Reler um livro parece sempre mais significativo do que apenas lê-lo. Afinal revisitar uma obra de arte sempre nos revela novos prazeres e novas formas de interpretação. Foi o que fiz recentemente. A literatura alemã produziu autores que marcaram a história da literatura ocidental. Tive o prazer de traduzir alguns deles. Um dos mais importantes e menos conhecidos é Friedrich Hölderlin (1770-1843). Trata-se do romance “Hipérion ou o eremita na Grécia”, publicado pela Editora Nova Alexandria.
Poeta, romancista, dramaturgo e ensaísta, Hölderlin teve uma trajetória quase inclassificável na literatura alemã, pelo estilo e pela criatividade. Depois de seguidos acessos de esquizofrenia, viveu quase 40 anos enclausurado numa torre em Tübingen, sul da Alemanha, conhecida hoje como a Hölderlinturm(torre de Hölderlin), um dos principais pontos turísticos da cidade.É considerado por muitos um dos maiores poetas alemães de todos os tempos. Martin Heidegger referia-se a ele como “o poeta dos poetas”.
Negou-se a seguir a carreira eclesiástica, contrariando o desejo de sua mãe. Trabalhou como preceptor na casa de um banqueiro, por cuja mulher se apaixonou, o que resultou em um escândalo que provocou a sua expulsão. Essa única paixão de sua vida aparece mimetizada em Diotima, a principal personagem do romance.
“Hipérion” é um romance epistolar escrito em prosa ritmada perpassada por um lirismo entusiasmado. Em sessenta cartas, o herói de Hölderlin – Hipérion, agora na condição de eremita na Grécia – narra ao seu amigo Belarmino acontecimentos do passado que giram sobretudo em torno de sua intensa experiência amorosa com Diotima, em quem o “belo” se encarna.
Em plena Alemanha influenciada pela revolução francesa, a obra retrata uma Grécia viva, irracional, dionisíaca e entusiástica, na qual a busca do amor e das experiências extremas formam o horizonte almejado pelos personagens. Em sua esquizofrenia poético-real, a Alemanha é Grécia, Dionísio é Cristo, tudo se torna intemporal e simultâneo e o espírito humano almeja superar-se até o infinito. Em um de seus versos, Hölderlin nos faz vislumbrar os impulsos que orientam o comportamento humano: “Fogo divino nos impele também, de dia e de noite/ a partir. Ora, então venha para contemplarmos o espaço aberto! Para buscarmos algo próprio, por mais longe que esteja.”
É nesta busca incessante e profunda que a vida humana se realiza; é no mergulho alegre e entusiasmado na realidade que conquistamos tudo o que nos foi destinado. O romance apresenta a longa peregrinação de um indivíduo inquieto e sedento de vivências transcendentais em busca da realização pessoal através do amor. “O que significa tudo o que os homens fizeram e pensaram durante milênios, perto de um instante de amor? É também o maior êxito e a maior beleza divina da natureza. De lá viemos, para lá voltaremos”.
“Hipérion”permanece como um questionamento profundo sobre os caminhos possíveis para vivenciarmos a beleza, o amor e a plenitude interior, tão desejadas e tão necessárias a uma vida feliz.
*Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.