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STF Decide dia 27 se Justiça pode Julgar Crime do U-199 Nazistas que Afundou o Shangri-lá e Matou 10 Pescadores

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14/08/2020 - por Paulo César Dutra

No próximo dia 27, o Supremo Tribunal Federal - STF vai decidir se a Justiça brasileira pode julgar Estado soberano estrangeiro,  por atos de guerra cometidos dentro das fronteiras brasileiras contra a República Federal da Alemanha. Os ministros analisarão caso de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de netos ou de viúvas de netos do motorista (piloto da embarcação) Deocleciano Pereira da Costa, um dos dez tripulantes do barco pesqueiro Shangri-lá, que foram mortos em decorrência de ataque com tiros da metralhadora de 37 mm e do canhão de 105 mm, do submarino alemão U-199, no mar de Arraial do Cabo, na costa de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, no Brasil, em 22 de julho de 1943, durante a IIª Guerra Mundial. O comandante do U-199, provavelmente achando que poderia ter sua presença denunciada, decidiu afundar o barco.
 
 Foi o trigésimo-primeiro ataque a uma embarcação brasileira na IIª Guerra Mundial, no qual morreu toda a tripulação de dez pescadores, cujos corpos jamais foram encontrados.  Os pescadores vitimados  eram os seguintes:  o mestre José da Costa Marques; o motorista (piloto) Deocleciano Pereira da Costa e o filho dele, Zacarias da Costa Marques, 17 anos; Otávio Vicente Martins; Ildefonso Alves da Silva;
Manoel Gonçalves Marques; Manoel Francisco dos Santos Júnior; Otávio Alcântara;
Apúlio Vieira de Aguiar  e  Joaquim Mata de Navarra.

Em 2017, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria. À época, o ministro Edson Fachin, que é o relator do processo, salientou que a controvérsia é inédita no âmbito da Corte. “É evidente a índole constitucional da matéria por envolver questões do Estado de Direito brasileiro em relação à sociedade internacional”, disse.

Para o ministro Fachin, a repercussão geral da matéria justifica-se do ponto de vista jurídico pela inédita controvérsia na Corte em relação à aplicação da imunidade. No âmbito social pela responsabilização de Estados por atos atentatórios à dignidade da pessoa humana e, no campo político, pela divergência de dois valores aos quais a República Federativa do Brasil comprometeu-se a seguir nas relações internacionais: a prevalência dos direitos humanos e a igualdade entre os Estados. 

Na origem, versa-se sobre ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de netos ou de viúvas de netos de Deocleciano Pereira da Costa em face da República Federal da Alemanha.

Histórico

No dia 22 de julho de 1943, durante a IIª Guerra, o mestre (chefe da embarcação) José da Costa Marques; o motorista Deocleciano Pereira da Costa; os pescadores Ildefonso Alves da Silva, Manoel Francisco dos Santos Júnior, Otávio Vicente Martins, Manoel Gonçalves Marques, Apúlio Vieira de Aguiar, Zacarias da Costa Marques (este tinha só 16 anos), Otávio Dancata, e Joaquim Mata de Navarra saíram de Arraial do Cabo, pela manhã, a bordo do barco Shangri-lá  para pescar no litoral de Cabo Frio. Quando chegaram no “pesqueiro”  (local conhecido pelo mestre, bom para a pesca), ancoraram  e jogaram as linhas e as armadilhas ao mar.

À noite, quando pescavam e colocavam os peixes na urna do barco, foram surpreedidos pelo submarino nazista U-199, que patrulhava na superfície. O comandante do U-199, o capitão Hans Werner Krauss, que estava na torre de comando e de vigilia do submarino, em ato de covardia, decidiu afundar Shangri-lá, que não oferecia qualquer resistencia. Krauss determinou que fossem disparados tiros com a metralhadora de 37 mm, sem sucesso, até que o canhão de 105 mm fosse usado, que fez sete disparos (dos quais apenas os dois últimos tiros acertaram o alvo) para afundar o Shangri-lá. 
 
