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A Vila De Colatina, Emancipação E A Revolta Do Xandoca

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26/05/2023

Por: Paulo César Dutra  
e-mail:dutra7099@gmail.com

Enquanto as florestas do Norte do Rio Doce continuavam despovoadas, a Vila de Colatina continuou crescendo e o comércio prosperava. A Vila ganhava cada vez mais importância, principalmente a partir de 20 de dezembro de 1906 quando a Estrada de Ferro Diamantina, hoje Vitória a Minas, inaugurou a estação, e foi iniciada a comunicação direta com Vitória. A crescente vida econômica de Colatina abalou o município de Linhares, tanto administrativa, quanto politicamente. Todo o comércio de grande parte de Minas Gerais e do Espírito Santo, que era feito em Linhares, passou a ser feito em Colatina.

E aí é que surge um movimento em favor de Colatina, liderado pelo Coronel Alexandre Calmon, "o Professor Xandoca", que fez com que Colatina passasse a ser a sede do município, transportando todos os arquivos para Colatina e Linhares virava um distrito colatinense. Em 1907, Colatina torna-se, legalmente, a sede do município, que anteriormente era Linhares. Colatina continuava como Vila, com a Câmara Municipal de Linhares e a sede da Comarca com todo o aparelhamento judiciário.

Linhares continuava a ser a sede do município e da Comarca, apenas nominalmente. Toda a sua administração concentrava-se em Colatina. Com a “Revolta do Professor Xandoca”, parentes dele passaram a morar em Colatina, exercendo liderança política, como Virgínio Calmon Ferreira Fernandes, que foi o primeiro prefeito do município, em 1921, Xenócrates Calmon de Aguiar e Augusto Pedrinha Du Pin Calmon, pai do ex-senador colatinense João de Medeiros Calmon.

A 30 de dezembro de 1921 foi criado o município de Colatina, separado de Linhares, com território que compreendia toda a área então pertencente aquele município. Linhares acabava de perder sua categoria de sede municipal, passando a ser Vila subordinada a Colatina. Só em 1945 é que Linhares foi desmembrado de Colatina.

Mesmo sendo o dia 30 de dezembro a verdadeira data da emancipação política do município de Colatina, as comemorações são realizadas no dia 22 de agosto, dia do aniversário de Linhares.

HISTÓRIA

A verdadeira história da “Revolta de Xandoca”, omitida pelos historiadores capixabas, veio à tona, em uma Dissertação de Mestrado da pós graduação em História Social das Relações Políticas/ Universidade Federal do Espírito Santo - UFES feita pelo então vereador de Vitória, Namy Chequer Bou-Habib Filho, que é jornalista e radialista e que transformou em um livro que contar tudo sobre “o desafio á oligarquia Monteiro no Espírito Santo, em 1916”.

Namy que é uma das principais lideranças do PC do B no Estado, concluiu sua tese de mestrado na Ufes sobre a “Revolta de Xandoca” que é, sem dúvida, uma importante contribuição que traz à luz a discussão do que representou este fato para a história política capixaba durante a República Velha (1889 - 1930).

Com a Proclamação da República (15 de novembro de 1889), a política no Espírito Santo atravessou um período muito instável. Pelo menos seis governadores tiveram seus mandatos abreviados por conta dessa instabilidade. A política capixaba só se estabilizou a partir do segundo mandato do governo de José de Melo Carvalho Muniz Freire (Muniz Freire: 1892 - 1896 e 1900 - 1904). 

O político forte na época que trabalhava para restabelecer a estabilidade no Espírito Santo era Bernardino de Souza Monteiro, irmão de Jerônimo Monteiro. Bernardino era chefe municipal de Cachoeiro de Itapemirim - a mais importante cidade da época no Estado - e possuía articulação graças ao seu reduto político. Boa parte da riqueza produzida no Estado com o café partia de Cachoeiro por meio da única ferrovia que havia na época, que ligava o Espírito Santo ao Rio de Janeiro. 

