Os primeiros ventos do rock moveram Colatina, cidade do Estado do Espírito Santo, no Brasil, em meados dos anos 60. O ritmo contagiante nascido no norte do planeta trouxe a rebeldia e a irreverência para uma juventude sedenta por romper a monotonia e a caretice da época. Nasce no coração da princesa do norte, em 1965, a banda The Jet Boys, uma das precursoras do rock no Espírito Santo. Quase seis décadas após o surgimento do conjunto musical, ao remexer o caldeirão de memórias, o jornalista Nilo Tardin começou a transformar em filme a história do pioneirismo do rock na cidade, não somente nos palcos, mas também no jeito de se expressar, se vestir e se divertir.
As gravações do documentário “Colatina: a Princesa do Rock” começaram na quarta-feira (29/03) e prosseguiram até domingo (02/04), encerrando a etapa de filmagens das dez histórias selecionadas pelo Curta Vitória a Minas II. Com 35 anos de jornalismo, o autor acostumado com a produção de notícias experimentou uma nova forma de contar uma história baseada na arte e na técnica cinematográfica. Uma das sequências mais emocionantes das gravações é o reencontro de componentes da banda The Jet Boys no Liverpub, casa de shows inspirada nos garotos de Liverpool. Os músicos participaram de um bate-papo cheio de saudade e causos sobre os primeiros tempos do rock e, na parte da noite, apresentaram um show para 40 convidados. Além do destaque para a banda The Jet Boys, o documentário abordará a influência do rock no comportamento, no estilo de vida, na moda e na economia local.
O vinil e o rádio
O vinil também é uma estrela do filme. Um dos hábitos mais marcantes das primeiras décadas do rock era juntar os amigos para ouvir um lançamento em vinil no toca-discos. E compartilhar a gravação em fitas-cassete. O radialista e jornalista Eduardo Monteiro ainda preserva um acervo musical composta por 1.500 LPs, incluindo entre as relíquias, coleções completas do Supertramp, Pink Floyd e Led Zeppellin. Na década de 80, ele se deslocava até a capital capixaba para comprar vinis na Golias Discos, loja inaugurada em 1964 por Valter Vieira da Silva, o saudoso Rei dos Discos de Vitória, falecido em 2022. O antigo discotecário ainda mantinha em funcionamento a loja no centro e deixou um acervo de 80 mil itens entre vinis, fitas-cassete, fitas VHS, CDS, livros e revistas.
A coleção de discos e a paixão pelo rock levaram a Rádio Difusora AM a convidar Eduardo para apresentar um programa de rock com comentários sobre as bandas, uma inovação e ousadia para uma emissora mais tradicional. Três anos depois tornou-se um dos primeiros locutores da primeira rádio FM da cidade, a 97 FM. Lá, comandou o Programa Radiação cuja programação diferenciada juntava os clássicos dos dinossauros do rock com o som de bandas alternativas e desconhecidas.
“As tribos do rock de Colatina reúnem pessoas que se conhecem há muitas décadas. Há um tempo atrás, a gente se encontrava num barzinho, no bairro Maria das Graças, todo sábado, para ouvir vinil, e foi num destes encontros que surgiu a ideia de se montar uma rádio comunitária totalmente rock and roll, a atual Rádio 87.9 FM, conhecida como Rádio Clube do Rock, onde atuei como locutor e programador por cerca de cinco anos. Foi uma experiência gratificante porque, apesar do alcance limitado da rádio comunitária, o recurso da rádio web, pela internet, levou a emissora para públicos em outros estados e fora do país”, conta o comunicador, convidado especialmente para narrar as passagens do documentário. Para o radialista e jornalista, o rock é um sobrevivente, atravessou gerações, conquistou longevidade e a fidelidade dos fãs e se firmou como uma atitude.
