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Arrependimento Não Mata

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14/12/2015

Por: Nancy Araújo de Souza

        Desceu do ônibus, cansada suando em bicas. Depois de andar um quarteirão viu que o bar na esquina da sua rua ainda estava aberto e resolveu entrar para comprar uma latinha de cerveja. Poucas pessoas ali, dois homens bebendo no balcão, uma mesa com dois casais, outra com três homens tomando cerveja e conversando animadamente.

        Cumprimentou todo os presentes por alto e o dono do bar que veio em sua direção, certamente  estranhando ela entrar ali pela primeira vez. Cumprimentam-se e até trocam algumas palavras quando ela passa na porta ou espera o ônibus ali.  Recebeu-a com um sorriso e ela perguntou se tinha cerveja sem álcool. Após a resposta afirmativa pediu uma e perguntou o preço. O rapaz entregou a latinha perguntando se queria uma sacola. Ela não quis.  Não se importava de ser vista, indo pra casa, com uma latinha de cerveja na mão. Pegou a carteira para pagar.

         Estava vestida como devia para participar de uma manifestação política. Calça jeans, camiseta verde-amarela, uma bandeira do Brasil, sandalinha confortável. Uniforme que usa em todas as manifestações. Não perde uma. Antigamente o uniforme era outro, hoje não gosta nem de lembrar daquela época quando ia de camiseta vermelha com estrela branca no peito e bandeira confeccionada por ela. Ali no bar, todos viram que ela vinha da manifestação contra a corrupção, contra o desgoverno, contra a roubalheira.
  
        Como mudou! Pensa que conseguiu mudar porque amadureceu. Passou a ver de forma diferente o que já estava diante dos seus olhos, mas se negava a enxergar. Aos poucos foi perdendo a confiança e começou a duvidar das intenções daquele grupo partidário que prometia o paraíso a todos. Desencantou-se por completo e se afastou quando surgiram os escândalos. Arrependeu-se do seu radicalismo quando discutia com aqueles que não acreditavam nas conversas daquele grupo. Ainda bem que arrependimento não mata. Passou a envergonhar-se das atitudes anteriores e quando menos se deu conta havia se tornado uma crítica incansável e opositora ferrenha daquela gente. Camisa e bandeira vermelhas foram para o lixo. 

        Agora, retornando de mais uma manifestação se sente alegre por tentar ajudar na recuperação do país. É o que pode fazer, tornando-se mais um número entre os manifestantes. Não sabe o que vai acontecer, mas pensa que a situação como está não pode continuar. Algo precisa ser feito e quer dar sua contribuição para se redimir. Conhece muita gente assim como ela, que se desencantou se arrependeu e busca agora uma forma de ajudar para que tudo melhore dentro da Lei, nada de subterfúgio, tudo de acordo com a Lei. Quem gosta de burlar a Lei, mentir e dar golpe é outra turma.

        No momento em que tirou o dinheiro para pagar a cerveja, ouviu a voz que perguntou como havia sido a manifestação. Viu que era com ela e respondeu prontamente que havia sido muito boa, pacífica, com grande participação. O homem perguntou se ela acreditava que a Presidente ia ser afastada. Sem pensar um minuto respondeu que se as pessoas participassem mais dos atos em vez de ficar bebendo nos bares tudo seria mais fácil. Levou um susto com sua reação. Não podia ter falado assim. Entregou o dinheiro, apanhou o troco, foi até a mesa onde estavam os três homens e se desculpou.  A cara queimava de vergonha, devia estar vermelha. Eles riram enquanto ela pedia todas as desculpas possíveis e tentava se explicar, mas sabendo que a emenda é sempre pior do que o soneto se embaraçava cada vez mais. Se arrependimento matasse, a hora era aquela.

        O homem que havia perguntado, explicou que fazia parte da organização do evento, havia passado o dia todo, na véspera, ajudando nos preparativos. Tinha ido mais cedo para a Praça e como estava muito cansado, ficou pouco tempo e estava ali, relaxando tomando cerveja com amigos.

        Ela explicou a sua razão para participar desses encontros. Ele tinha um problema parecido. Contou que era do interior e quando jovem, foi fundador do diretório daquele partido em sua cidade. O pai não concordou, brigaram e ficaram dois anos sem conversar. Agora ele era mais um que tinha mudado de lado. Foi preciso muita decepção para reconhecer que o pai estava certo, e já antevia com sua experiência o que ia acontecer. 

        Ela foi pra casa levando a cerveja. Tomou um banho e começou a pensar em como as pessoas amadurecem e mudam. Deixam para trás conceitos já sem valor, aceitam novas proposta e experimentam outros valores, podendo retomar os sonhos perdidos. Apanhou na estante um livro, voltou ao bar e novamente pedindo desculpas entregou ao homem o presente que ele agradeceu afirmando que vai ler com atenção. Ela disse que era o mínimo que podia fazer, que não era tão indelicada como podia parecer. 
 
        Voltou para casa mais despreocupada. Nunca tinha visto aqueles homens, talvez até sejam vizinhos e iriam ter uma péssima lembrança dela. Desde pequena, na família diziam que ela tinha uma língua que não cabia na boca, por dar aquelas respostas rápidas, impensadas e depois se arrependia. Mas só se arrependia depois das surras que levava. Arrependimento não mata mesmo.       


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