Muniz Freire fez como seu sucessor Henrique Coutinho (1904 - 1908). Mas a aliança entrou em conflito após a excessiva interferência de Freire no governo de Coutinho. Inclusive, Freire tentou destituir Coutinho do poder. Diante de um Estado endividado, em 1906, Coutinho chama Jerônimo Monteiro, por sugestão do bispo Dom Fernando - irmão de Jerônimo - para sanar as dívidas do Estado. À época, Jerônimo, que era advogado, estava no interior de São Paulo (Santa Rita do Passa Quatro) morando com o sogro. 

Jerônimo chega ao Espírito Santo com a missão de negociar a dívida do Estado e privatizar a ferrovia Sul Espírito Santo. Muniz Freire gastou 18 mil contos de réis na construção da ferrovia que foi vendida por Jerônimo por 3 mil contos de réis. Esse episódio gerou uma série de denuncias que acusavam Jerônimo Monteiro de corrupção. 

No estudo, Chequer faz uma profunda revisão historiográfica para desmistificar mitos que fizeram do presidente do Espírito Santo, Jerônimo Monteiro (1908 - 1912), uma das personalidades políticas mais destacadas do século passado no Estado. 

O jornalista afirma que boa parte dos historiadores capixabas aborda essa passagem da história de forma parcial. "Os historiadores, de maneira geral, vão contando normalmente a história dos governadores da República Velha, quando chegam em 1916 eles simplesmente pulam esse período", disse Namy.

“A Revolta de Xandoca” foi uma disputa política e militar entre coronéis no Espírito Santo, na sucessão estadual de 1916. Segundo as pesquisas do jornalista, naquele ano a oposição local compareceu na disputa estimulada pelo governo federal, para enfrentar a oligarquia Souza Monteiro, que se consolidava como a mais bem sucedida  na República Velha. 

E com muita força, a oposição, botou nas ruas o que havia aprendido. E as trapaças eleitorais típicas daquele período republicano resultaram em duplicatas de  eleitos em todos os municípios, dois poderes legislativos e dois governadores estaduais, além do surgimento de duas capitais no Estado. A da situação em Vitória e a da oposição em Colatina.

Conflito
  

Segundo o autor da dissertação, em 1916, no final do governo de Marcondes Souza, houve um grande conflito que a oligarquia vitoriosa soube esconder com destreza, tanto é que era pulada nos escritos dos historiadores capixabas. Namy em suas pesquisas foi buscar informações sobre este período nos anais do Congresso Nacional. Felizmente estava tudo lá. 

De acordo com Namy, o presidente do Brasil, Wenceslau Brás (1914 - 1918) apoiou a oposição no Espírito Santo durante a 'Revolta de Xandoca'. Em maio de 1916, são eleitos dois presidentes para o estado do Espírito Santo. A oposição recolheu os votos do município sob sua influência, enquanto a situação recolheu os dela. No mesmo prédio, mas em salas diferentes, a oposição contou seus votos e se declarou vencedora do pleito, elegendo José Gomes Pinheiro Júnior presidente e Alexandre Calmon, o Xandoca, como vice. 

A situação, por sua vez, elegeu presidente e vice, respectivamente, Bernardino Monteiro e Antonio Francisco Athayde. Os eleitos seriam empossados, cada qual, por um Congresso Estadual também distinto. A duplicação dos Poderes Executivo e Legislativo capixaba gerou um pedido de intervenção federal no Estado. O litígio político no Espírito Santo seria decidido no Rio de Janeiro. De ambas as partes eram enviados telegramas ao Congresso Nacional, ao Senado e à Presidência da República informando às autoridades federais a evolução dos fatos no Espírito Santo. 

