Paulo César Dutra
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O busto do Cabo Aldomário, no local onde era a trincheira no alto do morro, em 1930, hoje Morro da Caixa D’água de Baixo Guandu.
“A História dos Vencedores Não Invalida a História dos Vencidos.” Há nisso, sem dúvida a inestimável, colaboração daqueles guanduenses (Nascidos em Baixo Guandu/ES) que presenciaram ou que conheceram a história da morte do militar da Força Pública do Espírito Santo, Aldomário Falcão em defesa do Solo Capixaba, no dia 10 de outubro de 1930. Passados 90 anos, Aldomário Falcão é uma lembrança viva na cidade, que em defesa da legalidade morreu tentando impedir que a Força Pública mineira revolucionária invadisse nosso Estado para depor o presidente capixaba Aristeu Borges de Aguiar.
Sem tirar nem pôr conto aqui, em um resumo, um pouco da história do militar capixaba que foi enterrado em uma cova rasa e ficou no anonimato até o início de 1976, quando o então major PM Orely Lírio (hoje coronel da reserva), que era comandante do 2º Batalhão da PMES, fazia uma inspeção em Baixo Guandu e tomou conhecimento do fato. Atendendo a um clamor dos guanduenses, para divulgar na verdade quem foi Aldomario, no dia 10 de abril de 1976, Lírio fez um novo sepultamento do militar com todas as honras e inaugurou sob a sepultura um busto de bronze dele, como prova de reconhecimento pelos seus serviços prestados à Polícia Militar e à União.
Nascido em 1903, em Baixo Guandu, Aldomário entrou na Força Pública Estadual (hoje Polícia Militar) em 1929, sendo destacado para Colatina. Como militar ele passou por Itaguaçu, Viana, Cariacica e Vitória. No dia 1º de outubro de 1930, Aldomário foi um dos militares destacados para fazer a defesa do Estado, em Baixo Guandu, para impedir a invasão dos revolucionários mineiros da Coluna Amaral, sob o comando do coronel Otávio Campos do Amaral, chefe das forças revolucionárias de Minas Gerais cuja missão era tomar o poder do Governo do Espírito Santo.
Os principais pontos que podiam ser usados pelos revolucionários mineiros no Espírito Santo, como Baixo Guandu, Cachoeiro e Afonso Cláudio, receberam reforços da Força Pública capixaba por determinação do presidente Aristeu Aguiar, que não contava mais com apoio da Força Pública federal. Concentrados em Aimorés (MG), que fazia divisa com Baixo Guandu, A Coluna Amaral (com mais de dois mil revolucionários, entre militares e civis voluntários), recebeu ordem para invadir o Espírito Santo.
A Força Pública capixaba, em Baixo Guandu, que contava com 125 legalistas (militares e civis voluntários) estava postada em trincheiras para defender o solo capixaba. Aldomário estava em uma das trincheiras no alto do morro (Hoje Morro da caixa d’água de Baixo Guandu) em uma posição estratégica de um franco atirador, com uma metralhadora apontada para a única entrada por terra em Baixo Guandu.
No dia 9 de outubro de 1930, à tarde, a Coluna Amaral surgiu na entrada de Baixo Guandu. Temendo serem mortos, 123 militares e civis capixabas fugiram e deixaram nas trincheiras Aldomário apenas com o apoio do cabo José Augusto de Mendonça, que se recusaram fugir para enfrentar os revolucionários. Cabo Mendonça ficou encarregado de municiar as armas de Aldomário, um revólver, um fuzil e uma metralhadora.
Do alto do morro Aldomário disparou... contou o guanduense Iussuf Amim.
Dois revolucionários civis voluntários mineiros da Coluna Amaral foram ouvidos em 1983, pelos pesquisadores da revolução de 30, em Governador Valadares-MG. “... Houve uns tiros lá em Aimorés, houve uma morte ali... disse Genário, que tinha 20 anos, na época.
“... O coronel Amaral para entrar no Espírito Santo, fez uma parada em Aimorés, onde a Força Pública Estadual legalista mineira se rendeu. Mas havia uma barreira em Baixo Guandu, deu tiro prá desgraçar lá. O coronel Amaral com a força mineira revidou a bala até acabar com a única resistência...” revelou Sizenando Ribeiro, que tinha 31 anos na ocasião.
Enquanto seus colegas de farda se entregavam o cabo Aldomário Falcão impediu até a última bala a invasão ao território capixaba. A munição dele acabou porque os revolucionários, na troca de tiros, haviam matado seu único parceiro, o cabo Mendonça. Veio a noite e a Coluna Amaral recuou.
O escritor mineiro Geraldo Tito Silveira em seu livro O quarto mosqueteiro: perfil do Cel. PM Otávio Campos do Amaral, em sua página 36, descreve o episódio de Baixo Guandu: “Os batalhões em sua maioria, eram compostos de voluntários, mas todos eles sob o comando de oficiais da Força Pública, com ordem de ataque à cidade de Baixo Guandu. O combate para a posse dessa cidade teve inicio de madrugada, tendo o Dr. Aníbal Quintão, com apenas quatro homens armados de fuzis e uma metralhadora pesada, atravessado o rio Doce numa canoa, pilotada pelo civil Adolfo Guilherme. A cidade então foi ocupada às 10 horas da manhã, do dia 10 de outubro, depois de um combate que durou quatro horas, tendo havido mortos e feridos de parte a parte. Foram feitos 123 prisioneiros, todos pertencentes à Força Pública do Estado do Espírito Santo, que se renderam.”
