O projeto maior do processo civilizatório da idade moderna talvez esteja expresso numa frase de Goethe, escrita há quase 200 anos: “a civilização elimina a barbárie”. Sabemos que não é tão simples assim, pois seu país de poetas e pensadores, sua cultura tão refinada e seleta, infelizmente provou o contrário.
A ideia de cultura, tal como a entendemos, é proveniente do século XVIII. Trabalhar em prol da cultura significava então tornar o mundo mais humano. Este o grande ideal que herdamos: criar uma sociedade livre e, ao mesmo tempo, desenvolver no indivíduo o senso de responsabilidade e o humanismo. Neste sentido, a cultura é algo que une os homens, fundamenta a ética e exalta o que há de comum e sublime em nossa espécie.
Hoje no Brasil vemos uma profusão de manifestações culturais simbolizadas na maior festa popular do planeta admirada pelo mundo. Somos também confrontados cotidianamente com anomalias de toda ordem que tornam o nosso país de difícil compreensão para os estrangeiros e estudiosos em geral. Como um povo tão criativo e rico em produções culturais convive tão pacificamente com falcatruas as mais diversas e banditismos de toda ordem na vida pública e na privada? Seriam as nossas mazelas morais temas relevantes para criações artísticas e reflexões dotadas de amplo poder mobilizador?
Contudo, as cenas horripilantes protagonizadas por figuras públicas em Brasília e vistas a exaustão pela população nos levam a pensar na relação entre cultura e humanismo vislumbrada por Goethe. Pois pessoas dessa espécie representam o que de pior produzimos nesse país, são o verdadeiro “crack” de nossa formação moral, o “ecstasy” de nossos valores éticos, a “AR-15” da educação de nossos jovens. E a forma patética e cínica com que se defendem mutuamente choca as pessoas de bom senso. Se ao menos se envergonhassem!! Difícil identificar hoje um outro país com governos em todos os seus níveis e empresários tão implicados em fraudes, falcatruas e crimes.
De que forma nossos jovens expressarão em seu comportamento e em suas manifestações artísticas essa realidade hedionda e bárbara? De certo modo, a arte vive hoje a impotência diante da destruição e do aniquilamento, o vazio diante da sociedade de consumo que privilegia o supérfluo em detrimento do duradouro. Mas a pluralidade de concepções e as novas possibilidades de divulgação das próprias obras e pensamentos abrem canais de comunicação e de intercâmbios até então desconhecidos. E os jovens estão bem antenados nisso.
Por outro lado vivemos também uma overdose de informações, falamos a todo momento em comunicação, mas poucos são os que têm de fato algo a comunicar, fruto do culto à aparência e ao entretenimento supérfluo propagados pelas grandes mídias.
De uma coisa podemos estar certos: os pressupostos básicos no tratamento dos grandes temas, como o aquecimento global ou a superpopulação, são os valores éticos e as formas de cooperação daí advindas, visando a propósitos comuns. A barbárie ainda não venceu, apesar de tudo, pois a cultura com seus amplos espectros de transformação nos leva sempre a descobrir e a criar novos caminhos.
*Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.