O teor das mensagens eram semelhantes, ambas as facções denunciavam violentas arbitrariedades praticadas pela corrente adversária. Atingia seu ponto de inflexão o "Caso Espírito Santo" - como ficou conhecido nacionalmente o controvertido episódio da sucessão estadual de 1916 -, que envolveu no debate, durante seis meses, as mais importantes lideranças políticas do país. Telegramas da época relatam a morte de diversas pessoas que foram vítimas dos conflitos armados que envolveram diversos municípios do Estado. Cerca de mil pessoas foram obrigadas a abandonar o Espírito Santo fugindo de perseguições políticas.

Essa situação de impasse na política capixaba resultou num conflito armada entre as duas forças políticas que reivindicavam o poder. Na noite de 22 de maio de 1916, um tiroteio entre jagunços das duas facções, em frente ao Hotel Internacional (antiga rua do Comércio atual avenida Florentino Ávidos em Vitória) - onde estavam hospedados Pinheiro Júnior, Alexandre Calmon e os deputados eleitos da oposição - acirrou de vez o conflito. 

O jornalista Luiz Adolpho Thiers Velloso fazia a cobertura dos fatos mantendo informado um oficial da Marinha. Velloso, em 1928, fundaria o jornal A Gazeta, que mais tarde passaria ao controle dos descendentes da família Souza Monteiro. Perto dali, o jornal de oposição A Tarde, seria 'espingardeado' e cercado pela polícia, conforme telegrama enviado à Presidência da República, descrevendo a 'noite de terror' em Vitória. 

A violência do conflito fez com que a oposição se retirasse estrategicamente da Capital rumo a Colatina, onde se encontrava sua base. Pinheiro Júnior, junto com os deputados eleitos, passou a governar o Estado, por telegrama, de Colatina. Logo em seguida, Pinheiro Júnior transfere a presidência para o vice Calmon e segue para o Rio de Janeiro para articular a decisão da disputa política em favor da oposição.

REVOLTA DO XANDOCA
  
Com a ausência de Pinheiro Júnior - que havia viajado ao Rio -, Alexandre Calmon, o Xandoca, assume a presidência e a liderança do conflito no seu momento mais exacerbado. Foram 33 dias de resistência - de 26 de maio e 29 de junho de 1916 - do episódio histórico que ficou conhecido como 'Revolta de Xandoca'. Alexandre Calmon foi informado, dias antes, da intenção das forças militares de Bernardino Monteiro em atacar Colatina. 

As tropas, comandadas pelo capitão Ramiro Martins, já estavam nas cercanias de Boa Família e o próximo passo era o confronto com Colatina- sede de resistência da oposição. Imediatamente, o presidente da Câmara Municipal de Boa Família, Lucas Raposo Câmara, enviou um telegrama às autoridades federais informando que Alexandre Calmon, conhecendo o plano de ataque das tropas do governo, estava enviando um forte contingente armado para Boa Família para o 'encontro com o inimigo' e que a oposição responsabilizaria Bernardino Monteiro pelo já inevitável derramamento de sangue. 

Bernardino se defende, alegando que o posicionamento das tropas tinha caráter defensivo e que não pretendia atacar Colatina. Acrescentou ainda que pretendia permanecer nesse propósito até que fosse solucionada a indicação submetida à apreciação do Congresso Nacional. Ou seja, Bernardino se compromete a não atacar Colatina até que sua eleição para presidente estadual fosse colocado fora de dúvida pelo Congresso Nacional, com a votação dos pareceres que ainda eram debatidos pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal e pela Comissão e Justiça e Diplomação do Senado Federal. 