O submarino nazista U-199, contudo, foi capturado em 31 de julho de 1943, pela Força Aérea Brasileira. O avião Catalina o afundou com suas metralhadoras, às 9h02 daquela data.  Diferentemente de como agiram os nazistas com os pescadores do Shangri-lá, o Catalina e o Mariner jogaram botes de borrachas para os naufragos, que foram recolhidos, duas horas depois, pelo tender de hidroavioes Barnegat (barco construído especificamente para apoio de hidroaviões). Dos 61 tripulantes  do submarino nazista, sobreviveram 12 que foram capturados. Os prisioneiros foram conduzidos para o Rio de Janeiro e de lá foram levados de avião para Recife, em Pernambuco. Depois foram transferidos para os Estados Unidos.

Interrogados em Washington, os prisioneiros confessaram o afundamento de uma embarcação no litoral de Arraial do Cabo, cuja descrição encontrava-se no Diário de Bordo do submarino era o Shangri-lá. Mas nada disso foi dito para os familiares dos pescadores.
  
Nos dias que se seguiram, pedaços da embarcação foram dar na praia de Arraial do Cabo, sendo imediatamente reconhecidos pelos pescadores locais como pertencentes ao barco desaparecido. Porém, mesmo com as prisoes dos nazistas, o ataque do submarino nazista U-199 ao pesqueiro Shangri-lá ficou desconhecido por 56 anos. Acreditou-se que o desparecimento da embarcação e de seus tripulantes se deu por causa de um naufrágio. 
 
O processo sobre o incidente do Shangri-lá chegou a ser arquivado em 1945, mas, em 1999, o processo foi reaberto, a partir de provas recolhidas pelo historiador Elísio Gomes Filho que é mergulhador, escritor e historiador, tendo três livros publicados sobre histórias de naufrágios. Somente em 2001, o Tribunal Marítimo reconheceu a responsabilidade do submarino nazista, sob o comando do capitão Hans Werner Krauss.
 
O ataque deixou marcas profundas na história da região de Arraial do Cabo, em Cabo Frio. Em 2004, os nomes dos pescadores vitimados foram incluídos no Panteão dos Heróis de Guerra, em cerimônia no Monumento aos Mortos da IIª Guerra, no Rio de Janeiro. Há alguns anos, um filme sobre o episódio, do cineasta Flávio Cândido, foi rodado em Arraial do Cabo. A orla da Praia Grande, também em Arraial, igualmente foi batizada como Shangri-lá, em 2011. 
 
O Shangri-lá, sua tripulação, o ataque e a repercussão

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 
O Shangri-lá era um pesqueiro solidamente construído, com as vistorias em dia, bem equipado e tripulado por pescadores que, apesar de jovens, possuíam uma certa experiência de mar. O mais velho, o mestre José da Costa Marques, tinha 50 anos e mais de 30 anos de pesca no mar.

Como se disse alhures, durante a Segunda Guerra Mundial, era comum os pescadores serem empregados como auxiliares das forças navais, na vigilância e defesa das águas territoriais brasileiras. É provável que os triplantes do pesqueiro tenham recebido alguma instrução no sentido de reconhecer um submarino ou qualquer embarcação hostil e avisar às autoridades navais brasileiras.

Os pescadores vitimados, cujos corpos jamais foram encontrados, eram os seguintes: o mestre José da Costa Marques; o motorista (piloto) Deocleciano Pereira da Costa e o filho dele, Zacarias da Costa Marques, 17 anos; Otávio Vicente Martins; Ildefonso Alves da Silva; Manoel Gonçalves Marques; Manoel Francisco dos Santos Júnior; Otávio Alcântara; Apúlio Vieira de Aguiar  e  Joaquim Mata de Navarra.
 
Foi o trigésimo-primeiro ataque a uma embarcação brasileira na Segunda Guerra Mundial, no qual morreu toda a tripulação de dez pescadores, cujos corpos jamais foram encontrados.
 
