O cidadão José Ignácio Ferreira foi um dos cassados pela Ditadura Militar em 1969, que teve o seu mandato de deputado estadual devolvido pela Assembléia Legislativa do Espírito Santo – ALES graças à iniciativa do deputado Claudio Vereza (PT) que deu início a uma proposição à Casa de Leis estadual, declara nulos os atos que cassaram os mandatos dos deputados estaduais. Além de Ferreira, foram incluídos no processo os então parlamentares Helsio Pinheiro Cordeiro, Dailson Laranja e Benjamim Carvalho de Campos. No dia 16 de maio de 2018, através de uma proposta da deputada estadual Luzia Toledo (MDB), a ALES realizou uma sessão ordinárias, para devolver simbolicamente, os mandatos dos ex-deputados.
Este projeto capixaba se baseou em medidas tomadas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e por algumas assembleias legislativas de outros Estados, que anularam a cassação dos mandatos de parlamentares, por meio de Decreto Presidencial, à época da famigerada Ditadura Militar.
No Estado do Espírito Santo os direitos políticos começaram a sofrer restrições em 1948, quando o ex-deputado Benjamim Carvalho de Campos foi destituído de seu mandato, após a cassação do registro do Partido Comunista do Brasil pelo ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Em 13 de março de 1969, a cassação atingiu os deputados estaduais José Ignácio Ferreira e Daílson Laranja, também do MDB, o primeiro por ter lido da tribuna da Assembleia uma carta do pároco de Itarana considerada desrespeitosa aos símbolos nacionais, e o segundo por ter se solidarizado com o colega.
Depois foi a vez do deputado Helsio Pinheiro Cordeiro, em 04 de julho de 1969, cujo nome foi publicado no Diário Oficial dando conta da sua suspensão dos direitos políticos e a cassação do mandato.
Com o parecer número 189-2014, a Comissão de Constituição e Justiça, Serviço Público e Redação da ALES foi pela constitucionalidade, legalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto de Decreto Legislativo nº 002/2014, de autoria do Deputado Claudio Vereza, tornava nulas as cassações dos ex-deputados. O documento foi assinado pelo presidente da Comissão, deputado Elcio Alvares, pelo relator José Carlos Elias e pelos membros Claudio Vereza, Luzia Toledo e
Marcelo Santos.
No dia 12 de junho de 2018, às 15 horas, o presidente da ALES, deputado Erick Musso, abriu a Solenidade de Devolução Simbólica dos Mandatos dos Deputados Estaduais Cassados Durante o Regime Militar. Em seguida ele convidou, até em atitude de respeito, por ser a proponente, a deputada Luzia Toledo, para presidir a sessão.
Discurso do José Ignácio
Quero agradecer à Assembleia Legislativa da legislatura passada, na pessoa do ex-Deputado Claudio Vereza, autor da iniciativa deste evento, e agradecer também a todos os deputados atuais, sem discriminação de nenhum. Abraço a todos, na pessoa do seu jovem e futuroso Presidente Erick Musso, pela simbólica devolução dos mandatos e pela homenagem desta sessão solene.
Agradeço a esta Assembleia a Comenda Domingos Martins, por iniciativa da Deputada Luzia Toledo, grande amiga, que tem sido presença respeitada no estado, desde vereadora de Vitória por dois mandatos, vice-prefeita de Vitória, deputada estadual por quatro mandatos, presidente desta Assembleia, secretária de Estado em dois Governos e senadora da República.
Agradeço também ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – talvez ele nem imaginasse o porquê, até agora –, na pessoa do seu atual presidente, o eminente Desembargador Sérgio Gama. É que o plenário do Tribunal, à época, em 69, durante a vigência plena do Ato n.º 5, me devolveu o cargo de promotor de Justiça, por decisão unânime do Plenário. Uma decisão de alto risco, altíssimo risco àquela ocasião, porque contrariava frontalmente o Governo Militar, que cassava juízes e proibia até habeas corpus.
A toga, sob pressão política, é um contra-senso, porque a toga pressupõe liberdade para a formação de convencimento do juiz. Ele tem que ser livre para ser escravo da sua consciência. Por isso que, sob pressão política, fazer justiça é um ato de coragem e até de heroísmo.
