Por: Fernando Cézar Macedo*
As notícias sobre a indústria no Brasil neste início de ano patinam entre uma possível melhora em alguns de seus indicadores em decorrência da desvalorização cambial e sua instável condição estrutural que, desde os anos 1990, traz a baila o problema da desindustrialização no país. Em relação ao primeiro aspecto, mais otimista, alguns setores - têxtil, calçados e celulose, principalmente - acenam com aumento das exportações em 2016 que poderia compensar parcialmente a retração do mercado interno em recessão. Também as importações tenderiam a cair, seja pelos efeitos da crise ou do câmbio desvalorizado, o que possibilitaria a substituição de parte dos importados pela produção nacional.
Quanto à fragilidade da indústria no país, os dados de 2015 não deixam dúvidas: queda na produção de 8,3% em comparação com 2014 e pior desempenho desde 2003. Dos 26 setores pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 25 apresentaram queda. Quase 80% dos 805 produtos pesquisados por este instituto tiveram recuo na produção em 2015 vis à vis 2014. Dados da Confederação Nacional da Indústria – CNI apontam queda no faturamento real da indústria de transformação brasileira de 8,8% em 2015; 6,1% no emprego; e 10,3% nas horas trabalhadas. Considerando as categorias econômicas, a situação é ainda mais preocupante, pois os segmentos que tiveram pior desempenho foram os de bens de capital e de bens de consumo duráveis, ou seja, aqueles com maior encadeamento sobre a estrutura produtiva. A queda nos primeiros sinaliza negativamente para o baixo ritmo dos investimentos no país em 2015. Vale lembrar que o desempenho do setor de bens de capital representa uma espécie de termômetro da formação bruta de capital no país, ou seja, do nível de investimento. Seu mau desempenho, portanto, reflete não apenas a recessão em curso, como também, ligado a ela, o impacto do corte dos investimentos públicos praticados na gestão do ex-ministro Levy que atingiu o setor de máquinas e equipamentos para a construção.
Se o mau desempenho da indústria em 2015 deve-se ao agravamento da crise econômica, não se pode desconsiderar que parte importante dele está ligada ao processo de desindustrialização que se observa no país há duas décadas, pelo menos. Isto indica um problema estrutural que vai muito além da conjuntura econômica. Sobre o tema da desindustrialização, diversos trabalhos recentes, de diferentes matrizes teóricas, ajudam na reflexão. Destacam-se aquitrês, todos apresentados no programa de pós-graduação do Instituto de Economia da UNICAMP nos últimos doze meses, que se complementam e que estão referenciados ao final deste artigo: a tese de doutoramento de Daniel Pereira Sampaio e as dissertações de mestrado de Leonel Oliveira Mattos e Mauricio Espósito.
Em comum, eles aceitam a tese de que há uma desindustrialização em curso que pode ser aferida por um conjunto de indicadores. Isto nos coloca uma questão importante: se até pouco tempo havia controvérsia sobre a existência ou não do fenômeno no Brasil, cada vez mais os pesquisadores de diferentes correntes convergem para sua aceitação, embora divirjam sobre suas causas e efeitos.Sampaio (2015), inclusive, qualifica a desindustrialização no Brasil em múltiplas dimensões e aponta a necessidade de aferi-la regionalmente: desindustrialização absoluta, caracterizada por fechamento de unidades industriais locais; desindustrialização relativa por redução do conteúdo nacional; desindustrialização relativa por aumento do coeficiente de importações; e desindustrialização relativa por aumento do gap tecnológico. No geral, o fato significativo é a perda de participação da indústria no PIB brasileiro e sua menor capacidade de gerar desdobramentos e dinamismo na estrutura produtiva do país, além da perda de competitividade internacional.
Um segundo aspecto presente nos três trabalhos, refere-se ao papel da indústria de transformação como motor do desenvolvimento e condição estratégica para transformação estrutural do país. Refuta-se, portanto, a ideia de que seja possível atingir um desenvolvimento sustentado ancorando-se no dinamismo do agronegócio e da indústria extrativa, ambos dependentes das oscilações de preços e da demanda internacionais, portanto de decisões externas sob as quais o país muito pouco (ou nada) pode intervir. Evidentemente, este é um ponto controverso no debate acadêmico, mas que, seguramente, ganha força quando analisamos a natureza das economias subdesenvolvidas e suas dificuldades de diversificação produtiva e domínio tecnológico a partir, majoritariamente, daquelas atividades.
Um terceiro aspecto é a relação entre a política macroeconômica e a desindustrialização.Autores mais críticos, além dos já citados, apontam que não bastam políticas específicas para reverter a situação estrutural da indústria, mas reorientar a política econômica que desde 1994 reforça a subordinação da economia brasileira ao capital financeiro internacional e fragiliza sua indústria de transformação. Seja sob a roupagem neoliberal da era FHC ou do social-desenvolvimentismo pós-Lula, o fato é que os pilares da política econômica pouco se alteraram desde então. Em geral, os governos dos dois presidentes mantiveram a subordinação da economia brasileira ao designíos do capital internacional, ampliaram a dependência externa e a especialização produtiva regressiva em commodities e em produtos de menor intensidade tecnológica. De forma geral, desde 1994, promoveu-se crescimento econômico limitado, incapaz de sustentar-se ao longo do tempo e com taxas mais elevadas que pudessem promover uma verdadeira mudança de longo prazo em nossas estruturas socioeconômicas.Em outras palavras, a política econômica dos governos tucano e petistas foi incapaz de superar nosso subdesenvolvimento, dependência e vulnerabilidade externas. Ao contrário, aprofundaram alguns de nossos problemas, como o da indústria. Sugere-se, também, a leitura do texto do professor Wilson Cano referenciado abaixo.
Evidentemente que o câmbio desvalorizado traz alento para a indústria no país, possibilitando-lhe aumentar sua participação nas exportações brasileiras e certa proteção frente aos produtos importados, mas não resolve problemas estruturais como a necessidade de elevação da produtividade, a incorporação e domínio do progresso técnico, a busca por autonomia em relação ao capital internacional e o adensamento e diversificação da base produtiva para setores mais estratégicos, como os de bens de capital e de consumo duráveis, os mais afetados pela crise na economia brasileira em 2015, como vimos acima.
*Doutor em Ciências Econômicas, Professor Livre Docente da Universidade Estadual de Campinas.
REFERÊNCIAS
MATTOS, Leonel Oliveira. Desindustrialização no estado de São Paulo entre 1989 e 2010. 2015. 152 fls. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas São Paulo, 2015.
SAMPAIO, Daniel Pereira. Desindustrialização e estruturas produtivas regionais no Brasil. 2015. 269 fls. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas São Paulo, 2015.
SPÓSITO, Maurício. A importância do capital internacional nas transformações da estrutura produtiva brasileira: da industrialização à desindustrialização. 2016. 194 fls. Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas São Paulo, 2015.