Informações do Shangri-lá (barco)
 
Shangri-lá
Carreira:  Brasil
Proprietário: João Ferreira de Jesus
Operador: n/d
Homônimo: "Shangri-La", expressão advinda da literatura, a qual designa um lugar fictício e paradisíaco. 
Construção: n/d
Lançamento: n/d
Porto de registo: Rio de Janeiro
Estado: Afundado em 22 de julho de 1943, pelo submario nazista U-199 
Características gerais
Classe pesqueiro
Tonelagem: 20 ton
Largura: 2,85 m
Comprimento:  9,5 m
Calado: 1,1 m (pontal) 
Maquinário: motor a diesel de 28 HP 
Propulsão: semidiesel e vela
Velocidade: 7 nós
Carga: 10 pessoas

O Shangri-lá (por vezes denominado Shangrilá, Changri-lá ou Changrilá) foi um pequeno navio pesqueiro brasileiro afundado a tiros de canhão, em 22 de julho de 1943, ao largo de Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro, pelo submarino alemão U-199, um dos mais modernos e poderosos u-boot da marinha alemã.

Com apenas vinte toneladas, pertencia a um armador particular do Rio de Janeiro, e operava na pesca artesanal na Região dos Lagos. Foi o trigésimo-primeiro ataque a uma embarcação brasileira na Segunda Guerra Mundial, no qual morreu toda a tripulação de dez pescadores, cujos corpos jamais foram encontrados.

Embora tenha sido a menor embarcação atacada pelos submarinos do Eixo, o seu afundamento suscitou uma série de pesquisas e investigações dentre os especialistas na literatura naval brasileira, o que levou, quase sessenta anos após o final da guerra, à descoberta da real causa de seu naufrágio, cujos efeitos ainda hoje repercutem nos tribunais do Brasil.

Na investigação instaurada à época para apurar o desaparecimento do barco, concluiu-se que a embarcação teria sido vítima de um simples naufrágio (tempestade, fortuna-do-mar ou falha humana), igual a tantos outros que, corriqueiramente, sucediam-se na região,  e, assim, o processo foi arquivado em 1945.

Somente em 1999, o Tribunal Marítimo, com novas provas, colhidas pelo historiador Elísio Gomes Filho, reabriu o processo e, em 2001, concluiu que o pesqueiro havia sido, de fato, alvo de ação de um submarino alemão, o U-199.

As provas basearam-se no fato de que o pesqueiro era o único barco desaparecido na mesma coordenada em que estava o U-199, o qual seria afundado dias depois por aviões aliados, em uma operação conjunta do Brasil e dos Estados Unidos. O capitão alemão Hans Werner Krauss e outros tripulantes sobreviventes foram enviados como prisioneiros de guerra aos Estados Unidos, e, lá admitiram ter afundado um veleiro de carga próximo ao litoral do Rio de Janeiro.

Em 2004, em cerimônia no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro, finalmente os tripulantes da embarcação tiveram seus nomes inscritos no Panteão dos Heróis de Guerra.

Apesar da homenagem, os descendentes dos pescadores ajuizaram diversas ações na Justiça Federal do Rio de Janeiro, contra a União Federal e também contra a República Federal da Alemanha, pleiteando indenizações por danos morais e materiais. Em 2011, tais ações ainda aguardavam julgamento definitivo nas instâncias superiores (STF e STJ) da justiça brasileira.

Em alusão ao evento, foi lançado o filme O Destino do Changri-lá (2005) do cineasta Flávio Cândido.
 
O navio e sua história
Pouco se sabe acerca do pesqueiro no que se refere ao local e à data de sua construção, assim como também são desconhecidas eventuais denominações que pudesse ter antes de ser batizado de Shangri-lá.

Construído em casco de madeira, tinha 9,5 metros de comprimento; 2,85 metros de largura; 1,10 metro de pontal, e 20 toneladas de arqueação bruta, propelidas por uma vela de ré (popa) combinada com um motor semidiesel,[nota 2] com potência de 28 HP e velocidade máxima de sete nós.

Estava inscrito na Capitania dos Portos do Distrito Federal e Rio de Janeiro sob o número 735 e pertencia à Colônia de Pesca Z-5, localizada no bairro do Caju, no Rio de Janeiro. Tinha equipagem de seis pessoas, capacidade de 500 kg em dois tanques, um bote para oito pessoas, onze coletes salva-vidas ingleses e o mesmo número de coletes salva-vidas comuns.

O papel da navegação de pesca durante a Guerra 

Constituindo-se em uma atividade restrita à sobrevivência das populações litorâneas e ribeirinhas, as atividades pesqueiras no Brasil estiveram vinculadas à Marinha do Brasil, através das capitanias dos portos, de 1845 até 1912, quando foram transferidas para o Ministério da Agricultura, por não apresentarem para a Marinha nenhum interesse especial.

