Os pistoleiros andavam em cavalos ou charretes no interior do Espírito Santo aterrorizando. O povo capixaba assistia crimes que eram praticados impunemente em plena luz do dia e que nem a Justiça se atrevia a denunciá-los
Por: Paulo César Dutra
A população do Espírito Santo aguardava, desde o início dos anos de 1950, com o mais vivo interesse, a iniciativa do Governo do Estado para acabar de uma vez, com as guerras das facções criminosas e o fim dos pistoleiros que espalhavam o terror e a morte na região do vale do Rio Doce, na fronteira do Estado com Minas Gerais. Sob um clima de pavor e medo, que se acentuou nos anos 1960, vivia não apenas o povo do interior, mas também o de Vitória, uma vez que o banditismo, aos poucos, com a cumplicidade de oficiais da Polícia Militar, políticos e até mesmo das mais altas autoridades governamentais, tomava conta da própria Capital do Estado, em cuja praça principal, a Praça Oito, muitos crimes foram praticados às vistas da população aterrorizada e indefesa.
O fazendeiro Secundino Cipriano do Nascimento, o “Coronel Bimbim” uma espécie de “Poderoso Chefao” que tinha sob seu controle os poderes constituídos e comandava os mais temíveis pistoleiros que atuavam na divisa dos Estados de Minas Gerais e o Espírito Santo, ao morrer em 1965, deixou um legado de sangue e de terror, que se acentuou com a luta dos seus lugares tenentes, disputando o posto que deixara.
As divergências dos seus comandados resultaram na formação de dois bandos, um chefiado pelo major PM Orlando Cavalcanti da Silva e o outro pelo tenente da PM José Scardua. Os dois bandos eram integrados pelos fazendeiros Renato Paiva, Antônio Pinto, José de Barros Carneiro. Josélio de Barros Carneiro (pai e filho) e Noé Nogueira, o industrial Luís Gonzaga Madalon e ainda o Coronel reformado da PM Jadir Resende e o sargento da PM de Minas Gerais José Berigoli. Porém, esses bandos começaram lutar entre si para conquistar o comando supremo dos pistoleiros.
A Justiça não tinha meios para enfrentar o banditismo, pois não contava com ò apoio dos outros poderes do Estado, e juízes e promotores do interior e até mesmo os desembargadores viviam sob a mira das armas dos pistoleiros. Era uma afronta aos poderes. Se algum delegado de polícia do interior tivesse, por acaso, a coragem de
prender um pistoleiro, instaurar inquérito e entregá-lo à justiça para ir a julgamento, fatalmente seria exonerado ou até mesmo assassinado. O mesmo acontecia com qualquer oficial da Polícia Militar, que não pertencesse aos bandos.
Em janeiro de 1967, o ex- deputado Cristiano Dias Lopes assumiu
o Governo do Estado e na sua plataforma constava, como primeira providência para tranqüilizar o Espírito Santo, a luta sem trégua e sem quartel aos pistoleiros, de forma a erradicar definitivamente o banditismo que assolava o Espírito Santo. Para Secretário de Segurança, acumulando o cargo de Chefe de Polícia, o Governador Cristiano nomeou o seu irmão José Dias Lopes com a advertência de que a ele cabia a parte mais difícil da administração.
O Secretário Dias Lopes, como primeiro passo para o combate ao crime organizado no Estado, reformulou os métodos policiais, aparelhou as delegacias de polícia do interior, nomeou como delegados bacharéis e elementos da PM de comprovada honorabilidade, ofereceu ao Poder Judiciário a mais ampla garantia para a execução das leis e extirpou da Polícia Militar os elementos de maus antecedentes. A população do Espírito Santo começou então a respirar um clima de segurança, já que os pistoleiros, acossados, não tinham mais a cobertura governamental ou policial, que restringia cada vez mais seu campo de ação.
Porém, no segundo mês de administração de Cristiano, na manhã do dia 26 de fevereiro de 1967, o major Orlando Cavalcanti da Silva foi executado com 15 tiros, em Nova Almeida, na Serra. A partir dessa data foram desencadeadas séries de execuções no Estado e em Minas Gerais, todas ligadas à morte do major Orlando.
O major foi executado pelos pistoleiros Fausto Ferreira Santos e Antônio Gregório da Silva, vulgo "Toninho", que tiveram a cobertura dos pistoleiros Alvaristo Vicente e Josélio de Barros Carneiro, que receberam incumbência do tenente PM José Scárdua e de Noel Nogueira para matá-lo. Todos envolvidos foram presos e julgados em 1968.
Como o grupo estava dividido em dois bandos, Scardua tinha os apoios das famílias Barros Carneiro e a de Noel Nogueira. Pelo outro lado, o major Orlando tinha apoio dos irmãos Reginaldo, Maneco e Renato Paiva e dos fazendeiros e irmãos Antônio e João Pinto. Os cinco decidiram que a morte do major não podia ficar impune. Diante dessa situação, o chefe de Polícia, José Dias Lopes fez uma investida contra essa guerra e conseguiu uma trégua entre os bandos.
Nessa trégua, Scardua, que estava preso no Quartel da PM em Maruípe, Vitória, sofreu um atentado e o autor confessou quem o havia contratado para matá-lo. O grupo do Scárdua devolveu o atentado executando o fazendeiro Reginaldo Paiva, em Baixo Guandu. As mortes de Orlando e Reginaldo e o atentado a Scárdua levou a classe política, à qual eles sempre estiveram ligados, a intervir, buscando encontrar uma trégua entre os dois grupos.
Durante dois anos a paz reinou por completo. Mas em 1971, em Baixo Guandu a paz foi quebrada com o assassinato de Antônio Pinto, tido como um dos mandantes dos atentados ao tenente José Scárdua. Mais uma vez a intervenção política colocou paz novamente.
Scárdua que morava na Rua São João, na Vila Rubim, em Vitória, frequentava uma barbearia perto de sua casa. E no dia 3 de fevereiro de 1973, um sábado, o tenente foi assassinado pelo sobrinho de Antonio Pinto, o pistoleiro José Pinto da Rosa, que se disfarçou de mendigo, para se aproximar da barbearia para pedir esmola. Scárdua negou a esmola, deu as costas ao “mendigo” e foi executado. E lá se foram 46 anos! Será que os pistoleiros acabaram?