Hoje seria dia de falar de carnaval. Descrever a alegria do brasileiro nesses dias em que é bem melhor trocar as preocupações com política, com a falta de saúde, falta de educação, de dinheiro, etc. pela alegria. Todos os aborrecimentos ficam pra depois do carnaval. A intenção era falar dessa festa, mas depois que a amiga chegou atrasada ao encontro e contou a história, foi impossível não escrever sobre o que ela contou.Estava bastante perturbada, mas aos poucos, voltou ao normal e conseguiu contar com naturalidade o que aconteceu no momento em que se preparava para sair.
Deu uma olhada no espelho achou que havia engordado um pouco, só um pouco, mas como é baixinha faz diferença. Difícil perder peso depois de certa idade... O jeito é ter mais cuidado e ficar de olho na balança. A blusa estava um pouco justa, não muito. Dava pra usar bastante ainda. Quase não compra roupas, usa as mesmas sem o menor problema durante muito tempo. O engraçado é que a blusa vermelha estava guardada há meses, nem sabe a razão de tê-la usado tão pouco nos últimos tempos. Agora está ali, diante do espelho preparada para sair como naquela noite com a mesma roupa que usou naquele encontro.
Era uma noite especial. Uma noite de despedida. Agora a situação era outra, bem diferente. Ia sair com amigos para uma noitada. Amigos de longa data. O outro encontro que ela lembra agora, foi com amigo mais recente, mas o sentimento que ligava os dois era tão forte que pareciam amigos de infância. Tanta coisa tinham em comum que até achavam graça. Foi amizade à primeira conversa. Ficou parada com o batom na mão e procurou todos os detalhes na lembrança. Alguns se perderam, como por exemplo, não sabe se era noite de lua. Tenta lembrar e não consegue, entretanto tem absoluta certeza de que a noite era bem quente como esta. Havia pegado uns dias bem frios, mas aqueles últimos estavam quentes. Naquele dia, lembra que andou bastante, estava se despedindo de tudo e de todos. Entrou em casa cansada e deitou-se um pouco antes do banho. Depois da ducha fez um lanche leve e ligou o computador para enviar notícia para a família e nada mais. Entrou no Face rapidamente e como ele estava ligado falaram-se e combinaram o jantar de despedida. Sua viagem estava marcada para dois dias depois, quando devia entregar o imóvel. Até hoje não entende por que não deixaram o jantar para a véspera da viagem. Certamente ambos sabiam que ela ficaria atarefada com os preparativos, tentando o milagre de acomodar na mala tudo o que havia levado. Não compra quase nada em viagens, mas a danada da mala parece que diminui de tamanho quando retorna, não entende...
Viu-se pronta para sair, como agora, de calça jeans uma blusa vermelha, a mesma roupa que escolheu hoje, só que agora está um pouco mais justa. Os cabelos também estão um pouco menores e mais brancos. Sabe que fica bem de vermelho e abusa da cor. Jeans com vermelho combina bem. Não sabe por que não usou um vestido mais fresco naquela noite quente. Podia ter caprichado mais, porém como não fazia idéia de onde iriam e como ele ia direto ao sair do trabalho, achou que estava bem daquele jeito. Realmente levou-a a um restaurante simples, mas de comida saborosa e atendimento impecável, nas proximidades do seu trabalho. Comeram muito bem e conversaram bastante. Assunto não faltou principalmente política, música e cinema. Ele adora cinema e conhece muito do assunto. Ela ficava admirada ouvindo-o. Mais ouvia do que falava, gostava de ouvi-lo. Não falaram de despedida. Agora fica pensando que faz tempo não tem uma conversa assim tão agradável com alguém. Só sai em turma e os assuntos se misturam numa bela confusão. Adora sair com amigos, mas sente falta de momentos menos agitados, de uma conversa mais tranquila sobre assuntos leves.
Olhou-se novamente no espelho e decidiu retirar a maquiagem. Foi ao banheiro e lavou o rosto. Estava pálida. Escovou os dentes outra vez, já havia feito isso, mas repetiu a ação porque não queria sair, preferiu ficar ali tentando se lembrar daquela noite. Resolveu se maquiar de novo. Um batom bem vermelho para combinar com a blusa. A blusa que estava usando no seu último encontro, no seu ultimo abraço. Depois do jantar ele perguntou se ela queira ir a algum outro lugar e ela disse que não. Arrepende-se até hoje amargamente. Não tinha compromisso, não ia fazer nada e não era tão tarde, mas lembrou que ele ia trabalhar no dia seguinte. Pediu que a ajudasse a pegar um táxi e ele disse que a levaria, não a deixaria ir sozinha. Caminharam poucos quarteirões até o ponto e ela não estranhou que tantas pessoas o conhecessem e cumprimentassem na rua, ali era seu bairro, ali morava há anos, talvez ainda more...
Passou o pente nos cabelos e pensou em como a distância separa as pessoas não apenas fisicamente, mas afasta os pensamentos e aniquila os sentimentos. Ela mesma não sabe, nem lembra de quando começaram a se afastar, quando deixaram de se falar e quando, finalmente, ela deixou de pensar nele. Agora tanta coisa lhe vem à memória ! Uma vez, brincando, prometeram ao outro que seriam amigos para sempre. Para sempre é muito tempo.... ela pensa agora. Deveriam ter acrescentado “enquanto for possível”.E por que não foi possível manterem a amizade ? Não sabe. Sabe que se arrepende por não ter ficado mais tempo com ele, naquela noite.
No táxi foram conversando sem falar em despedida. Quando chegaram, ele pediu para o motorista esperar um pouco. Levou-a até a porta do prédio e ali se olharam e se despediram com um abraço. Ela não esquece uma palavra sequer do que disseram naquele momento. Nada de romântico, nada de promessas, nada de reencontros. Pequenas frases significativas enquanto durou o abraço. Frases que ele dizia e que ela repetia baixinho com o rosto encostado no ombro dele. Afastaram-se e quando ele se virou e saiu caminhando devagar na direção do táxi ela, antes de entrar, teve vontade de pedir-lhe para voltar e deixá-la ficar mais um pouco dentro daquele abraço, mas não teve coragem. Pensa que talvez ele estivesse esperando que ela fizesse isso, mas ela abriu a porta, entrou e se arrepende ainda hoje de não pedido para ele ficar mais um pouquinho. Agora estão afastados, perderam contato... A amizade “para sempre” ficou esquecida. Nada é para sempre, sabe muito bem. Olhou mais uma vez o espelho e saiu do banheiro dizendo sozinha: Por causa dele vou chegar atrasada ao encontro com os amigos, meus amigos para sempre. Há muito tempo não me lembrava dele... Tudo por culpa de uma calça jeans e uma blusa vermelha.