Em 1920, a pesca voltou à esfera de influência da Marinha, tendo como fator preponderante a participação de pescadores ingleses e franceses durante a Primeira Guerra Mundial, com fundamento na Convenção Internacional de Haia, que considerava a pesca um direito exclusivo dos naturais do país, justamente por ser o pescador detentor de segredos que interessam à segurança nacional.

Dos argumentos apresentados para justificar essa nova transferência, foram bem enfatizados aqueles referentes à defesa nacional, em face da extensa fronteira marítima, o valor de uma pesca desenvolvida visando as operações de varredura de minas e de caça aos submarinos. Ressaltando ainda, a constituição de excelente fonte de pessoal de reserva para a Marinha.

Assim, a Marinha tratou de incorporar essa nova atribuição à sua estrutura orgânica, criando a Diretoria de Pesca e Saneamento do Litoral. Sendo alvo de críticas da imprensa, a qual apontava a inadequabilidade de uma atividade essencialmente econômica e civil ser entregue a um órgão militar, em 1933, o governo resolveu mais uma vez transferir as atribuições da pesca para o Ministério da Agricultura. Mas, mesmo tendo perdido o controle sobre a atividade pesqueira como um todo, permaneceu com a Marinha o controle sobre os pescadores e embarcações de pesca, o que atendia o propósito da fiscalização das águas territoriais brasileiras.

Durante a Segunda Guerra Mundial, essa possibilidade de considerar os pescadores como elementos auxiliares das forças navais nos serviços de vigilância e observação de navios e aviões encontrados nas áreas de pesca, devendo as informações obtidas serem comunicadas à capitania dos portos mais próxima que, após avaliá-las, as retransmitia para as autoridades navais, foi bastante utilizada.

Por ocasião da declaração de guerra ao Eixo, em 22 de agosto de 1942, havia cerca de 75 mil pescadores brasileiros associados nas colônias de pesca espalhadas pela costa. Com as pessoas da família e agregados, esse número atingia 150 mil, tornando-se assim um excelente corpo de observadores dos submarinos, navios e aviões inimigos que porventura se aventurassem próximos ao litoral. Com a finalidade de oficializar essa nova atividade dos pescadores, as colônias de pesca foram transferidas para a jurisdição do Ministério da Marinha. A Marinha preparou, então, para a distribuição pelas referidas colônias, folhetos mostrando as silhuetas dos submarinos inimigos para o conveniente reconhecimento, caso fossem eles avistados.

O desaparecimento

A embarcação havia zarpado do porto do Rio de Janeiro em 28 de junho, com destino ao litoral de Cabo Frio. A previsão era passar um mês em alto-mar. Devido às más condições do tempo, aportou em Arraial do Cabo no dia 4 de julho, tendo desembarcado um tripulante, Gabriel Soares Cardoso, e embarcado outros quatro pescadores, que não constavam do rol de equipagem. Naquele mesmo dia, fez-se ao mar para reiniciar suas atividades pesqueiras naquela região.

Nas semanas seguintes, contudo, não houve novas notícias sobre a embarcação, até que seu proprietário, preocupado com seu desaparecimento, comunicou, por escrito, à Capitania dos Portos do Distrito Federal e Rio de Janeiro o fato, achando inicialmente que ele havia naufragado.

Mas, surpreendentemente, não foram encontrados os restos mortais dos tripulantes, nem o bote de salvatagem. Todavia, pedaços da embarcação foram dar em uma praia de Arraial do Cabo, tendo sido reconhecidos como pertencentes ao barco desaparecido. A principal peça achada foi uma tábua do corrimão da borda, identificada pelo carpinteiro que a confeccionou. Tal peça, não se encontrava quebrada, ao contrário, estava intacta, com marcas de chamuscamento e com um aspecto característico de que havia sido expelida de dentro para fora, devido a um forte impacto sofrido pela embarcação.

