Por: Juliana Perobelli
Nos últimos meses, temos enfrentado um terror generalizado que assombra a população brasileira e intriga o mundo: as infecções provocadas pelo vírus Zika, transmitidas pelo conhecido vilão tropical Aedes aegypti, e sua associação ao nascimento de bebês com microcefalia. Este vírus, originário das florestas de Uganda na África, levou aproximadamente 70 anos para cruzar o oceano e vitimar um batalhão de brasileiros, número estimado entre 440 mil a 1,3 milhão, segundo dados do governo. A infecção de mulheres gestantes tem sido relacionada ao aumento da incidência de uma anomalia congênita conhecida como microcefalia, principalmente quando a infecção se dá no primeiro trimestre de gestação. Por definição, esta malformação é caracterizada pelo desenvolvimento anormal do sistema nervoso central na qual o encéfalo e, consequente, o crânio não crescem. De outubro de 2015 até 30 de janeiro deste ano, o Ministério da Saúde registrou o nascimento de 4.783 bebês com suspeita de microcefalia. Infelizmente, não há registros confiáveis da incidência desta anomalia na população brasileira previamente ao surto de infecção pelo vírus Zika, de forma que os números são sub notificados.
São compreensíveis as manifestações que se propagaram nas redes sociais e blogs nos meses de outubro e novembro de 2015, quando tateávamos explicações plausíveis para este surto que se iniciava, sob um breu absoluto da ciência. As explicações apresentadas nas redes sociais variavam desde efeito colateral de vacinas administradas a gestantes, uso de medicamento contraindicado, mosquito transmissor transgênico, até chegar à exposição a praguicidas, dentre tantos outros.O que causa absoluto desconforto é que essas notícias ainda estejam circulando por aí. Muitas das possibilidades levantadas quase que aleatoriamente já foram desmentidas por profissionais especialistas. Outras, caso não se tornem hipóteses reais e sejam apuradas com rigor científico, não passarão de especulações vazias e que estimulam a disseminação do medo e do caos.
Precisamos agora nos prevenir contra o mosquito transmissor e dar tempo à ciência, que vem compilando dados sobre microcefalia associada ao vírus Zika em tempo recorde. Diversos estudos realizados por importantes pesquisadores brasileiros e do exterior tem publicado dados relevantes e confiáveis no último mês. Eis a luz da ciência que nos tira da escuridão e, portanto, deve pautar as novas discussões sobre o tema!
Dos 4.783 bebês com suspeita de microcefalia, 1.113 casos foram analisados e 404 confirmados.As lesões cerebrais encontradas nesses bebês são características de uma infecção adquirida durante a gestação. No entanto, até o momento só se conseguiu comprovar a infecção por Zika em 17 dos 404 casos, visto que os demais 387 necessitam de testes mais específicos para descartar de vez essa associação.Estudo recente publicado por pesquisadores brasileiros no periódico “UltrasoundObstetricsandGynecology” encontrou o vírus Zika no líquido amniótico de duas gestantes cujos fetos receberam diagnóstico de microcefalia, juntamente com calcificação e danos em regiões cerebrais específicas no feto. O renomado jornal científico “The Lancet” acaba de publicar dados de pesquisadores brasileiros relatando a ocorrência de calcificações no cérebro e lesões oculares em bebês com microcefalia,cujas mães tiveram quadro clínico de infecção pelo vírus Zika.
De fato,esta conta ainda não fecha. Sabemos que associações nem sempre refletem relação de causa-efeito. Porque não há dados anteriores ao surto brasileiro relatando a ocorrência de infecção pelo vírus Zika em fetos? Seria um simples erro de notificação? Seria o caso de aquisição de resistência imunológica por populações de áreas endêmicas para esta infecção? Há também de se considerar a possibilidade de mudanças genômicas no vírus, tornando a linhagem encontrada no Brasil mais virulenta? Ainda temos muito a investigar e bem sabemos que em ciência não se pode procurar respostas apenas onde“a luz do poste ilumina”. No entanto, isso não nos habilita a divulgar especulações aleatórias e instaurar o pânico. Sejamos cautelosos!
*Bióloga, Professora Doutora da Universidade Federal de São Paulo e Pesquisadora na área de Toxicologia Experimental.