por: Nancy Araújo de Souza
Nunca tive problemas com a minha condição de mulher. Nem pensei que pudesse ser de outra forma, visto que se me fosse dado escolher,sem dúvida eu seria mulher. Não preciso explicar as razões.
Gosto de ser mulher mesmo me achando um pouco menos feminina e vaidosa do que deveria ser. Não sofro com isso. Também aceito e convivo pacificamente com pessoas que não estão felizes com sua sexualidade. Uma coisa confesso, sinto inveja de uma facilidade que Deus concedeu aos homens: fazer xixi em pé. A despeito de algumas vantagens que nos foram concedidas, a maior sendo o poder de gerar outra vida em nosso ventre, nada se compara a essa que a eles foi destinada. Homem não se aperta, na falta de banheiro, em qualquer lugar arranja um jeito.
Mulher sofre quando precisa de um banheiro público. É uma tragédia. Não falo de limpeza, falta de papel, essas coisinhas, falo da complexidade da situação: levantar ou descer roupa, segurá-la para não molhar, ainda cuidando da bolsa que não deve ir pro chão. Que luta! E ficar naquela posição desconfortável para não sentar no vaso. É preciso ser rápida porque sempre há fila em banheiro feminino. Depois perguntam por que demoramos tanto. Algumas vezes nem retocamos o batom... Só quem já viveu uma situação constrangedora,sabe a superioridade dos homens nesse momento. Aconteceu comigo recentemente. Estávamos em Praga encantadas com a cidade e tudo o que ela oferece.
Uma noite, eu e uma amiga nos separamos do grupo e saímos com três rapazes da excursão. Andamos pelas ruas movimentadas, sem medo, parando nas praças para ver os músicos que se apresentavam, ( na véspera assistimos ao show de músicos brasileiros) olhando as lojas e depois fomos jantar. Noite fria demais.
Uma sopa deliciosa e uma taça de cerveja para cada um. Lembro que a cerveja já vem numa taça enorme, deste tamanho! Deve ter quase meio litro! Distraída, não fui ao banheiro. De volta ao hotel já bem tarde, com as ruas ainda movimentadas fomos entrando em lojas, sem pressa, conversando e rindo.
Então me veio a vontade de ir ao banheiro e não me incomodei muito mas avisei que era melhor andarmos mais rápido. A situação aos poucos ficou mais complicada, comecei a me preocupar e pedi para acelerarmos o passo e assim fizemos. Comecei a desejar ser homem para poder resolver o problema atrás de um carro, ou em canto qualquer. De repente, notamos que dois amigos haviam desaparecido. Paramos um pouco para esperá-los.Estavam demorando e o nosso companheiro voltou para procurá-los. Ao retornarem eu já estava desesperada e avisei que ia fa-zer num canto por ali se não corrêssemos. Não dava mais para aguentar. Disparamos como se estivéssemos em uma maratona. Sempre reclamando por ser mulher saí na frente com os dois amigos atravessando as ruas desembestados.
Chegamos ao hotel em poucos minutos. Deus é grande! Ao me aproximar das portas automáticas que se abriram, disparei em direção aos elevadores que não estavam à minha espera... Não dava tempo de chegar ao banheiro daquele imenso lobby. Na minha frente estava o elevador panorâmico aberto, nem acreditei, entrei, apertei o número 4 e olhei lá para baixo sabendo o que ia acontecer. Havia ainda várias pessoas nos ambientes do lobby e todas iriam assistir ao meu vexame naquele elevador chiquerrésimo.
Comecei a rezar, pedindo a todos os santos de que me lembrei que quebrassem meu galho até sair do elevador e me aliviar no corre-dor. Não podia urinar no elevador panorâmico interno do Hilton. No Hilton, não, meu Deus! Implorei. Pensei em simular um desmaio. Melhor não. Saí do elevador tirando o casaco, desabotoando a calça, quebrei a unha no botão, jurei nunca mais usar calça com botões e zíper, agora só com elástico. Corri pelo corredor. O quarto ficava a uns vinte metros que se triplicaram naquela hora e alcancei a porta com o cartão magnético na mão. O xixi queria sair, a bexiga doía, eu não raciocinava. Enfiei o cartão no dispositivo e a porta não abriu. Vermelho. Tentei de novo, nada. Virei o cartão. Vermelho. Mudei a posição e nada. Quis gritar Help!
Se alguma porta se abrisse por ali eu invadiria o quarto indo direto para o banheiro.Tentei novamente. Verde! Abri a porta jogando para longe bolsa, casaco, nem co-loquei o cartão no dispositivo de acender a luz, a porta pesadona se fechou num estrondo e eu me sentei no vaso, no escuro mesmo, agradecendo aos santos pela ajuda. Na pressa não percebi que a tampa do vaso estava abaixada. O vaso estava tampado! Inundei o banheiro e ainda me molhei. Mesmo assim, com a roupa encharcada, aproveitei para agradecer a Deus por ter nascido mulher. Só em momento de desespero eu pude desejar ser homem.
Depois do episódio, não posso ver um banheiro que entro nele mesmo sem ter vontade. Sei lá…