Por: Nancy Araújo de Souza
Um dia não muito bonito para ficar sozinha em casa, pelo menos não está chovendo. Nem pensou em sair e visitar alguém ou procurar no jornal algum programa interessante. Preferiu ficar sozinha. Está iniciando a fase do desapego, já é hora. Leu o jornal, a revista, fez um “almocinho caprichado”, pôs a mesa e sentou-se para comer. Terminado o almoço defez tudo, guardou na geladeira o que sobrou, lavou a louça e recostou-se no sofá para ver um filme.
Quando acordou o filme estava no fim. Levantou-se e, ligando o computador voltou ao conto que começou a criar na noite anterior. Releu o trecho escrito, corrigiu, modificou e antes de recomeçar a escrever lembrou da conversa com as amigas no último encontro que tiveram. Foi logo após o Natal. Estavam no restaurante, depois do cinema da tarde cada uma comentando o que havia feito e falando dos projetos para o novo ano.
As três desejavam principalmente saúde, amor e dinheiro, entre outras coisas. Concluíram rindo que estava difícil realizar os desejos e fizeram comentários engraçados sobre isso. Lembraram que a outra amiga do quarteto estava fazendo muita falta. Era a única feliz no amor com um casamento sólido de mais de trinta anos. É a mais animada das quatro e faz uma falta danada!
Ela, então, acrescentou que desejava também continuar escrevendo, agora queria escrever contos. Aproveitou para contar que um amigo havia mandado e-mail elogiando o romance e perguntado se era autobiográfico.
Uma delas deu uma risada e disse que ele havia matado a charada. Ela ficou séria:
- Você sabe que não é nada disso. Pode parar. É pura ficção.
- Sei de nada, não. Essa sua história com a Ilha da Madeira é muito suspeita. Tem alguma coisa esquisita aí. É o amor. Tem homem na parada…
- Sua maluca, acha que se eu tivesse conseguido um amor lá ou em qualquer lugar, teria votado pra cá? Jamais! Não estou na idade de perder tempo, amiga!
A outra comentou:
-Mas que tem alguma coisa da sua vida ali no romance, juro que tem. Parece com você. Pode confessar.
-Não confesso nem sob tortura - brincou – Quando vocês forem conhecer a Ilha também não vão querer sair mais de lá.
Continuaram brincando sobre a dificuldade de achar um amor na cidade que é, segundo todas as pesquisas, a capital que tem muito mais mulheres do que homens. A concorrência é desleal e para mulheres da idade delas já não há homens disponíveis. Os homens interessantes já estão arrumados, bem acompanhados.
Pediram a conta, dividiram como sempre, pagaram e saíram. Despediram -se com muitos abraços desejando felicidades no Ano Novo. Uma mora perto e foi a pé para casa. As duas, assim que atravessaram a rua, viram o ônibus parando no sinal. Não se preocuparam, nem se descabelaram, apenas deram sinal sorrindo desconsoladas para o motorista que também sorriu e abriu a porta no meio da rua, entre os carros e elas entraram correndo cheias de agradecimentos. Sentaram na frente e viram que o ônibus estava quase vazio, com apenas uns três ou quatro passageiros. O motorista lhes disse que elas tiveram sorte, porque o próximo ia demorar muito.
Foram conversando animadas sobre o filme e a viagem programada para janeiro. O motorista entrou na conversa perguntando sobre o filme e elas foram atenciosas. Na hora de primeira descer só havia as duas, o cobrador e o motorista. Elas se despediram a amiga desejou Feliz Ano Novo aos três e desceu. Para ficarem mais tempo conversando tomam o mesmo ônibus. Uma desce primeiro e a a outra continua até o final para tomar outro do seu bairro.
Mais tarde estava vendo televisão quando a amiga telefonou para contar o fim da viagem. Riram muito. O motorista continuou a conversar com ela indagando se ela costumava pegar aquele ônibus, em que horário, quis saber sobre o cinema aonde iam, sobre o filme, os programas que ela e as amigas faziam à tarde, se eram casadas, etc. No final da linha quando ela desceu para caminhar até o outro ponto, pediu o número do seu telefone, ofereceu-se para acompanhá-la e lhe fazer companhia até o ônibus dela chegar, pois ele teria um tempo para descanso. Ela recusou, é claro.
-Mas ele foi muito gentil abrindo a porta para nós no meio da rua, não foi? Podia ter levado uma multa, coitado.
-Menina, ele contou sua vida toda. Morou nos Estados Unidos muito anos, é separado, tem filhos adultos, mora sozinho e disse que nós duas somos muito simpáticas...
-kkkkkk. Vai ver que essa história vai render…
-Está doida? Não dei o número do telefone, endereço, nada, nem vou mais pegar aquele ônibus. Mas ele é um homem educado. Quanto a render alguma coisa só se for pra você que costuma pegar aquele ônibus, kkkkk.
-Tô fora! Agora só quero escrever sobre amores, não vivê-los…
Rindo voltou ao computador pensando “se ainda há homens interessados em mulheres sexagenárias, nem tudo está perdido”.