fato, cujo mérito há de ser conferido àquele que ficou conhecido por suas obras literárias infantis, mas que chegou a perder sua liberdade porque acreditava no petróleo brasileiro: Monteiro Lobato.
Indústria petrolífera
A história da indústria petrolífera do Brasil se confunde com a criação da Petrobrás, em 1953, empresa que alavancou a exploração deste recurso natural que se tornaria um dos termômetros da política internacional. No cenário mundial, hoje, o Brasil ocupa o 16º lugar no ranking dos maiores produtores de petróleo do mundo. Até isso ocorrer foi preciso que houvesse um aumento da capacitação de recursos humanos, injeção de capital, crises internacionais e a criação de políticas que organizaram e priorizaram o petróleo para o desenvolvimento do país.
Mas este foi o resultado de uma caminhada que começou quando observadores e curiosos foram gradativamente desvendando os primeiros vestígios de petróleo em solo brasileiro a partir do final do século XIX. Nos EUA, em 1859, perfurava-se o primeiro poço de petróleo na Pensilvânia, descoberto pelo coronel Edwin L. Drake.
No Brasil, as primeiras tentativas de encontrar petróleo datam de 1864, Mas apenas em 1897, o fazendeiro Eugênio Ferreira de Camargo perfurou, na região de Bofete (SP), o que foi considerado o primeiro poço petrolífero do país, muito embora apenas 2 barris tenham dele sido extraídos. Nesta época o mundo conheceu os primeiros motores à explosão que expandiriam as aplicações do petróleo, antes restritas ao uso em indústrias e iluminação de residências ou locais públicos. No final do século XIX, dez países já extraíam petróleo de seus subsolos.
Entre as principais tentativas de órgãos públicos organizarem e profissionalizarem a atividade de perfuração de poços no país estão a criação do Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro (SGMB), em 1907, do Departamento Nacional da Produção Mineral, órgão do Ministério de Agricultura, em 1933, e as contribuições do governo do estado de São Paulo. Muito embora as iniciativas tenham sido importantes para atrair geólogos e engenheiros estrangeiros e brasileiros para pesquisar nos estados do Alagoas, Amazonas, Bahia e Sergipe, a falta de recursos, equipamentos e pessoal qualificado dificultaram a chegada de resultados positivos.
Durante a década de 30, já se instalava no Brasil uma campanha para a nacionalização dos bens do subsolo, em função da presença de trustes (reunião de empresas para controlar o mercado) que apossavam-se de grandes áreas de petróleo e de minérios, como o ferro. Um das pessoas que desempenhou papel chave nesta campanha foi Monteiro Lobato, que sonhava com um Brasil próspero que pudesse oferecer progresso e desenvolvimento para sua população. Depois de uma viagem aos Estados Unidos, em 1931, Lobato retorna entusiasmado com o modelo de país próspero que conhecera e passa a defender as riquezas naturais do Brasil e sua capacidade de produzir petróleo, através de contribuições de artigos para jornais e palestras para promover a conscientização popular. Estavam entre seus esforços de luta, cartas enviadas ao então presidente Getúlio Vargas, alertando-o sobre os malefícios da política de trustes para o país e a necessidade de defesa da soberania nacional na questão do petróleo; recebeu do governo a concessão de duas companhias de petróleo de exploração do recurso, além de ter lançado os livros O escândalo do petróleo e do infanto-juvenil, O poço do Visconde, Serões de Dona Benta e Histórias de Tia Nastácia, sobre a descoberta do petróleo.
(...) O assunto é extremamente sério e faz jus ao exame sereno do Presidente da República, pois que as nossas melhores jazidas de minérios já caíram em mãos estrangeiras e no passo em que as coisas vão o mesmo se dará com as terras potencialmente petrolíferas. (...)
Trecho da Carta que Monteiro Lobato enviou ao presidente Getúlio Vargas em 20 de janeiro de 1935.
Nesse meio tempo, no interior da Bahia, no município, coincidentemente mas nada relacionado ao escritor, de Lobato, Manoel Ignácio Bastos, engenheiro que trabalhava para a delegacia de Terras e Minas, encontra amostras de uma substância negra que, após ser analisada pelos engenheiros Antonio Joaquim de Souza Carneiro, da Escola Politécnica de São Paulo e Oscar Cordeiro, da Bolsa de Mercadorias, é confirmada como sendo petróleo. Depois de muitas tentativas frustradas de atrair a atenção das autoridades, finalmente, em 1939, a sonda enviada pelo DNPM jorraria petróleo abundantemente, sendo considerado o primeiro poço comerciável do país, dois anos depois.
Apenas como curiosidade, quem recebeu os créditos pela descoberta foi Oscar Cordeiro, fato que só seria corrigido pela Petrobrás em 1965, quinze anos após a morte de Ignácio Bastos, após extensa análise documental apresentada pela viúva de Bastos.
"Minha filha, eu agora tomei um choque. Passei no Lobato e vi lá uma placa - 'Mina de Petróleo de Oscar Cordeiro'. E eu retruquei. Não disse a você, Maneca, que não convidasse ninguém e esperasse ajuda do governo? E Maneca, sempre incisivo nas respostas: 'Mas minha filha, Cordeiro, como presidente da Bolsa de Mercadorias, pode levar avante a parte comercial da sociedade".
Maneca - apelido de Manoel Ignácio Bastos. Entrevista que Dona Diva, viúva de Bastos, concedeu ao Jornal da Bahia na década de 1950. Fonte: Afinal quem descobriu o petróleo no Brasil? de Petronilha Pimentel.
O êxito obtido em Lobato reforçou a necessidade do país minimizar sua dependência em relação às importações de petróleo. Conseqüentemente, em 1939 o governo de Getúlio Vargas instala o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), com a primeira Lei do Petróleo do país, para estruturar e regularizar as atividades envolvidas, desde o processo de exploração de jazidas até a importação, exportação, transporte, distribuição e comércio de petróleo e derivados. Este decreto tornou o recurso patrimônio da União.
Daí em diante, muitas perfurações foram feitas nas bacias do Paraná de Sergipe-Alagoas e do Recôncavo, sendo que as principais descobertas foram feitas nesta.
Nos anos 50, a pressão da sociedade e a demanda por petróleo se intensificavam, com o movimento de partidos políticos de esquerda que lançam a campanha "O petróleo é nosso". O governo Getúlio Vargas responde com a assinatura, em outubro de 1953, da Lei 2004 que instituiu a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobrás) como monopólio estatal de pesquisa e lavra, refino e transporte do petróleo e seus derivados.