As testemunhas ouvidas à época, que conheciam muito bem o barco sinistrado, foram enfáticas em afirmar que o pesqueiro não teria naufragado com facilidade, por ser uma embarcação bem aparelhada para o que se propunha, inclusive dotada de bastante solidez.  
O desaparecimento do Shangri-lá foi apreciado pelo Tribunal Marítimo, através do Processo nº 812, de fevereiro de 1944, e, sem dispor de elementos confiáveis para determinar a causa de seu desaparecimento, já que, naquela época, eram escassas as informações a respeito do misterioso sumiço da embarcação, concluiu-se que teria ido a pique por outras causa mais comuns, como tempestade, falha humana, choque contra rochedos submersos etc.

O fim do mistério

No período do desaparecimento do pesqueiro, havia uma intensa operação de guerra no Atlântico Sul, como comprovado pela presença de mais de uma dezena de submarinos alemães nas águas sob jurisdição brasileira. Submarinos que não hesitavam em afundar tudo o que aparecia à sua frente, mesmo que fossem inofensivos barcos de pesca.

Com abertura dos arquivos militares norte-americanos sobre a Segunda Guerra Mundial aos pesquisadores brasileiros, no final da década de 1990, o mistério do desaparecimento do pesqueiro, que já durava mais de 50 anos, finalmente pôde ser esclarecido.

Em 9 de setembro de 1999, o historiador e Diretor do Museu Histórico Marítimo de Cabo Frio, Elísio Gomes Filho, enviou um ofício pormenorizado à Marinha do Brasil solicitando que se averiguasse a possibilidade de o Shangri-lá ter sido afundado pelo "u-boot" alemão U-199, em operação de guerra na costa brasileira.

A evidências eram robustas, pois o historiador havia pesquisado nos arquivos militares norte-americanos, os depoimentos dos doze sobreviventes do U-199, que foi posto a pique por aviões brasileiros e americanos no litoral do Rio de Janeiro no dia 31 de julho. Os alemães contaram que, dias antes, por ordem do capitão Hans Kraus, haviam afundado a tiros de canhão de 105 milímetros uma pequena embarcação no litoral de Cabo Frio. Foi, segundo eles, um mero exercício de tiro ao alvo para testar os potentes canhões do submarino que, até então, não tinha testado seu poder bélico.[6] A data — 22 de julho[nota 3]– e, principalmente, o local do ataque relatados coincidiam perfeitamente com a data e o local onde se encontrava o pesqueiro brasileiro desaparecido.

A única dúvida que havia quanto ao fato do U-199 ter sido o causador do afundamento do barco pesqueiro era em relação à declaração dos tripulantes alemães sobreviventes de que haviam afundado um barco com uma vela na popa, o que desfigurava completamente, a característica de um pesqueiro. Contudo, durante as pesquisas, foi provado tratar-se de uma prática comum aos barcos de pesca da época, colocar uma vela na popa, chamada de "vela de fortuna", para auxiliar na propulsão da embarcação, fato este que os alemães desconheciam.

O caso foi encaminhado à Procuradoria Especial da Marinha, que solicitou ao Tribunal Marítimo, a reabertura do processo. O Tribunal, por sua vez, com o surgimento de novas evidências considerou a necessidade de alterar por completo, o rumo traçado no inquérito anterior.

Por fim, após quase dois anos de deliberações, em 31 de julho de 2001, o Tribunal reconheceu oficialmente que o afundamento do Shangri-lá se deu por ato de guerra, reescrevendo, desta forma, uma página que por tantos anos permaneceu obscura, da história da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, além de homenagear a memória dos pescadores mortos. Requereu, ainda, que fossem adotadas as providências necessárias para que os pescadores tivessem seus nomes inscritos no Panteão dos Heróis de Guerra, o que ocorreu no dia 6 de junho de 2004, em cerimônia no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro, com a presença de familiares e de altas autoridades navais.

Os tripulantes

O Shangri-lá era um pesqueiro solidamente construído, com as vistorias em dia, bem equipado e tripulado por pescadores que, apesar de jovens, possuíam uma certa experiência de mar. O mais velho, o mestre José da Costa Marques, tinha 50 anos  e mais de 30 anos de pesca no mar.

Como se disse alhures, durante a Segunda Guerra Mundial, era comum os pescadores serem empregados como auxiliares das forças navais, na vigilância e defesa das águas territoriais brasileiras.É provável que os triplantes do pesqueiro tenham recebido alguma instrução no sentido de reconhecer um submarino ou qualquer embarcação hostil e avisar às autoridades navais brasileiras.
 
