1. capa
  2. Negócios
  3. Economia
  4. Política
  5. Ambiental
  6. Cidades
  7. Opiniões
  8. Cultura
  9. Oportunidades
  10. vídeos

São Manoel o Rio de Minha Infância: Histórias, Causos e Lendas

enviar por email

27/12/2017

Por Dilermano Teodoro*

Vim ao mundo num dia qualquer do ano de mil novecentos e cinqüenta, na área rural do distrito de Bom Jardim, no córrego Santa Fé e ali vivi até os dois anos de idade, quando então minha família mudou-se para a margem esquerda a jusante do grande rio São Manoel, barra do córrego Boa Esperança, seu afluente, onde passei toda minha infância e adolescência. A Fazenda Boa Esperança, adquirido pelo meu pai Agustavo Teodoro de Oliveira do Sr. José Estevão, avô de meus grandes amigos parceiros infância, Ana Maria e José Renato Estevão Rodrigues, também moradores na fazenda, uma vez que seus pais foram sócios em um Armazém de Secos e Molhados durante muitos anos que ali existiu. 

Meus primeiros contato com água corrente foi no córrego Boa Esperança, em prolongados, adoráveis e refrescantes banhos, juntamente com meus irmãos. Em conseqüência destes intermináveis e maravilhosos banhos contrai variadas verminoses, inclusive o temido Schistosoma Mansoni, que muito trabalho deu aos meus pais. O rio ainda era para mim, algo inatingível e cheio de mistérios pela sua grandeza aos olhos de uma criança, principalmente pelas fantásticas histórias contadas pelos mais velhos, que ouvia atentamente, sonhando com o dia em que também nadaria naquelas tão atraentes e assustadoras águas.

Dentre as muitas historia que ouvi, as mais belas e empolgantes sem dúvidas, foram contado pelo saudoso e querido Sr. Manoel Benedito, pai do Sr. Jaconias Benetido. Um exímio contador de história, com quem tive privilegio de conviver, compartilhar da amizade e do enorme carinho principalmente dedicado as crianças, quando residiu próximo a Boa Esperança. Sempre que havia uma oportunidade, reunia a garotada da vizinhança para contar as suas maravilhosas historias. Algumas sobre o rio São Manoel, a que me deixava mais empolgado e ao mesmo tempo extasiado, era de um tal “Caboclinho D’água” que reinava absoluto nas águas do rio, principalmente por ocasião das grandes enchentes de águas barrentas e volumosas, que alagava várzeas, represando pequenos afluentes, como o Boa Esperança, cobrindo pontes, carregando pinguelas, destruindo plantações em suas margens, invadindo casas ribeirinhas obrigando seus moradores a saírem, interditando estradas, tudo por capricho do danado “Caboclinho”. 

Ainda não satisfeito era capaz de puxar para o fundo do rio quem se atrevesse a nadar nas águas da enchente. Uma divindade temida, odiado, mas respeitado e quase venerado pelos ribeirinhos, que o descreviam das mais diversas maneiras, misto de humano e macaco peludo, capaz de permanecer submergido por tempo indefinido, vindo à superfície para numa fração de segundo virar um bote, arrastar para dentro do rio alguém que não soubesse nadar, principalmente crianças e mulheres. Diziam que ele tinha um dos bracinhos “cotôco” cortado que foi por um pescador atento, que o decepou com um facão, numa tentativa que fez de virar o bote. De nada adiantou, tornou-se ainda mais violento, usando o “ cotôquinho” para virar botes com facilidade e rapidez ainda maior. Com fértil imaginação de criança, confesso que por várias vezes fui capaz de identificá-lo em fração de segundo, traquinando no meio do rio por entre galhadas, samarras e banzeiros, que desciam rio abaixo, como na histórica enchente de mil novecentos e cinqüenta e sete, uma das maiores que houve no rio São Manoel. 

