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A História que Resta nos Objetos Deixados para Trás

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22/02/2016

Por: Ana Laura Nahas

Fotos: Bruno Miranda

Eram três e meia da tarde da quinta-feira 5 de novembro de 2015 quando uma das três barragens do complexo minerador da gigante Samarco em Bento Rodrigues, na região central de Minas Gerais, se rompeu. O horror em forma de notícia caiu como chumbo: pelo menos 40 bilhões de litros de lama inundaram o cotidiano, as conquistas, a memória e o futuro dos 492 habitantes da vila de 121 casas a 15 quilômetros do Centro de Mariana. Ao redor do pacato distrito, dezenas de outras famílias acabaram igualmente assoladas pelo mar de rejeitos.

A tragédia completa três meses nesta sexta-feira (5). Os dados oficiais contam 17 mortos, mas o número pode ser bem maior. Mais de 650 quilômetros de rios em Minas e no Espírito Santo foram afetados, 1.500 hectares de terras, um sem número de plantas, animais da água e do solo. O Rio Doce, bacia hidrográfica essencial para a vida na Região Sudeste, teve a quantidade de metais pesados em suas águas aumentada em até cinco mil vezes, segundo laudo da Fundação SOS Mata Atlântica – águas, no momento e é possível que pelos próximos tempos, impróprias para o consumo e para parte significativa da existência marinha.

No pequeníssimo vilarejo de Paracatu de Baixo, a única forma da história ser contada agora são os objetos que ficaram para trás.

As peças de Lego espalhadas pelo chão, o sapo de pelúcia e os pedaços do que um dia foi uma boneca indicam que havia crianças por perto. O velho rádio portátil aponta para a direção contrária: possivelmente um ouvinte de mais idade buscava no aparelho notícias, canções e os gols da rodada. Quando a lama invadiu a vila, obrigando absolutamente todos os moradores a buscarem abrigo nos locais mais altos, de posse apenas do que fossem capazes de transportar sem muito planejamento ou grandes esforços, também não houve tempo para o calção do Paracatu Futebol Clube dos jogos de domingo nem tampouco para a caneca em afetuosa exaltação ao Atlético Mineiro – “o Galo é o time da virada e do amor”.

Do mesmo modo, na pressa de salvar a própria pele ou a de seus queridos, homens e mulheres ignoraram retratos do que um dia foram, carteiras, utensílios domésticos, objetos de uso pessoal, uma balança que sabe-se lá quantos pesos computou, uma bolsa que sabe-se lá quais aventuras carregou... O objetivo era um só: sair com vida do desastre que deixou dor e destruição pelo caminho e que expôs as muitas contradições existentes em torno da atividade mineradora.

Se de um lado a exploração das minas gera uma excessiva dependência e uma imensa dívida ambiental para as regiões que têm na mineração sua principal atividade, de outro responde pela maioria esmagadora do desenvolvimento local, dos empregos ao comércio, da renda dos chefes de família às perspectivas de ocupação para seus filhos. Paradoxalmente, comunidades nascidas pelas mãos da atividade mineradora tendem, também, a acabar por causa dela.

Os cálculos dos especialistas indicam que pelo menos 15 anos serão necessários para reconstruir o que desapareceu com a enxurrada de lama e minérios rejeitados pelo processo minerador. A matemática é ainda mais cruel com quem perdeu tudo no desastre. Os olhares, o desânimo, a estranha dor de pensar que um lugar em que você viveu a vida toda não existe mais acompanham muitas vítimas. A fala de uma delas resume, de modo cortante, o sentimento comum à maioria:

- O passado ficou enterrado lá. O único lugar que minhas recordações vivem agora é na minha cabeça.

*Publicado também em Jornalistas Livres.

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