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O Espírito Natalino

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24/12/2015

Fico muito feliz quando um ou outro leitor me sugere um tema para crônica. O problema é que, nessa época do ano, sempre chegam os pedidos de crônicas natalinas. Confesso que o natal sempre foi, para mim, o mais complicado dos temas. Não que eu não goste da data. Nascido em um lar cristão-católico, sempre celebramos o natal. Mas deve ser porque nunca tive nada demais para contar, a não ser o de sempre: casa cheia, troca de presentes, ceia com a família...

Pior, mesmo, é o natal de um amigo meu. Este, sim, tem muita história. Ele andou me contando umas, pedindo sigilo. Algumas são a respeito de como ele já passou vários natais no meio de gente cuja companhia ele não gostava lá muito. Mas a pior história é a do dia em que ele resolveu celebrar a data na casa de uma amiga, para fugir dos "desafetos", familiares ou não. Até aí, tudo bem, se não caísse uma chuva torrencial naquele 24 de dezembro, o interfone da casa da amiga não enguiçasse e ele ficasse do lado de fora. Detalhe: esse amigo se diz agnóstico, porém, acredita no natal. É... não duvido, não. 

Outra história interessante aconteceu no natal de 1914 e é conhecida como a "Trégua de Natal". Foi uma espécie de armistício informal ocorrido no front ocidental da I Guerra Mundial, quando soldados ingleses e alemães chegaram, até, a trocar presentes, entoar cançonetas e celebrar pequenas confraternizações. Depois, eles podiam voltar a se matar à vontade. Espírito de natal ou hipocrisia humana? Tenho cá minhas dúvidas.

Esse "espírito de natal", aliás, foi algo que sempre me incomodou. Todo mundo conhece aquela pessoa que resolve dar bom dia aos vizinhos apenas nessa época. Há quem até mostre os dentes! Existem famílias, também, que resolvem aproveitar o espírito natalino para inquisições, do tipo: "Quando você vai casar?"; "Já arrumou namorado(a)?"; "Você não arranja emprego, não?"; "Não passou no vestibular?"; "Engordou, né?"; Seu(sua) primo(a) já saiu de casa e você?"; "Você ainda está com aquele carro velho?" Não minta, leitor: todo mundo já passou por isso. Incluindo você.

Mas, interessante, mesmo, é o (forte) relato do Dr. Fernando Braga da Costa, em seu livro "Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação social". Ele é psicólogo e resolveu se vestir de gari, trabalhando durante meses com eles, no campus da USP. Sequer era reconhecido pelos professores e colegas. Em uma entrevista para a televisão, o psicólogo afirmou que a experiência mexeu tanto com ele, a ponto de fazer com que passasse o natal daquele ano fora de casa, junto àqueles que não têm natal todos os anos. 

Já deu pra perceber que há muito não acredito nesse tal de "espírito natalino", né? Porém, acredite, gosto da data. Disse lá em cima que nasci num lar cristão e, apesar de não ser tão praticante, ainda celebro o nascimento de Jesus Cristo, antes de qualquer coisa. Contudo, não é necessário ser religioso. Meu amigo agnóstico que o diga. Perguntaram para mim o que eu gostaria de ganhar de presente. Não soube responder por um simples motivo: tenho tudo. Uma família que eu amo - e que me ama - amigos maravilhosos, uma carreira de que gosto, mas, principalmente, o desejo de fazer com que esse espírito de natal aconteça todos os dias do ano, na certeza de que fazer o bem não depende de uma data específica. 

*Publicado também em www.anaximandroamorim.com.br.
** Advogado, professor, escritor e membro da Academia Espirito – Santense de Letras.




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