O rock e o jeans
Quando o assunto é moda, Colatina é uma referência. Pra ser ter uma ideia, a cidade abriga um dos quatro maiores polos de produção de jeans do país. A relação do jeans com o rock é outro aspecto marcante do documentário. Ao longo das décadas, esse gênero musical passou por diferentes fases ao mesmo tempo em que influenciou o modo de vestir e se expressar das gerações. Cada novo movimento do rock trazia um novo look para os shows e para a rua. Quem conta esta história é o proprietário da GB Sustentabilidade e Tecnologia, empresa de customização de jeans, Marco Britto, um dos personagens entrevistados pelo documentário. Segundo o empresário, a primeira transgressão do jeans aconteceu durante o Festival de Woodstock, em 1967, no momento em que os roqueiros abriram e cortaram manualmente a calça e costuraram na peça pedaços de outros jeans rasgados. “Quando a calça rasgava, faziam aqueles puídos, eles continuavam usando e aplicavam remendos. O festival divulgou esse formato novo de usar o jeans, customizado pelos hippies. E isso ganhou uma produção industrial, virou a calça flare, pantalona, bordada, com rasgados, com remendo”, conta Marco, que começou a trabalhar no segmento de negócios do jeans aos 16 anos de idade.
De acordo com o empresário, a segunda grande influência do rock sobre o jeans foi o movimento punk traduzido na moda pela ideia da calça mais apertada ao corpo. Marco fala ainda de uma terceira influência do rock no jeans com a chegada do grunge nos anos 90. Desta vez, os roqueiros escolheram um look mais solto através das calças mais amplas com bolsos no estilo cargo. Com isso, acrescenta o empresário, todos os diferentes estilos divulgados pelos roqueiros ganharam uma produção em alta escala dentro das indústrias da moda espalhados pelo mundo. “Participar do documentário sobre o rock em Colatina, a influência do rock no jeans, significou muito pra mim. Esta é a primeira gravação de um filme dentro da nossa empresa, envolvendo uma equipe muito competente. Foi muito emocionante participar”, destaca Marco Britto.
O motociclismo
Quer combinação mais clássica do que rock, jeans e motocicleta? Os aventureiros do asfalto não poderiam faltar no documentário. Ainda mais porque a cidade tem a maior intimidade com o assunto pois abrigou o primeiro motoclube, no ano 1970, o Mad Motors e, atualmente, possui um dos maiores redutos de motoclubes do estado. O filme “Colatina: a Princesa do Rock” juntou integrantes dos Dragões do Norte e da Criatura do Asfalto para uma das sequências audiovisuais da obra. Um dos personagens é roqueiro e motociclista, Humberto Scarton.
Beto morou em Colatina até os onze anos de idade. O menino saiu da cidade para estudar, mas, retornou no ano de 1979, motivado ajudar os pais ao enfrentar a destruição provocada pelas enchentes do Rio Doce. A família mantinha um negócio no ramo de vendas de bicicletas e pequenas motos. O garoto adorava andar de bicicleta pela cidade e a paixão por motociclismo não demorou a acontecer. Beto participou da formação do primeiro motoclube e, anos mais tarde, fundou uma concessionária de motos e diversificou o negócio para a área de organização de eventos esportivos e culturais ligado ao motociclismo e ao rock and roll.
“A cidade sempre foi muito movimentada no sentido musical, com a presença de muitos conjuntos de rock. O filme capta toda essa cultura e traz uma história muito interessante misturando a questão da economia, do jeans, da moda, desta cultura pujante vinda com os diferentes imigrantes que chegaram para viver e se estabelecer na cidade. A terceira geração de imigrantes extrapolou neste sentido de buscar a liberdade, a música e essa expressão influenciada pelo rock. Eu sempre fui um roqueiro e acabei vivenciando tudo isso através do motociclismo. E o motociclismo e o rock combinam como mão numa luva. Gostei muito de ter participado da filmagem, passei uma tarde prazerosa e divertida na minha cidade natal”, relata. Atualmente, Beto Scarton mora em Vitória, e realizará, em julho deste ano, no município de Colatina, o 18º Encontro de Motociclistas, com a presença de bandas de rock.
Outro personagem convidado para participar do documentário foi o motociclista João Sérgio dos Santos. Ele assistiu bem de perto Colatina se tornar o berço do rock no estado ao acompanhar o pioneirismo da banda The Jet Boys, pois morava na mesma rua dos formadores do conjunto. “Éramos amigos do dia a dia, saíamos juntos, íamos às festas. Um destes colegas, o Romiques, tinha uma família bastante musical. O tio tocava, o avô tocava e eu peguei um pouco desta veia musical, sempre gostei de música, mas sou bastante eclético, vou do rock ao samba”, revela João Sérgio. Para ele, não foi complicado misturar a música com o amor pelo motociclismo porque acredita que o rock sempre andou junto com as aventuras de motocicleta. “O contexto mais importante do filme é a importância da nossa cidade, que tem uma história musical interessante e importante. Eu me senti orgulhoso de participar do documentário. Foi uma tarde legal, apesar do sol quente e escaldante, mas o trabalho da equipe de gravação foi muito bom e leve”, destaca.
