A minha infância tinha uma referência forte na lata de biscoitos redonda em que minha mãe guardava as fotos da família. Vi e revi as poses amareladas e a cada visita novas histórias eram lembradas e compartilhadas. Aprendi a gostar da fotografia na lata! Jean, um francês perdido nas Minas Gerais, foi o primeiro profissional que tirou um retrato meu. Fiquei admirando como ele ajustava o foco, inclinava o flash e fixava o tripé. Foto perfeita. De vez em quando revejo a imagem e percebo nela o clima daquele momento mágico para mim.
As heroicas expedições ao Alto Amazonas em busca das tribos isoladas relataram a resistência dos índios em deixarem-se fotografar. Para eles a alma, ou parte dela, ficava aprisionada no instantâneo. Suas crenças e percepções mais apuradas que as nossas ocidentais tecnológicas os levam a pensar assim. Se eles estiverem com a razão, estou perdido.
Fui dar minha caminhada, que precede as Crônicas de Domingo, e encontrei-me com vários grupos de turistas e seus guias visitando os arredores. Uma infinidade de celulares capturava selfies, gravava vídeos e registrava indiscriminadamente tudo. Participei como figurante ocasional em centenas. Provavelmente em algumas com cara de espanto, outras com o corpo em retirada circunstancial e ainda numa variedade angular de distraídas posições. Como fica minha alma nesse caleidoscópio dominical?
Conturbado com esta questão, lembrei-me do recomendado Canto Gregoriano do Mosteiro de São Bento. Subi a ladeira admirando a paisagem. Cheguei na dourada igreja lotada, quando os monges entravam entoando os cânticos. Posicionei-me para ouvir aquela melodia de tonalidades reconfortantes, quando percebi que estava participando de inúmeras tomadas de todos os possíveis megapixels e luminosas intensidades. Seguramente fui sombra numas, minha calva brilhou excessivamente em outras e indistintamente compus ângulos criativos de turistas compenetrados em turistar.
E minha alma? Ficou mais desgastada? Quando se usava filmes com 24 ou 36 poses e eles necessitavam de revelação, a coisa era cara. Nem todos fotografavam e escolhiam bem o que registrar. Agora acumulam imagens em profusão em cartões, dvds, hds e uma ampla variedade de memórias onde mais trechos de minha alma subsistem. E quando deletam algumas imagens? Recebo de volta minha parcela ou fica perdida para sempre? Que brincadeira eu me preocupar com isso hoje, não é mesmo? Mas cá entre nós, se você souber de algo a respeito, não deixe de compartilhar comigo. E vamos em frente!
Há algum tempo fui convidado para a exposição do conterrâneo mineiro, da nossa Zona da Mata, Sebastião Salgado. Fiquei deliciado com sua Gênesis. Percebi em cada foto a alma desse artista integrada com o sagrado do nosso planeta! A cada passo parei frente aos quadros e entrei em total sintonia com as suas percepções dos mais inóspitos lugares aos mais sutis detalhes da vida na Terra. Ao final das palestras da ABERJE, que aconteceram paralelamente, ia ser sorteado o magistral livro da expedição Gênesis para um dos jornalistas e comunicadores presentes. Minha alma agitou-se. Como eu queria aquela compilação fenomenal. Ao fim, o amigo Paulo Henrique Soares buscou o nome do sorteado... e era o meu. Tinha que ser! Ele sorriu, possivelmente compreendendo que era uma questão de alma.
Não vou tão longe nem tenho a pretensão de comparar-me com o gênio daquele artista genial, mas minhas caminhadas sempre geram novas imagens guardadas e classificadas. Procuro enxergar na paisagem, no detalhe, na outra pessoa, no movimento, o reflexo da sintonia com a minha alma curiosa, agitada e inconformada. Não tenho dúvidas de que estou em cada clique.
Foto: Selfie do autor no Paço Imperial (RJ)