No final de todo ano, a par das compras intensivas e do desejo de comer e beber insaciavelmente, afloram os bons sentimentos, as boas intenções, os desejos positivos, as metáforas e a poesia. Ainda bem. Significa que temos um tempo dedicado a pensar no bem dos outros e da humanidade. Pena que seja um tempo curto e vinculado às obrigações de dar e receber presentes.
Vivenciamos também o simbolismo do fechamento de um círculo e do início de um outro, embora todos sabemos que a vida é contínua e sem interrupções. Mas de qualquer modo temos a sensação de que algo terminou e de que a vida recomeçará. Culturalmente é um momento de reavaliação dos próprios atos e de retomada dos verdadeiros objetivos que orientam a vida e a realização dos sonhos e desejos mais profundos.
É interessante observar como todos se deixam dominar pela poesia utilizando metáforas as mais diversas para expressar os seus sentimentos e anseios, mesmo que predominem os lugares comuns e as frases feitas. Pois sabemos que no fundo as palavras têm um poder especial. Segundo a Bíblia, o mundo tal como o conhecemos começou com a força das palavras de Deus: “Fiat lux”, faça-se a luz, e fez-se a luz. Acreditava-se então que o ato de pronunciar determinadas palavras desencadeasse no universo um processo de concretização daquilo que elas significavam. E então a luz se fez e teve início a vida humana.
Penso que uma pessoa elabora as expressões de que necessita, ainda que tenham sido repetidas infinitas vezes, ou então inventa novas combinações, a fim de manifestar aquilo que somente ela sente e percebe, sobretudo o modo como sente e percebe o mundo. Afinal todos podem ser poetas alguma vez na vida ou no mínimo criar uma poesia a partir de sua necessidade de exprimir ao mundo os seus sentimentos reais e íntimos. A verdadeira poesia pressupõe, sem dúvida, a sinceridade e o desejo real de suscitar no Outro alguma sensação verdadeira. Trata-se de um desafio para o qual estamos todos devidamente preparados, independentemente do grau de escolaridade.
Rainer Maria Rilke, poeta nascido em Praga, escreveu certa vez uma série de cartas contendo sugestões a um jovem que pretendia escrever poemas. Afirmou que para escrever bem é preciso perceber em sua própria alma os motivos que o levam a dizer certas coisas. Pede ao jovem que expresse “seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas”.
Vivemos agora, portanto, a época em que todos soltam o poeta de dentro de si, espalhando mensagens de amor, de carinho e de solidariedade. Que estes estímulos nos sirvam de referência para conduzirmos o cotidiano e orientem sempre os nossos pensamentos.
*Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.