Na pessoa do eminente presidente da Ordem, que não se encontra aqui, agradeço porque a OAB com seus autos valores e sua história não se omitiu, baixou à época o Provimento n.º 4, que permitiu ao advogado que estivesse com os direitos políticos suspensos exercer livremente seu ministério privado, sem restrições. Havia dúvidas se poderia alguém que foi cassado advogar.
Sobretudo, nesse ensejo de rememórias, volto o meu pensamento para os meus pais já falecidos e também para a minha mulher, Maria Helena, que se encontra aqui presente, que sofreram comigo todas as angústias desse tempo trevoso e me dirijo também a todos os que sofreram muito mais que eu nos anos de chumbo.
A um Antônio Granja, que se encontra ali presente, cento e quatro anos perseguido a vida toda. (Palmas)
Sumiram os seus documentos e até hoje ele não tem aposentadoria. É algo impressionante isso! Cento e quatro anos!
Aos encarcerados, como Perly Cipriano, que se encontra ali. (Palmas)
Ao Gildo Loyola, que se encontra ali, sentado. (Palmas)
Aos torturados, sem que exista neste país – é incrível falar isto! – um só torturador na cadeia.
Aos mortos, como Arildo Valadão. Falei com Roberto ontem para rememorar o que houve em Xambioá, onde ele foi morto e desapareceu.
E também aos desaparecidos, como Orlando Bomfim, na luta desigual da resistência à Ditadura, e a todos os referidos nos relatórios das Comissões da Verdade.
Homenageio aqui um dos participantes, um dos presidentes da comissão, do país e do estado.
Senhoras e senhores, temos um País que não é pobre. Ao contrário, por suas potencialidades, é um país que é muito rico. Potencialmente o Brasil é muito rico, o que torna mais escandalosas as dificuldades em que vivemos diante do potencial de riqueza do país. É profundamente desigual e injusto. Leiam os dados recentes do
Senhoras e senhores, temos um País que não é pobre. Ao contrário, por suas potencialidades, é um país que é muito rico. Potencialmente o Brasil é muito rico, o que torna mais escandalosas as dificuldades em que vivemos diante do potencial de riqueza do país. É profundamente desigual e injusto. Leiam os dados recentes do IBGE. São chocantes demais para quem vive este tempo. Mas vamos superar isso e, a seu tempo, haveremos de superar essas dificuldades. Todas essas mazelas haverão de ser superadas. A gente tem que ser otimista e ter confiança. Vão ser superadas com liberdade, com respeito às leis e com as instituições fortalecidas.
Preciso de um Poder Judiciário forte, musculoso, respeitado, acreditado. Preciso de um Legislativo poderoso, forte, acreditado, e um Executivo também. Podemos mudar isso, mas vamos mudar sem populismo, que é irracional e inconsequente. Vamos mudar sem ditadura, que não vai voltar. Se Deus quiser, não vai voltar. (Palmas)
Ditadura nunca mais neste País. Nunca mais a censura que sufoca a criatividade da sociedade aberta. Precisamos da sociedade aberta. Ela é rica. Ela empurra este país para frente. Nunca mais o crime político da destruição moral e física pela tortura. Nunca mais a eliminação de vestígios para esconder atrocidades. Nunca mais a ocultação de cadáveres da luta política. Nunca mais os enterros furtivos dos corpos sem identidades e sem registro. Nunca mais os laudos falsos dos legistas a serviço do sistema e nunca mais a dor desesperançada e infinita dos parentes que não sabem onde estão os seus. Nunca mais! Porque temos a certeza de que o que aconteceu neste país não vai voltar a ocorrer.
Os moços que nunca ouviram falar nisso, não viveram aqueles momentos, hoje levantam suas vozes sem saber o que estão falando. Outros que são aproveitadores, populistas falam em ditadura como se fosse uma coisa absolutamente corriqueira.
Quer dizer, o país vai viver outros tempos, mas sem ditadura. Ditadura nunca mais!
Obrigado. (Palmas)