Ao mesmo tempo, Bernardino procura o comerciante Antonio Calmon em Vitória, irmão de Alexandre Calmon, e faz um pedido para que ele vá até Colatina transmitir ao coronel Xandoca a mensagem de que o governo 'oferecia todas as garantias a sua pessoa e família e propriedade'. Inclusive, tem uma passagem interessante nesse episódio envolvendo o irmão de Xandoca. Antonio Calmon era sócio-proprietário da primeira padaria com forno elétrico de Vitória e fornecia pães para o quartel da Polícia Militar. Segundo Serafim Derenzi (Caminhos Percorridos, 1974), a Padaria Elétrica de Neves & Cia, ficava localizada na antiga rua Misael Pena (atualmente rua João Santos Neves). Durante o conflito, Bernardino, em represália aos Calmon, rompe o contrato com a padaria. O outro sócio da padaria era cunhado de Antonio Calmon, professor João dos Santos Neves, pai do futuro interventor e depois governador eleito do Espírito Santo, Jones dos Santos Neves.

A expectativa de Xandoca estava voltada para a chegada de armamentos que os revoltosos haviam encomendado do Rio de Janeiro. Esse armamento viria em embarcações controladas pelos funcionários da Capitania dos Portos e da Alfândega, saindo do Rio com destino a Regência, na foz do rio Doce, e dali subiria até Colatina. O intermediário para a compra do armamento era o futuro estelionatário das cartas falsas atribuídas a Artur Bernardes, Oldemar Lacerda. Na época, amigo pessoal do ministro da Guerra, José Caetano de Faria Albuquerque. No dia combinado, chegaram a Colatina diversas caixas, mas dentro delas só havia pedaços de madeira e tijolos. A frustrada operação de obter os armamentos para sustentar a luta armada abateria, de forma definitiva, os revoltosos capixabas.

A 'Revolta de Xandoca' foi um derradeiro esforço da oposição para evitar que no Espírito Santo se firmasse uma oligarquia padrão, de cujo modus operandi a República Velha produziu fartos exemplos, principalmente no que diz respeito à confusão entre o público e o privado. Não é possível afirmar que a oposição, empalmando o poder, adotasse procedimento diferente. Afinal, era aquela uma época na qual a tendência mais geral conduzia à oligarquização das administrações estaduais. A 'Revolta de Xandoca' saindo derrotada, consolida definitivamente a oligarquia Souza-Monteiro até a década de 30 no cenário político capixaba, fazendo os presidentes do Estado. Em 1916 assume Bernardino Monteiro, depois vem o guarda-livros da família Monteiro, Nestor Gomes (1920 - 1924). Em seguida Florentino Avidos (1924 - 1928).

E  a “Revolta de Xandoca” ficou conhecida como uma das maiores brigas políticas e militares já registradas no Estado do Espírito Santo no Século XIX, e mais precisamente em Colatina. O objetivo era conseguir uma intervenção federal no Estado, para acabar com a oligarquia monteirista. Porém, a oposição foi derrotada no seu ideal e a oligarquia Souza Monteiro passou a reinar novamente sem nenhum impedimento no Estado.

E aqueles que apoiaram a Revolta de Xandoca passaram a ser perseguidos e tiveram que fugir do Estado. Grande parte deles estava de Colatina e fugiram para Minas Gerais, temendo represálias. Os que ficaram no estado estavam mantidos sob dura perseguição policial. Os que se esconderam eram processados à revelia. A oposição logo começou a responsabilizar o Congresso nacional (cuja maioria votou contra a intervenção no Estado), pela insegurança a que ficaram sujeitos aqueles que se opuseram à oligarquia monteirista.

Foi então que o senador João Luis Alves recorreu á idéia de uma anistia que protegesse os perseguidos. Mas para ser aceita, a alternativa deveria ser subscrita por, pelo menos, a metade dos senadores. O número mínimo foi obtido no dia 29 de agosto de 1916. O decreto de Anistia teve um só artigo e a votação aconteceu logo no dia 1º de setembro de 1916.

“O Congresso nacional decreta:
Artigo Único – São anistiados todas as pessoas envolvidas em fatos políticos e conexos, passíveis de sanção penal, ocorrido no Estado do Espírito Santo, em virtude da sucessão presidencial do mesmo Estado, desde 1º de janeiro deste ano até a presente data; revogadas as disposições em contrário.

 

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