Da: Redação*
Obra de Aleijadinho que foi parar nas mãos de particulares; a Coroa Imperial que voltou à Família Real e a reintegração de posse do armazém do Cais do Valongo. Confira.
São Boaventura, Venerável Duns Scot, Santo Antônio e Santo Tomás de Aquino. Quem planeja uma viagem à histórica cidade de Ouro Preto, no Estado de Minas Gerais, no Brasil, pode conferir o conjunto completo de bustos dos famosos doutores franciscanos esculpidos por ninguém menos que Aleijadinho.
Isso porque, recentemente, a Justiça mineira entendeu que o busto de São Boaventura – que um dia foi parar nas mãos de um colecionador em SP - pertence ao acervo da Igreja de São Francisco de Assis e deve ficar em Ouro Preto. Este caso é apenas um exemplo de quando a Justiça intervém na história. Longa história...
Tudo começa entre os anos de 1791 e 1812, momento em que Aleijadinho teria concluído as obras. Mas foi em 2008 que as peças foram parar na Justiça.
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais - MP/MG ajuizou ação civil pública alegando que o busto de São Boaventura foi extraviado - não se sabe quando - do acervo da Igreja de São Francisco de Assis. A obra do século XVIII foi encontrada na casa de um colecionador em São Paulo.
O parquet mineiro pedia a devolução definitiva do busto à cidade de Ouro Preto, além do pagamento de indenização por danos materiais e danos morais coletivos. A obra já estava em Ouro Preto desde 2014, quando o TJ/MG concedeu tutela antecipada em um agravo de instrumento para que a escultura fosse mantida na cidade até o julgamento final da ação.
O desfecho da história chegou em dezembro de 2019, quando a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJ/MG, por 4 votos a 1, determinou que o busto ficasse, definitivamente, sob o acervo da Igreja de São Francisco de Assis.
De acordo com o relator, desembargador Caetano Levi, a obra integra o patrimônio histórico de Ouro Preto e “está protegida pelo tombamento da igreja e pelo decreto 22.928, de 1933, que erigiu a cidade à categoria de Monumento Nacional”.
Ele ressaltou, ainda, que, “se a peça encontra-se irregularmente em poder de particulares, revela-se correta a determinação para a sua reintegração ao acervo de origem”. Isso porque, conforme o magistrado, “a obra de arte, que constitui patrimônio público histórico, artístico e cultural do país, integra a categoria de bens fora do comércio e, portanto, não pode ser adquirida por usucapião”.
O Processo de número 1.0461.11.003978-5/004 está no site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais onde pode ser lida a íntegra do acórdão.
Quem foi Aleijadinho?
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, foi um importante escultor, entalhador e arquiteto do Brasil colonial. Como material em suas obras de arte, Aleijadinho utilizou principalmente a pedra-sabão e a madeira. Seu apelido veio de uma doença que o fez perder os movimentos das mãos e dos pés.
Mesmo assim, o artista continuou a trabalhar com os instrumentos amarrados nos punhos!
Coroa imperial
Em outubro de 1933, os jornais noticiaram uma perda e tanto para o Brasil: a coroa imperial – utilizada por D. Pedro I – deixou de fazer parte do patrimônio nacional e foi devolvida à família dos Braganças. A decisão foi do STF em ação movida pelos herdeiros do monarca para reaver a relíquia.
Sob a presidência do então ministro Plínio Casado, o STF entendeu que o artefato valioso é um patrimônio particular do imperador e determinou sua restituição ao então inventariante Americo Mendes de Oliveira Castro.
Desde 1887, a coroa estava depositada em caixa forte no Tesouro Nacional, “era uma lição viva de história”, dizia um dos periódicos.
Feita pelo ourives Francisco Gomes da Silva e Debret em 1822, possuía mais de 22 quilates de ouro.
Entre cada um dos escudos da coroa havia uma rosa de brilhante.
Armazém do Cais do Valongo
Em 2018, o Ministério Público Federal - MPF ajuizou ação contra a União, a ONG Ação da Cidadania e a Fundação Cultural Palmares requerendo a reintegração de posse do Armazém Central das Docas Pedro II, conhecido como armazém do Cais do Valongo.
O local foi projetado pelo engenheiro negro André Rebouças, no século XIX, sem uso de mão de obra escrava. O edifício é de propriedade da União e, à época da ação, estava ocupado pela ONG Ação Cidadania.
Segundo apurou o MPF, a ONG obteve, no ano de 2016, receita de R$ 1,4 milhão, o equivalente a 83,54% dos seus ingressos, com a locação ilegal do prédio público federal para festas e filmagens, inclusive com o patrocínio de marcas comerciais. O imóvel é de propriedade da União e foi tombado pelo Iphan em 2016.
O parquet pedia em liminar a proibição de locação do espaço para a realização de festas e eventos comerciais, a imediata retomada do imóvel e o cumprimento da obrigação assumida junto à Unesco, ou seja, a instalação do “centro de acolhimento turístico” e do “memorial da celebração da herança africana” no prédio de Docas Pedro II.
Em 2018, o juiz Federal Raphael Nazareth Barbosa, da 20ª vara do RJ, deferiu a liminar e fez uma série de determinações. Dentre elas, que a ONG não alugasse, cedesse ou transferisse o lugar, especialmente para festas e eventos comerciais. Também determinou que a União e a Fundação Palmares providenciassem a segurança permanente e a manutenção adequada do bem. A íntegra da decisão, hoje o caso está em grau de recurso.
Cais do Valongo
O lugar constitui o principal cais de desembarque de africanos escravizados das Américas, sendo o único que se preservou materialmente. Estima-se que um milhão de escravos entraram no Brasil pelo Cais do Valongo.
Segundo a Unesco, “O Cais do Valongo é um exemplo de sítio histórico sensível, que desperta a memória de eventos traumáticos e dolorosos e que lida com a história de violação de direitos humanos. Portanto, o Cais do Valongo materializa memórias que remetem a aspectos de dor e sobrevivência na história dos antepassados dos afrodescendentes, que hoje totalizam mais da metade da população brasileira e marcam as sociedades de outros países do continente americano".