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O Troco

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17/10/2016 - por Nancy Araújo de Souza

Ela concordou quando sugeri escrever sua história. Só pediu para não revelar os nomes. Claro que eu não faria isso. Nos encontramos por acaso, na varanda do Belas Artes onde me encontro semanalmente com as amigas para o cineminha da tarde. Cheguei mais cedo, escolhi um livro na livraria, paguei e me sentei na varanda. Estava distraída na leitura quando ela se aproximou perguntando se podia sentar, e assim começamos  um papo agradável. É muito simpática e falante. Logo estava contando a história de um relacionamento terminado recentemente.
 
No tempo da faculdade tinha um namorado que fazia outro curso, mas se encontravam diariamente no restaurante para o bandejão. A vida social se limitava aos cineminhas de domingo e horas dançantes do DCE. O namoro ia de vento em popa até quando ele começou a se interessar por uma conterrânea que veio estudar na capital. Ela levou um choque no dia em que ele apareceu, era domingo, ela pronta para irem ao cinema, ele pediu para conversarem no portão e a dispensou na maior cara de pau dizendo que estava interessado na conterrânea, não pretendia magoá-la mas esperava que ela entendesse o seu sentimento. O que fazer? Aceitou a dispensa e sofreu calada por algum tempo. Não se viram mais porque ela parou de frequentar os lugares onde pudesse correr o risco de vê-los juntos.

Os anos se passaram, ela casou-se enviuvou e há pouco tempo eles se encontraram na fila do Banco. Ele a reconheceu e foi cumprimentá-la. Ela foi educada e conversaram um pouco .Ele falou da sua vida, depois de formado se casou e voltou para o interior, era comerciante dono de super-mercado e postos de combustível, tinha filhos e netos e vinha à capital a negócios com certa frequência. Ela contou que estava aposentada  estava viúva há alguns anos e tinha dois filhos casados. Ele pediu seu telefone para se falem quando voltasse à capital se ela não se importasse.

Assim ele passou a telefonar quando vinha à cidade. Um dia a convidou para uma cerveja. De outra vez convidou-a para um cinema e em pouco tempo iniciaram uma relação mais íntima. Ela achou que devia contar  que tinha um namorado morando em outra cidade, mas vinha sempre para vê-la e nenhum dos dois tinha a intenção de se casar. À vezes viajavam juntos. Ela sentia-se feliz assim. O antigo namorado disse que não podia lhe pedir nada já que era casado e não pretendia se separar da esposa.

Viam-se quando ele precisava vir à capital e algumas vezes  quis ficar no apartamento dela, mas ela não concordou. Ficava então num hotel ali por perto. Ela o recebia para um café, um almoço ou jantar, mas nunca permitiu que ficasse para dormir. Uma vez convidou-a para ir com ele a São Paulo onde ficaria uns dias  e ela aceitou, pois gostava da cidade. Assim passaram a viajar juntos quando o trabalho dele exigia. Ela aproveitava para passear. Eram dias bem agradáveis. Ele lhe comprava presentes caros, jóias, bolsas de grife e às vezes comprava os mesmos para a mulher.
 
Uma ocasião, ele o avisou que ia viajar à Argentina com o namorado e ele não gostou da ideia, disse que poderia ir com ela se tivesse avisado. Não explicou o que diria à mulher, já que não tinha negócios naquele país. Ela viajou assim mesmo e ele ficou um tempo sem dar notícias, mas  retorno com um lindo anel de brilhantes. A caixinha de jóias estava  recheada e ela ria dizendo às amigas que teria que renovar o seguro acrescentando outros itens ao patrimônio.

A história de um homem traindo a esposa com uma ex-namorada da juventude parecia banal, mas  eu ouvia com interesse o que ela contava enquanto esperava as amigas. Perguntei sobre os filhos e ela disse que era livre, que os filhos não davam palpite em sua vida. Queriam vê-la feliz.

Voltou à história que já estava quase no fim. Da última vez que viajaram juntos ele a levou até o apartamento, carregou a mala e as sacolas das compras e presentes dela, tomou um suco e ela o levou até a porta. Ele a beijou e disse que telefonaria no dia seguinte. Ela então disse que no dia seguinte não estaria disponível. Ele sugeriu vê-la  dali a dois dias, viria buscá-la para um programa porque precisava voltar para o interior. Ela novamente disse que não. Ele a olhou espantado e perguntou quando poderia vê-la.
Ela o olhou nos olhos, segurando a porta e respondeu: Nunca mais!  
- Ele levou um susto, fico branco e perguntou a razão! 
Ela lhe disse na maior cara de pau! Porque não quero mais, não vale a pena. Vou ficar mesmo com meu namorado. Descobri que gosto muito dele. Se ele quiser, talvez até me case com ele. Então, adeus.

Enquanto ele se recuperava do susto, ela entrou e fechou a porta. Riu e me disse que quis fazer o mesmo que ele fizera com ela há mais de trinta anos. Perguntei se ela ainda estava com o namorado. Ela riu de novo e disse que não tinha namorado algum. Nunca mais teve um relacionamento depois que o marido morreu. Só pretendeu dar o troco no cretino e ainda ficou cheia de presentes e jóias para oferecer às noras nos aniversários.

Olhou o relógio, despediu-se e entrou na sala do seu filme. Eu continuei a minha leitura até que as amigas chegaram e fomos também para a sala do nosso. Nunca mais vi a simpática e falante senhora. 


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