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História de Maria Carmem uma Negra e Pobre

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14/01/2025

Da: Redação

Ela nasceu em 1918. Nasceu mulher, negra e pobre. Foi batizada como mais uma Maria:
Maria do Carmo, mas ficou conhecida apenas por Carminha. Mal acabou o básico do
ensino ofertado aos pobres, ainda uma menina, migrou de Minas Gerais para a cidade
do Rio de Janeiro.

A Carminha tinha 1,63m de altura e, embora pequena, carregava a força das Marias, o
dom das negras e a marca das mulheres. Maria Carmem. Esse era o seu nome.
Maria amava cantar, contam, àqueles que a conheceram, que seus grandes olhos
castanhos e amendoados se fechavam sempre que ela cantava Ataulfo Alves. Mas na
pobreza é preciso ter gana sempre, cantar era só um sonho, a vida e a fome falavam
mais alto.

Em 1939, aos vinte e um anos, Carminha já lavava roupas para fora e cozinhava em
casas de famílias cariocas. Trabalhava no que fosse preciso, jamais teve medo do
serviço. Um dia, ela conseguiu um trabalho de "carteira assinada", foi parar na rua Conde de Bomfim, no bairro da Tijuca. Maria recebia o salário de 150 mil réis, era doméstica. Trabalhava numa pensão e a sua patroa se chamava Dona Augusta de Jesus Pitta.

No início de 1942, enquanto esperava o bonde na frente da pensão da Dona Augusta,
Carminha conheceu um homem chamado João, ele era motorneiro, motorista do bonde
da linha Tijuca. E uma paixão avassaladora tomou conta dos dois, nascia ali o amor
entre Carminha e João.

Os dois se encontravam todos os dias após o trabalho. E num dia desses, Carminha
ficou grávida. João não queria casar. Mas, ainda assim, casaram-se. Era a força da
Maria se impondo sobre o machismo da época. Vai casar, sim!
Grávida, Carminha seguiu trabalhando com a Dona Augusta. E numa tarde, enquanto
trabalhava na pensão, as dores do parto foram crescendo, até que seu bebê chegou.
Nasceu ali, em um quarto da casa de Dona Augusta. Era um menino. E todos na pensão
adoravam a criança. Mas num certo dia, Carminha e Dona Augusta se desentenderam,
coisas da vida, e Carminha se demitiu do emprego.

Com a criança no colo, foi morar com a família de João, mudou-se para a favela
Barreira do Vasco, que ficava na Baixada de São Cristóvão. Com saudades da criança,
Dona Augusta resolver ir visitar Carminha.

E chegando na maloca em que ela morava, em Barreira do Vasco, Augusta viu uma
Carminha magra e uma criança igualmente mal nutrida. Dona Augusta pediu que
Carminha voltasse com seu filho para Pensão. Ela não quis. Orgulhosa, preferia ficar
ali, misturando a dor e a alegria. Carminha não vivia, apenas aguentava.

Aos vinte e cinco anos, Carminha contraiu tuberculose. Cada vez mais magra, começou
à temer que seu pequeno filho também viesse a se contagiar. Então, por amor, abriu mão
do filho, pediu para que o menino fosse levado de volta para a pensão. Augusta levou,
cuidaria dele até Carminha melhorar.

Carminha voltou para a casa da mãe, queria se tratar em Minas. Mas chegou muito mal,
extremamente magra e doente, passou a sangrar e a ter alucinações. Maria do Carmo
não conseguiu viver e amar como qualquer mulher do planeta, morreu aos 26 anos, era
1944.

João, marido de Carminha, achou melhor que a Dona Augusta ficasse com a criança na
pensão por um tempo. Ele nunca mais procurou o filho...

Um dia, a filha de Dona Augusta, Lília Silva Campos, estudante de piano, aos 22 anos,
disse para toda a família que queria adotar o pequeno menino. Ela explicou que não
podia ir embora e deixar aquela criança ali, sem uma mãe. Aconteceu. É que ela tinha se
apaixonado, com a força do amor de uma mãe, pelo filho de Maria Carmem. E assim ela
o fez. Pediu autorização para a avó, mãe de Carminha, que envolta em pobreza era
incapaz de cuidar do menino. Pediu ao pai, o João. Lília virou mãe.

A criança foi morar com Lília na cidade mineira de Três Pontas, onde foi amado e
cuidado. Cresceu vendo a mãe adotiva tocar piano na sala de casa, tinha na alma a
herança de Carminha, era o seu canto, uma mania de ter fé na vida.

Ele tinha os olhos da mãe Maria. E das tantas maneiras que acontecem, foi nos olhos
que a mãe ficou para sempre em seu filho. Um olhar tão lindo. O menino cresceu,
tomou o gosto pela música. Começou a cantar em bailes.

O filho da Maria, o filho da Lília, com o tempo ficou bastante conhecido. Hoje o
chamam pelo nome de Milton Nascimento, o Bituca...

E eu duvido que agora, depois dessa história, você ouça a canção Maria, Maria da
mesma maneira... Maria é o som, é a cor, é o suor, é a dose mais forte e lenta, de uma
gente que ri quando deve chorar. E não vive, apenas aguenta.

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