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Memórias da Guerrilha: Acontecimento e História

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18/09/2024

 Por Luiza Helena Oliveira da Silva 
Universidade Federal do Tocantins 

“E salve a floresta, salve a poesia 
E salve este samba 
Antes que o esquecimento 
Baixe seu manto, seu manto cinzento” 

Chico Buarque, in Barafunda 
Introdução 
Em sua composição intitulada Barafunda, Chico Buarque tematiza as imprecisões da memória diante das muitas tentativas do exercício de lembrar e de poder narrar com  certeza um dado acontecimento, o que fica visível já nos versos iniciais ao embaralhar os nomes da amada: “Era Aurora, não, era Aurélia / Ou era Ariela, não me lembro agora”. 
Como se pode ler nos versos dessa canção citados na epígrafe, teríamos algumas louvações, reiteradas pelo emprego da interjeição “salve”. Parte dos versos alude efetivamente a sujeitos que, pelos feitos memorados ainda que com imprecisão, devem  ser louvados, seja pela qualidade de suas músicas (Cartola), pela maestria no futebol (Garrincha) ou pelas implicações da luta política (Mandela). O mesmo se dá com outros fatos enumerados em aparente desordem como o anúncio do astronauta declarando que a Terra é azul. Acreditamos, contudo, poder ler os versos ainda em outro sentido, interpretando “salve” como verbo, tendo em vista as confusões produzidas pelo esquecimento que a canção evidencia. Assim, o narrador remeteria também à urgência de “salvar”, como se faz no disco rígido do computador, o que a mente imperfeita apaga ou obscurece. O samba deveria ser, então, gravado para perpetuar-se, antes que se instaurasse o esquecimento, com seu “manto cinzento”, tornando indistintas as nuances de cor da experiência, as notas da canção. Essa outra perspectiva de interpretação ficaria mais evidente adiante, quando o sujeito tematiza a impossibilidade de acesso ao que deveria ter ficado registrado: “Gravei na memória, mas perdi a senha”. A letra fala do amor, de uma amada já de nome incerto com quem o narrador se casaria na Glória ou na Penha e de diferentes personagens e acontecimentos do século XX e, desse modo, a escritura dos versos ou a gravação da música seria o modo encontrado de perpetuar o que a mente deixa escapar, antes que seja tarde demais. Foi de bicicleta o gol de Garrincha então evocado? De tiro de meta? O narrador não sabe mais ao certo, mas há algo do instante evocado que perdura, persistindo no sujeito, comovendo-o ainda, como a saia amarela de Aurora, Aurélia ou Ariela: o nome escapa; a cor e a lembrança de ter amado permanecem. 
É do acontecimento e da memória que trata este texto e, por isso mesmo, dos 
movimentos do sujeito em busca do sentido para o vivido, prolongando seus efeitos pelas  retomadas da reminiscência, enquanto acrescenta ressignificações. Nessa direção,  tomamos como pressuposto de que a memória é sempre “imperfeita”, no sentido de sua incapacidade de comportar as “agudezas” da experiência, mas é nela que se constrói a “legibilidade” para o acontecimento, o que sobreveio, o momento fulgural para aquele que se inscreve a posteriori como sujeito da memória. Ao transformar em discurso, o que pode transparecer para o espectador é a desordem (a barafunda), ou ainda a luta daquele que narra para ordenar e precisar os dados que estão salvos na memória, que precisam ser enunciados para que se conste na história. Assoma no dizer então o fato, mas também sua SILVA, L. H. O. Memórias da guerrilha: acontecimento e história. In: MENDES, C. M.; LARA, G. M. P. (Org.). Em torno do acontecimento: uma homenagem a Claude Zilberberg. Curitiba: Appris, 2016, p. 141-162. interpretação, responsável pelas saliências, pelas figurativizações, pela perspectiva assumida. 
Mobilizamos aqui especialmente as formulações da semiótica tensiva desenvolvidas por Claude Zilberberg que confere ao acontecimento centralidade na sua produção ao longo dos últimos anos. Em seguida, analisamos depoimentos de um dos moradores da cidade de Xambioá, situada no norte do Tocantins, testemunha dos momentos finais do que ficou conhecido na historiografia oficial como Guerrilha do 
Araguaia. 
Xambioá não foi propriamente o foco de atuação dos guerrilheiros, concentrados em localidades no sul do Pará, mas serviu principalmente como base de apoio aos milhares de militares que se dirigiram para a região com o objetivo de combater os militantes do PCdo B envolvidos com a luta armada contra a ditadura militar (1964-1985). 
Apesar disso, muitos moradores sofreram de perto com as prisões e torturas, sob a acusação de acobertarem os comunistas ou simpatizarem com seus ideais. No cemitério da cidade, foram encontradas também ossadas de alguns dos militantes desaparecidos no confronto. Os 69 militantes de esquerda organizaram-se a partir de 1967 para a guerrilha rural na região que cobre o hoje norte do Tocantins e o sul do Pará, inspirados pelos princípios da revolução maoísta (AMORIM, 2014; MORAIS e SILVA, 2005). A opção pela localidade encontrava várias razões, como explica Jacob Gorender: A área se caracterizava pelo povoamento recente, baixo nível de conflitos sociais e insignificância econômica. O aparelho repressivo do Estado – uns minguados elementos da Polícia Militar – tinha ali presença ínfima e era coisa rotineira a chegada de gente nova numa região de fronteira agrícola. Da sua parte, os futuros guerrilheiros se inseriram na população e seguiram rigorosamente a norma de evitar toda e qualquer atuação política. Assumiram atividades de lavradores e pequenos negociantes e se restringiram a uma prática assistencial: ensino de escolas, mutirões, pequenos serviços de enfermagem, participação nas festividades e, vez por outra, nas pendências costumeiras com grileiros. (GORENDER, 2014, p. 236). 