Os motociclistas percorreram alguns dos principais pontos da cidade como a Ponte Florentino Avidos, as Avenidas Getúlio Vargas e Beira Rio e, ao final, se reuniram para apreciar o famoso pôr do sol no horizonte. Um lugar marcante para um encontro de motociclistas com um misterioso caminhante carregando um violão nas costas. O artista é Moisés Souza, professor de violão e guitarra, perito na viola de 10 cordas, mandolin, banjo, contrabaixo e no cavaquinho, músico que perpassa o rock, o blues e o choro. Os detalhes da cena inusitada serão conferidos na telona durante a exibição do filme numa sessão gratuita ao ar livre prevista para esse semestre. A Guarda Municipal da Secretaria Municipal de Transporte, Trânsito e Segurança Pública (Semtran) acompanhou e sinalizou o trajeto das motos. E o elenco reuniu os motociclistas Pergentino de Vasconcelos Júnior, João Sérgio dos Santos, Breno Vasconcellos, Humberto Scarton e Gatas Carone.
“Fui convidado por integrar o Motoclube Dragões do Norte e também porque fiz parte da fundação da Rádio Clube do Rock. Me senti lisonjeado de participar deste projeto pois nasci em Colatina e tive grande atuação na noite colatinense, o que me levou cada vez mais a gostar de rock, que está no sangue da maior parte do motociclista. Nada melhor que esse projeto pra mostrar ao público o início do rock, no estado, na cidade de Colatina”, destaca Gatas Carone.
Última cena gravada
No último dia das filmagens, a equipe de produção e captação de imagens e som subiu o Bairro Pôr do Sol para gravar uma cena com o Lu Maravilha, vocalista da banda Alta Voltagem. O roqueiro e sua banda fizeram uma apresentação ao ar livre no alto do morro, tendo ao fundo uma linda vista da cidade. As filmagens atraíram a atenção da comunidade que acompanhou a performance de canto e dança do artista. A canção “Pelo Retrovisor”, de autoria de Lu, é uma das composições da trilha musical do documentário.
Na avaliação de Nilo, a gravação lhe trouxe uma experiência nova e o rock confirmou ser um elemento de grande mobilização e conexão entre as pessoas. “O engajamento do elenco foi muito grande. Isso mostra o poder do rock de unir, juntar e transformar as pessoas a partir da música, da poesia e da alegria”, destaca o jornalista.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Gustavo Louzada, Mariana de Lima e Patricia Cortes
Quem é Nilo Tardin
Nilo nasceu em 1955, na cidade de Bom Jesus do Itabapoana, no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Com um ano de idade mudou-se com a família para Colatina, ES. Escolheu o jornalismo quando viu um sujeito entrar num show mostrando apenas sua credencial enquanto ele estava na fila desde cedo. “É isso que eu quero ser”, pensou. “Já decidi, esse negócio abre portas”. Seu primeiro dia na faculdade foi também seu primeiro dia numa redação, ainda como estagiário.
A história do Nilo é a soma das suas duas paixões: o rock e o jornalismo. O documentário “Colatina, a Princesa do Rock”, conta como a cidade, berço da primeira banda de rock do Estado do Espírito Santo, a Jet Boys, mudou depois do surgimento do rock and roll.
— “Esse período trouxe uma mudança de comportamento. A música foi apenas o fio condutor. Mudança na moda, nos costumes. O rock trouxe o barulho da música. Somos uma geração barulhenta, até meu comportamento é barulhento. Essa é a atitude. Uma geração com atitudes contestadoras.”
Nilo criou e mantém em funcionamento, atualmente, o Diário Digital Capixaba (DDC), um portal de notícias do estado.
Diário das Filmagens
Oficinas
Durante as oficinas, cada diretor filmou uma cena de seu roteiro usando colegas e professores como atores e técnicos. As filmagens ficaram por conta de Ana Rezende, professora e diretora de fotografia. Com a atividade, experimentaram na prática não só a direção de fotografia, como diversos aspectos de uma produção audiovisual como a execução do roteiro e plano de filmagem, produção, som, direção de arte, e direção de atores.
Lembre-se de voltar aqui após o lançamento do filme para comparar a cena imaginada com a cena final!