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A Tragédia em Mariana e o Direito Penal da Eficiência

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07/03/2016

Por:  GamilFöppel El Hireche  e Pedro Ravel Freitas Santos
 
 O caso do rompimento da barragem em Mariana, Minas Gerais, repercutiu e causou grande clamor social. Certamente, o maior desastre ambiental da história do País merece a atenção e o cuidado de toda sociedade, mas é preciso ter cautela, para que o maior sinistro já noticiado não provoque, indiretamente, uma das maiores aberrações jurídicas já vistas no direito penal tupiniquim, tarefa difícil, em tempos de jatos lavados. Saliente-se que, por óbvio, se discute o caso penal em tese. 

A Polícia Civil de Minas Gerais pediu na terça-feira passada a prisão preventiva de seis funcionários da Samarco, dentre os quais, o Presidente Licenciado da mineradora. Após a conclusão de um dos inquéritos que investigam os acontecimentos de novembro de 2015, constatou-se, equivocadamente, com as devidas e necessárias licenças à Polícia de Minas Gerais, pelo cometimento de homicídio qualificado com dolo eventual. Além disso, foram imputadas outras figuras típicas, a saber, inundação e poluição de água potável. Trata-se, a nosso entender, de manifestação cabal do eficientismo no direito penal.  Frise-se que não se exclui a possibilidade de responsabilidade penal. Porém, a reprimenda criminal deve ser compatível com o quanto previsto no ordenamento jurídico pátrio. Ao fim e ao cabo, não se pode escolher o pior tipo penal, apenas e tão-somente por estar-se diante da pior tragédia ambiental já noticiada em terra brasilis.  

Imputar a prática de homicídio qualificado é desprezar a dogmática penal. Ora, descabida, absurda e inconcebível a tese de que existira no caso Mariana, dolo eventual. Impossível confundir dolo eventual com homicídio culposo. Nesse sentido, são palavras de Luiz Regis Prado: 

“Existe um denominador comum entre o dolo eventual e a culpa consciente: a previsão do resultado ilícito. É  certo, todavia, que no dolo eventual o agente presta anuência, concorda com o advento do resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo a renunciar à ação. Ao contrário, na culpa consciente, o agente afasta ou repele, embora inconsideradamente, a hipótese de superveniência do evento, e empreende a ação na esperança de que esse evento não venha a ocorrer – prevê o resultado como possível, mas não o aceita, nem o consente.”[1] 

No caso em tela, na pior das hipóteses, se crime houve, incorreram os investigados no crime de homicídio culposo. A diferença entre dolo eventual e culpa pode ser percebida através de um questionamento: “Os indiciados aceitaram as mortes?” Se sim, estaríamos diante de homicídio doloso, o chamado dolo eventual. Observe-se, agora, outro questionamento: “A tragédia ocorreu devido a uma falta de cuidado, mas as mortes não eram desejadas?” Se sim, patente a modalidade culposa, caracterizada, justamente, pela ausência de um dever objetivo de cuidado.

O dolo eventual possui como nota distintiva a previsibilidade do resultado e a assunção do risco. É dizer, o agente acometido por dolo eventual aceita o possível resultado ruinoso. No que tange à culpa consciente, o resultado também é previsível, porém, o agente não deseja o resultado e crê, verdadeiramente, que tal mal pode ser evitado. Importante a observação de Cezar Roberto Bitencourt:

“A consciência e a vontade, que representam a essência do dolo direto, como seus elementos constitutivos, também devem estar presentes no dolo eventual. Para que este se configure é insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado ou a atuação consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado, como sustentam os defensores da teoria da probabilidade. É indispensável uma determinada relação de vontade entre o resultado e o agente e é exatamente esse elemento volitivo que distingue o dolo da culpa.” [2]

Mas se a diferença é gritante, qual a razão do indiciamento por homicídio qualificado? Certamente, a Polícia Civil conhece a lei. Por óbvio, as agencias de controle têm bem definidas as diferenças entre dolo eventual e culpa consciente.  Mas, indiciar os investigados pela prática de homicídio culposo, possivelmente, não traria à sociedade a sensação de “justiça” diante da amplitude do acidente. E vivem-se tempos em que as concepções pessoais de justiça estão a se sobrepor a qualquer laivo de segurança jurídica. 

Pois bem. 
Se crime existiu em Minas Gerais, na pior das hipóteses, foi o de homicídio culposo. A leitura do artigo 121,§3° do Código Penal é, no entanto, desalentadora para os eficientistas de plantão. A pena prevista para o homicídio culposo varia entre um a três anos de detenção, o que poderia ser considerado como proteção insuficiente aos bens jurídicos, o que é vedado, a partir de critérios da proporcionalidade (Untermassverbote, cf. HC 102.087/MG).