Aldomário foi atacado pela retaguarda. Como ele não tinha mais munição, ficou escondido na trincheira e não foi ferido. Porém quando ele foi surpreendido, dentro da trincheira, ainda tentou tomar as armas dos revolucionários mineiros, mas foi dominado e morto a golpes de baionetas.
O Coronel Amaral ao chegar à trincheira no alto do morro, e ver que era uma pessoa só que estava impedindo a entrada deles em Baixo Guandu disse: “vocês não deveriam ter matado este homem. Deviam tê-lo prendido, pois é um herói, que cumpria o seu dever. Defendia a legalidade. Ele merecia ficar vivo”.
Aldomario é lembrado nos versus dos guanduenses: “... foi nesse dia, 10 de outubro, que nosso herói lutou até ser morto a ferro frio (baioneta) por um civil da força mineira, que o pegou a traição porque nesse momento ele estava só, pois os companheiros correram...” por Sebastião Valério Brandão.
“... travada a terrível luta entre Minas e Espírito Santo, o povo corria pras grutas, transformando em desencanto. Em outubro, dia de intensa batalha, Aldomário Falcão implica, e lança mão em sua metralhadora. No alto da Caixa D água Aldomário comandou, e um mineiro cheio de mágoa, covardemente o matou...” pelo professor Elizeu Alves Pereira.
Aldomario apesar de não ter a sua foto na galeria dos heróis da PM, virou nome de rua em Baixo Guandu por iniciativa do então vereador José Silva Santana e nome de um dos auditórios no Quartel Geral da PM em Vitória. A sua história será relembrada este ano no Concurso de Redação das escolas estaduais e municipais de Baixo Guandu.
“... o sacrifício da mocidade em flor do PM Aldomário Falcão tem um traço singular de sublimidade. É a morte que se espera de frente, certa, e com impavidez. Mas é, sobretudo o gesto para o julgamento da posteridade. Aldomário foi a semente que caiu no solo guanduense regado pelo sangue de um crente. Ele se sabia só no mundo. Ele não recuaria, porém era uma advertência a todos nós que no futuro, a história não se repetisse. A semente aqui ficou e a lição permanece...”, disse o então major Orely Lírio na homenagem da PM ao bravo soldado.
“...na cidade de Baixo Guandu defendeu o Espírito Santo onde tem seu busto.Com semblante de herói, olhar de muita atenção, que o capixaba não se esqueça do nosso verdadeiro herói, cabo Aldomário Falcão...”, pelo guanduense Sebastião Valério Brandão.
A lei que autorizou o busto de Aldomario foi criada e aprovada pela Câmara Municipal e depois sancionada pelo prefeito Carlos Luiz Frederico (1973/76). Foi a Prefeitura de Baixo Guandu que construiu o busto que fica ao lado do prédio da Caixa Dágua da cidade.
Por determinação do coronel Júlio César Costa, no último dia 1º de junho de 2010, a Polícia Militar do Espírito Santo, em Baixo Guandu, promoveu uma homenagem a Aldomário. Participaram os coronéis da reserva Orely Lirio e Marcos Paiva, o comandante do 8º BPM de Colatina, tenente coronel Ribeiro, o comandante da 2ª CPM de Baixo Guandu, tenente Ladimir Rocha, o subcomandante da 2ª CPM, o 1º tenente Vladimir Bittencourt, os guanduenses Sebastião, Elizeu, Iussuf e José Santana, entre outros militares e civis.
MOTIVO
Em 1929, lideranças de São Paulo romperam a aliança com os mineiros, conhecida como política do café-com-leite e indicaram o paulista Júlio Prestes como candidato à presidência da República. Em reação, o Presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada que pela hierarquia da aliança, seria o novo presidente do Brasil, apoiou a candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio Vargas.
Em 1º de março de 1930, foram realizadas as eleições para presidente da República que deram a vitória ao candidato governista, que era o presidente do estado de São Paulo Júlio Prestes. O governador capixaba Aristeu Borges Aguiar, que apoiou a candidatura de Júlio Prestes, não permitiu aqui no Estado a propagação das propostas e propagandas do Getúlio Vargas, da Aliança Liberal.
Em 3 de outubro de 1930, foi desencadeado o movimento armado, liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou com o golpe de Estado, que depôs o presidente da república Washington Luís em 24 de outubro de 1930, e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes que aconteceria em 15 de novembro de 1930 e pôs fim à República Velha.
Tomando conhecimento de que os revolucionários haviam rompido as barreiras de defesa do estado, Aristeu Borges de Aguiar temendo ser preso pela Coluna Amaral preferiu fugir. No dia 16 de outubro de 1930, Aguiar abandonou seu posto e fugiu no cargueiro italiano Atlanta, que se encontrava no porto de Vitória, para Lisboa, capital de Portugal.
*editor do site Folha Diária