Livro de 1975 que contesta o mito de Pelé permanece no limbo da história
Por Adilson Barros
Santos, SP
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'A Verdade Sobre Pelé', do jornalista santista Adriano Neiva, o De Vaney, foi recolhido 15 dias após ter sido lançado e virou raridade bibliográfica
Gênio, rei, mito, deus...Não há um adjetivo que já não tenha sido utilizado para qualificar Pelé. Sua imagem vende tudo. Seu rosto transmite credibilidade. Mas o craque não é unanimidade e Maradona não foi o único a questionar a majestade do Rei do Futebol. Adriano Neiva, o De Vaney, jornalista santista que acompanhou de perto toda a carreira de Pelé, ousou atacar o mito. E pagou por isso.
Em 1975, ele lançou um livro cujo título resume bem suas intenções: “A Verdade sobre Pelé: as fantasias, os exageros, o mito e a história de um desertor”. De Vaney ainda estava engasgado com o fato de o craque ter se recusado a disputar a Copa de 1974 e resolveu abrir seu arquivo para levantar dados estatísticos e históricos na tentativa de provar que Pelé, além de grande jogador, também era produto de marketing.
“Pelé teria feito jus ao culto, ao fanatismo, à religião da qual se tornou símbolo, imagem e deus? Essa indagação tem resposta neste livro, cujo objetivo é o de preservar a história do futebol brasileiro das deturpações originárias da vertiginosa e comercializada ampliação do mito”. Este é o texto do curto, mas bombástico prefácio.
A decisão de deixar a Seleção foi consequência dos cálculos que fez, entre o pouco que receberia jogando pelo Brasil e o muito que ganharia pelo Santos: US$ 8 mil por jogo"
Trecho do livro
O livro começou a ser vendido em bancas, mas foi recolhido em duas semanas. Ninguém jamais explicou ao autor o motivo do sumiço. Hoje, a obra é raríssima. O GLOBOESPORTE.COM teve acesso a uma das cópias graças a Álvaro Motta, filho de De Vaney. O jornalista morreu em 1990 sem ver seu livro ser conhecido e discutido.
- Meu pai sempre prezou muito a história do futebol e não aceitava as deturpações. Muitos dados sobre o Pelé simplesmente não são verdadeiros e ele questionou isso. Levantou números corretos, todas as afirmações do livro têm a fonte correspondente. Está tudo documentado. Mas como se ataca um mito? Na ocasião, eu falei para ele: ‘Poxa, pai, você vai se meter com um cara que é idolatrado desse jeito?’. Mesmo assim, o livro foi feito.
De Vaney ouviu muitos xingamentos nas ruas logo após o lançamento. Na ocasião, o jornalista trabalhava para o jornal "Cidade de Santos" e era correspondente de vários outros periódicos. Houve até ameaças de agências de publicidade, que prometiam cancelar anúncios em veículos para os quais De Vaney prestasse serviços.
- Muita gente dizia que ele estava fazendo aquilo por dinheiro. É uma grande bobagem. O livro não tinha fins lucrativos. Ele já havia avisado que doaria tudo o que arrecadasse a uma instituição de caridade. Mas o livro foi recolhido. Meu pai, então, entendeu perfeitamente o recado. Não se ataca o marketing. O cara é garoto propaganda de uma série de produtos e não poderia ter sua imagem arranhada.
O livro rebate alguns números. Na época, se dizia que Pelé era o jogador com maior média de gols com a camisa da Seleção. De Vaney, porém relaciona outros nove jogadores com média superior. Entre eles, Leônidas da Silva, Feitiço, Paulo Valentim, Silvio Pirilo, Quarentinha, entre outros. Pelé vinha em décimo, com 0,97 gols. Outro dado curioso. No levantamento de De Vaney, o Rei do Futebol deixou de marcar gols em 513 jogos.
- Como alguém que é considerado o maior artilheiro da história ficou tantos jogos sem fazer gols? E tem outra coisa: muitos dos gols que ele marcou foram contra times amadores, como o da fábrica da Phillips. Até gols pelo time do exército o pessoal conta. Essas coisas é que meu pai não aceitava - diz Álvaro.
De Vaney também se irritou profundamente com a recusa de Pelé de disputar a Copa de 1974, na Alemanha.
- Ele foi endeusado e depois não quis disputar a Copa. Foi o primeiro jogador brasileiro a se recusar a servir à Seleção. Depois, apareceu lá na Alemanha usando uma camisa com escudo de uma fábrica de refrigerantes.
Num dos parágrafos em que questiona os recordes de Pelé, De Vaney, em tom irônico, diz que ser o primeiro jogador que se negou a defender seu país em uma Copa do Mundo é um recorde genuíno de Pelé.
Apesar de todos os questionamentos, De Vaney jamais deixou de reconhecer a grande capacidade de Pelé, que considerava um craque acima da média. Conforme alega Álvaro, graças a seu pai o Peixe não trocou o então menino Gasolina (primeiro apelido de Atleta do Século) por um jogador do Jabaquara. O jornalista intercedeu e pediu à diretoria do Peixe que desse mais chances ao garoto.
- Meu pai dizia que ele era um supercraque, mas é bom lembrar que jamais jogou sozinho. Sempre teve grandes jogadores a seu lado. Quando Pelé chegou ao Santos, o time era bicampeão paulista - conclui Álvaro.