Como explicar à sociedade tal reprimenda? Qual será a reação coletiva após tragédia de tal magnitude? Ora, faz-se necessário responder à altura, numa ótica retribucionista. E para tanto, tenta-se imputar crime que não existiu. Enquadra-se, a fórceps, o delito de homicídio qualificado (dolo eventual).

A dogmática é rasgada para atender à expectativa social, o clamor das pessoas que buscam respostas imediatas após os danos ambientais e humanos verificados no Estado de Minas Gerais. Nisso reside a busca pelo eficientismo penal, aqui identificado e criticado. Reprovado, pois, cuida-se de violação à legalidade estrita, aos ditames do Código Penal. Importa salientar que os autores do texto não são abolicionistas, tampouco acreditam na desnecessidade do direito penal. Trata-se, contudo, de respeitar à dogmática, que cumpre a função de garantir ao réu direitos fundamentais.  

É notória a pequenez da pena de homicídio culposo. A sensação de impotência se amplia quando se está diante de situações como a em comento. Ora, tantas pessoas morreram, tiveram suas vidas ceifadas e os responsáveis serão punidos com pena tão curta? É preciso cumprir a lei. E ao Estado não cabe um papel parcial ou passional. O Estado deve efetivar a pena correta, dentro do previsto pelo Legislador. 

Fica nítido, portanto, o abismo entre o homicídio culposo e o doloso, mormente em relação à disparidade das penas. Se o homicídio culposo varia entre 01 a 03 anos, o homicídio qualificado tem reprimenda entre 12 a 30 anos de reclusão. Faz-se necessária figura intermediária, que puna crimes culposos de maior relevância, principalmente quando saltar aos olhos a culpa grosseira, plenamente evitável, sem que com isso se faça qualquer juízo de valor do caso concreto. 

Essa figura entre o homicídio culposo e o dolo eventual é prevista no Projeto do Novo Código Penal: chama-se culpa temerária / culpa gravíssima. Trata-se de modalidade própria para casos, em que por evidente não existe a intenção (consciência e vontade), mas que se diferencia pela ausência de dever objetivo de cuidado que ultrapassa a mera imprudência, negligência ou imperícia. Assim, prevê o artigo 121, §5° do Projeto do Novo Código Pena[3]l:

Art. 121.“§ 5° Se as circunstâncias do fato demonstrarem que o agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, a pena será de quatro a oito anos de prisão.”

Indubitavelmente é instituto que deveria ser rapidamente integrado ao Sistema Penal, uma vez que a lacuna hoje verificada conduz à situações aberrantes, a saber: querer enquadrar como crime doloso (dolo eventual), fatos nitidamente culposos.  

Recorde-se, por exemplo, o incêndio na boate Kiss, ocorrido em janeiro de 2013. Também sem querer se imiscuir no caso concreto, tão-somente tratando no caso em tese. Por tudo que fora divulgado pela imprensa e reiterado pelas investigações, ficou patente a ocorrência de crime culposo, contudo, uma vez mais, o clamor social, o grande abalo causado pela tragédia impede o reconhecimento do fato típico em análise. 

A prevalecer a tese do dolo eventual, ter-se-ia que aceitar que os integrantes da mineradora anuíram com as mortes de dezenas de pessoas, não só as consumadas, mas as tentadas também.  

Mais uma vez: não se pode confundir a falta de cuidado objetivo, se existente, o desleixo, a imprudência (caso tenha existido no caso em comento) com a vontade de ofender a vida de terceiros. Por outro lado, se a pena prevista para os casos de delitos culposos não é suficiente para atender aos anseios da população, não deve o Estado escolher, injustificadamente, a modalidade mais grave, tão-somente pelo fato de apresentar reprimenda mais dura.  

Repita-se o que já foi dito outrora: uma vez defenestradas garantias fundamentais, entra-se num perigoso Estado de Direito, que definitivamente não será Democrático. 

[1] Doutor em Direito Penal Econômico pela UFPE. Mestre em Direito pela UFBA. Professor adjunto de Direito Penal da Universidade Federal da Bahia. Membro das comissões de juristas responsáveis pela elaboração dos anteprojetos de reforma do Código Penal e da Lei de Execuções Penais. Agraciado com o Diploma do Mérito Legislativo, outorgada pela Câmara dos Deputados. Autor de obras jurídicas. Professor de Cursos de pós-graduação na Bahia, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe e Pará. Advogado criminalista.

2 Pós-Graduando em Ciências Criminais (Faculdade Baiana de Direito). Graduação em Direito (Universidade Federal da Bahia. 2015.1). Técnico Administrativo Ministério Público da Bahia (2012-2015).

3 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 105. 

4  Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. , volume 1: parte geral – 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 290.

5 Projeto de Lei do Senado 236, que contou com o primeiro articulista como integrante da Comissão de Juristas.

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