Segundo Gorender, inicialmente, os comunistas não se fazem notar de modo ostensivo por parte dos moradores, que não identificam nas ações dos militantes de esquerda uma articulação para o confronto armado contra o regime militar. Serão conhecidos como “paulistas”, em função do sotaque distinto, formação e hábitos que os identificam como estrangeiros ao lugar, atuando como profissionais que trazem benefícios para as comunidades. Numa localidade de quase ausência do poder público, granjeiam amizade da gente simples, principalmente por suas atividades assistenciais. Por isso mesmo, a chegada do grande contingente de militares ao lugar a partir de1972 e a intensa perseguição que se seguiu, com drásticos efeitos sobre moradores (inclusive com assassinatos, prisões, torturas, intimidações, destruição de propriedades etc.) perpetrados pelos agentes do governo inscreve a Guerrilha do Araguaia na ordem do acontecimento, imprevisto para os que acompanhavam de longe os rumos da política do país e lutavam mais de perto pela sobrevivência contra a pobreza, a corrupção das lideranças políticas locais, as enfermidades, a ação criminosa de grileiros. Segundo Morais e Silva, como, ainda hoje não foram encontrados os corpos da maior parte dos então denominados guerrilheiros. No momento, investiga-se o local onde teriam sido enterrados dois deles, assassinados pelo Major Curió ou Doutor Luchini, pseudônimos de Sebastião Rodrigues de Moura: http://colunaesplanada.blogosfera.uol.com.br/2015/10/20/justica-ordena-resgate-de-corpos-no-araguaia-e- investigacao-de-ossadas/, acessado em 28 out. 15. 
SILVA, L. H. O. Memórias da guerrilha: acontecimento e história. In: MENDES, C. M.; LARA, G. M. P. (Org.). Em torno do acontecimento: uma homenagem a Claude Zilberberg. Curitiba: Appris, 2016, p. 141-162. estratégia de luta, “o PCdoB preparava o movimento armado sem o conhecimento da população” (MORAIS e SILVA, 2005, p. 40) e a busca por adesões dos moradores só se inicia após o início dos confrontos o que fará com que, num primeiro momento, os moradores não pudessem apreender o que estava em questão naquele instante. 
Terminado o confronto pela aniquilação dos guerrilheiros resultante da acentuada assimetria de forças e intenção de não fazer prisioneiros, a estratégia do governo militar é a do silenciamento e do esquecimento: não se pode falar; não se deve lembrar a insurgência à ordem nascida nas regiões remotas do país. A guerrilha, como acentua Gorender (2014, p. 240), deveria ser “abafada e escondida como vício nefando”, sem gerar repercussões ou mesmo demandas judiciais: A acusação judicial contra José Genoíno não incluiu qualquer referência à sua participação na guerrilha. Todos os guerrilheiros mortos em combate ou assassinados após a captura sumiram em sepulcros ignorados. Até hoje, as campanhas do Araguaia nunca tiveram menção explícita em documentos oficiais. As Forças Armadas jamais divulgaram dados sobre sua atuação no episódio. (GORENDER, 2014, p. 241). 
Diante do silenciamento que quer fazer ser o esquecimento, o que se lembra da 
Guerrilha? Este trabalho se insere numa pesquisa em fase inicial que tem por objetivo analisar as memórias sobre esse episódio da história do país, partindo de algumas perspectivas. A primeira é de que não intentamos alcançar a “verdade” dos fatos, mas nos interessamos pelas versões que ficam presentes na fala dos moradores da região. Nosso interesse, portanto, são as memórias inscritas nas narrativas que persistem, a despeito das forças do esquecimento. Inicialmente, estendendo nosso interesse por ouvir moradores de Xambioá, onde sobrevivem vítimas do confronto, testemunhas oculares, mas também pessoas que só sabem do acontecido pelo que se conta, pelo que ainda ecoa, pelas narrativas que persistem num dado imaginário social. A segunda é que não consideramos a memória como uma produção estanque, nem acabada, mas que tem aberturas e reconfigurações, a depender dos sujeitos que produzem sentido e que não apenas rememoram o mesmo fato, mas interpretam-no, selecionando elementos inicialmente desprezados, ignorando outros, a partir dos sentidos que, num dado agora, aquele projetado pela enunciação, lançam sobre o passado. Partimos do pressuposto de que a memória é do presente, como argumenta Fiorin ao refletir sobre a compreensão do tempo trazida por Agostinho: 
Para Agostinho, é inexato dizer que temos três tempos, passado, presente, futuro, pois o que temos, na verdade, são três modalidades do presente, o do passado que é a memória, o do presente, que é o olhar, a visão, e o futuro, que é a espera. Ele põe o passado e o futuro no presente por meio da memória e da espera e, portanto, transfere para eles a ideia do comprimento do futuro e do passado. (FIORIN, 1996, p. 132). Do ponto de vista da noção do acontecimento, tal como a compreende Zilberberg (2011), não se pode pensar num sujeito da espera, capaz de antecipações: o acontecimento é da ordem do inesperado, a irromper abruptamente no horizonte do sujeito. Este não pode, pois, significar antes: a coisa advém e tudo o que lhe sobra é o sofrer. Mas, uma vez que acontece resta ao sujeito o depois, a memória do evento, esse olhar para trás, diante da necessidade que se lhe impõe pelos efeitos que persistem, que ainda o comovem – no presente – por ser “afetante” (ZILBERBERG, 2001, p. 126). 

 

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