Permanecia por horas a fio, mesmo debaixo de chuvisco, apreciando a enchente. Postava a uma distancia seguro em ponto elevado com a visão privilegiado da curva do “remanso do jenipapo”, local onde dizia ser de uma profundidade abissal, esconderijo preferido pelo “Caboclinho D’água”, esperançoso vê-lo por inteiro, apenas via rápidas sombras escuras. Segundo me confidenciou Da. Vanja, antiga moradora da fazenda, que certa vez cortou cinco varas de bambu, as mais compridas e as emendou amarrando-as com cipó, para medir a sua profundidade, não conseguindo atingir o fundo do rio. Tais afirmativas davam asas e aguçavam ainda mais minha inquieta imaginação de esperto menino criado na roça. Desejava crescer rápido para um dia desafiar e vencer aquele rio, nadando em suas perigosas e profundas águas, habitadas por terríveis monstros, naquele temível remanso...
Uma terrível tragédia abateu sobre uma família vizinha, moradora nas margens do outro lado do rio, em frente a Fazenda Boa esperança. Um bebê com poucos anos de vida, irmão da Fesica esposa do Juca da gráfica, brincando na beira do rio – apanhador d’água, assim era chamado o local onde era usadas para lavar roupas, vasilhas e apanhar água para o consumo nas residências, não se sabe como, escorregou e caiu no rio. Como ninguém viu de imediato, só foram dar por sua falta tempos depois, não o encontrando, concluíram que uma terrível tragédia havia acontecido. Armou-se um tremendo alvoroço, gente correndo pelas margens, gritando, pedindo socorro, procurando desesperadas pelo bebê, infelizmente não foi possível salva-lo, havia se afogado. Vizinhos foram convocados a auxiliar na procura, meu pai enviou alguns empregados para também ajudarem nas buscas. Curioso e amigo da família, eu também, a presenciar aquela terrível tragédia familiar. Final do primeiro dia logrou-se infrutífero nas buscas. No dia seguinte, logo cedo deveria reiniciar as buscas, porem um ancião, com a firmeza de quem sabe o que diz. Categórico afirmou quilo era coisa feita pelo “Caboclinho D’água”. Para encontrar o corpo era necessário colocar sobre as águas, um prato com uma vela acesa, deixando descer rio abaixo. Onde ele parasse, ali estaria o corpo do inocente bebê. Assim dito, assim feito, e lá se foi o prato rodopiando calmamente pelas águas turva do rio, de quando em vez parava em um ramo ou num pequeno rebojo de um remanso, depois de alguns rodopios, continuava sua sinistra viagem descendo o rio. Acompanhado por aflitos e apreensivos parentes e vizinhos, na esperança de encontrá-lo. Logo a baixo, a curva do grande “remanso do jenipapo”. O prato rodopiou em elipses pelo remanso, fez com que continuaria a sua trágica viagem por umas duas ou três vezes e por fim encostou-se a barranca, parou em uma pequena raiz, com a chama tremula quase a se apagar. Homens então se jogaram nas águas do rio e passaram a vasculhar as galhadas, mergulhando e voltando a superfícies por diversas vezes. Exaustos e cansados, prestes a desistirem, mas por insistência do ancião, mergulhariam mais uma vez já meio desanimados. João Branco, homem da fazenda Boa Esperança, voltou à superfície com os olhos tão arregalados que achei que iriam saltar para fora da cavidade ocular. Muito assustado, afirmando que havia tocado em algo que a seu ver seria o bebê. Novos mergulhos realizados por outros homens, também confirmavam a suspeita. Encontrava a uma enorme profundidade, enroscado debaixo de uma galhada de arvores morta. Depois de inúmeros mergulhos, em fim trouxe a tona aquele corpinho inocente, sem vida, sem cor, já meio corroída em suas extremidades pelos peixes. Para mim, aquela imagem ficou gravada para sempre em meu subconsciente. Não saberia dizer se tudo não passou de uma mera coincidência, ou se aconteceu como previsto pelo sábio ancião e, que realmente aquilo era obra do imaginário, temido e respeitado “Caboclinho D’água” criado pelos místicos e supersticiosos habitantes do Vale do Rio São Manoel, entre os quais em me incluo...
Zé Barros, homem de meia idade, morador do córrego do Coado, com sérios problemas mentais, que imagino hoje seria depressão, que de quando em vez perambulava pelas redondezas sem rumo, cabisbaixas não falava com ninguém, permanecendo por vários dias fora de casa sem dar noticias. Em um deste sumiço, nunca mais voltou pra casa, a família preocupada passou a procurá-lo sem sucesso. Muitos dias depois foi encontrado um corpo, já em avançado estado de decomposição as margens do rio, logo abaixo da barra do córrego do Palmital. Local conhecido como “atalho” da estrada principal que liga a Boa Esperança a cidade. Só foi possível ser identificado pelos familiares, pelos vários dentes de ouro existente em sua arcada dentária – uso muito comum na época por pessoas de muitas posses. Segundo moradores da vizinhança, aquilo também era obra do terrível e famigerado “Caboclinho D’água”, posto que ali próximo onde fora encontrado o corpo, havia um braço morto do rio, também habitado pelo terrível monstro. Concluíram que ao passar em uma pinguela sobre o córrego do Palmital, derrubado e puxado para as profundezas do rio pelo monstro morreu afogado. Com o vazante das águas os restos mortais já em decomposição apareceram depois de muitos dias. Ali mesmo foi feito uma cova rasa e sepultado o que restou do corpo do infeliz e atormentado Zé Barros, sob uma tosca cruz de madeira. Por muitos anos deixei de passar por aquele atalho sozinho e, sempre que estava na companhia de alguém sentia arrepios, não sei se por medo do defunto ou do seu algoz...
Mutum já teve energia gerada por hidrelétrica própria, por muitos e muitos anos. Sim já teve a grande “Usina Hidrelétrica do Cachoeirão”, localizada no médio São Manoel, entre o patrimônio de Bom Jardim – hoje Roseiral e a cidade. Cuidadosamente operada com periódicas procedimentos de manutenções realizadas por ilustres mutuenses, Sr. Correia, Sr. Sergio Blanco, Sr. Paulo Correia e o vigia morador na usina Sr. Osmar, que informava diariamente por meio de uma linha telefônica instalado ponto a ponto, entre a usina e a Prefeitura Municipal – uma fantástica modernidade na época, de todas e quaisquer ocorrência de anormalidade com as maquinas e turbinas. Constantemente ocorriam eventos de interrupção na geração de energia ocasionados por danos, hora nas turbinas, hora nas maquinas geradoras, demandando dias de árduo trabalho dos ilustres senhores na restauração dos equipamentos, misteriosamente avariados. Corria a noticia e era de conhecimento geral, que tais ocorrências eram provocadas pelo “Caboclinho D’água” que não se conformava com a interrupção do fluxo do rio pela barragem e comportas. Relato da vizinhança, que em noites de lua cheia, era vista a espreita sobre o paredão ou rondando a casa de maquinas, aguardando uma oportunidade para novos ataques...
A mais fantástica historia envolvendo o misterioso e místico personagem das águas do São Manoel teve como palco a barra do córrego do Faria, onde residia uma numerosa família de agricultores. Dentre os muitos filhos, uma filha de aproximadamente dezoito anos, muito embora não aparentasse ter mais do que quinze anos, em virtude de sua aparência frágil e miúda, porém de belos traços apesar da pele e cabelos mal tratadas pela prolongada exposição ao sol. Era a responsável em lavar as roupas da família, motivo pela qual permanecia por hora a fio na beira do rio na execução de difícil tarefa. Alegre, passava os dias a cantarolar cantigas de roda, do rico e bonito folclore mineiro. A casinha pobre a beira chão, ficava a uma razoável distancia do apanhador d’água, mas perto o bastante para sua mãe ouvir suas cantigas, ou chamá-la quando quisesse. Certo dia, já quase meio dia, a mãe depois de um longo período, notou que não estava ouvindo a voz da filha em suas cantorias. Preocupada gritou por ela por varias vezes, não obtendo resposta, decidiu que o melhor a fazer seria ver o que se passava. Ao chegar encontrou a filha caída desmaiada, apenas com o rosto fora d’água, quando a puxou para fora, notou que estava seminua, sem a parte de baixo de suas vestes. Aflita levou-a para casa ainda desacordada, desesperada tentava reanimá-la, o que veio a ocorrer depois de um longo período. Inquirida, não se lembrava de nada, sentiu apenas ser puxada para dentro do rio, e nada mais, caiu desacordada. Pressionado pelo pai, por outros membros da família e vizinhos, sempre repetia a mesma história, não se lembrava de nada. Decorrido nove meses, sem que a moça mudasse a história, nasceu um vigoroso e belo bebê do sexo masculina, moreninho como a mãe, mas de olhos esverdeados – olhos gateados, assim chamados pelos nativos. Em cerimônia na igrejinha do patrimônio Bom Jardim, na pia batismal recebeu o nome de José, não sendo grafado no batistério o nome do pai. Sem que soubessem quem era realmente o genitor, criou-se a “Lenda” que seria filho do “Caboclinho D’água” e o menino passou a ser chamado de Zé Caboclinho que, aliás, conheci e sou testemunho vivo de sua existência, muito embora não possa afirmar que seja filho do intrigante personagem criado pela mística crendice popular. Como disse um oficial nazista: “Uma mentira muitas vezes repetidas, torna-se verdade”. Esta se tornou!..
Fazenda Sta. Fé do Mutum – dezembro de 2017 – Ariquemes-ro.

Eliezer Batista Ligou A Vale Ao Resto Do Mundo

Galgando vários postos ao longo de sua carreira, até ser nomeado presidente da mineradora coube a ele transformar..


Dignidade de Liberdade

Para advogados, decisão do STF sobre casamento dá maior autonomia aos idosos...


Os Doces E Amargos Desafios Da Existência

Em "Chocolate Meio Amargo", a psicóloga Senia Reñones aborda as complexidades das relações humanas e as delícias de aprender...