Os detalhes do ataque somente ficaram conhecidos pelo grande público por ocasião da reabertura do inquérito do desaparecimento do barco. A partir daí é que se pôde precisar exatamente quem foi o agressor e quando o evento aconteceu.

O agressor
 
Construído no estaleiro Deschimag na cidade alemã de Bremen, o U-199 foi um moderno e poderoso submarino do tipo IX D2 e um dos primeiros a entrar em ação. Com 88 metros de comprimento, pintado de cinza escura, era armado com metralhadoras antiaéreas e um canhão de proa. Possuía quatro tubos de torpedos na proa e dois na popa. Na torre de comando, apresentava sua insígnia de identificação: o desenho de um navio viking. 

O seu comandante era o Capitão-tenente Hans Werner Kraus, à época com 28 anos, que havia servido no U-47 e no U-83. Pouco tempo antes de receber o comando do último "u-boot" que iria comandar, ele foi agraciado com a Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro (Ritterkreuz), uma das maiores condecorações nazistas.

Foi comissionado a 27 de novembro de 1942, e partiu de Kiel, para sua primeira (e única) missão, a 13 de maio de 1943, tendo como guarnição, além do comandante, sete oficiais, dois guardas-marinha, seis suboficiais e 41 marinheiros (61 tripulantes). Cruzou o equador em 10 de junho e, alguns dias depois, já navegando em águas brasileiras, recebeu suas primeiras ordens. Sua área de patrulha se localizava entre o Rio de Janeiro e alguns pontos a norte do Rio da Prata.

A tática utilizada por Kraus nos seus primeiros dias de patrulha foi de permanecer submerso durante o dia, somente observando a superfície pelo periscópio, ficando emerso somente durante a noite. Nesta primeira área operacional, poucos alvos foram vistos. Insatisfeito, o comandante Kraus se aproximou cada vez mais da costa a procura de alvos.

O ataque

Na noite de 22 de julho de 1943, o U-199 patrulhava na superfície quando avistou, por bombordo, a silhueta de uma pequena embarcação, que foi por ele identificada como um veleiro ou um barco que tivesse uma vela à ré.

Os submarinos alemães consideravam qualquer embarcação, seja mercante, pesqueiro, veleiro etc, como inimiga e, afundavam qualquer coisa que encontrassem em seu caminho, para evitar que suas posições fossem descobertas.

O comandante, provavelmente achando que poderia ter sua presença denunciada, decidiu afundar o barco avistado com tiros de canhão. Iniciou a ação abrindo fogo com a metralhadora de 37 mm, até que o canhão de 105 mm pudesse ser guarnecido. Após errar os primeiros disparos, atirou sete vezes com o canhão de 105 mm, dos quais apenas os dois últimos tiros acertaram o alvo.

O submarino continuou em patrulha na área por mais algum tempo, sem que, nenhum sobrevivente fosse encontrado. Desistiu então da busca, permanecendo na superfície até o nascer do dia. No Brasil, nada fazia supor que o pequeno pesqueiro já havia se tornado a trigésima-primeira embarcação nacional a ser afundada pelos "u-boot" alemães.

O afundamento do U-199

Quando o Brasil entrou na guerra, em agosto de 1942, não havia nenhum esquadrão de aviões de primeira linha capaz de rastrear o mar em busca de submarinos e afundá-los. O processo de modernização foi lento, mas deu frutos, pois, quando comprovadamente houve uma ofensiva submarina nos meses de junho e julho de 1943, as forças brasileiras estavam prontas.

O afundamento do "u-boot" se deu em 31 de julho de 1943, ao sul do Rio de Janeiro, por um PBY-5 Catalina da FAB. Até então, a FAB tinha participado de patrulhas mas nunca causado danos. Naquele dia foi a vez dos brasileiros acabarem de vez com a primeira e última patrulha do U-199, que, depois de afundar o pesqueiro, havia afundado o mercante britânico Henzada de 4.161 toneladas.

No início da manhã daquele dia, um sábado, na Baía de Guanabara, o Comboio JT-3 movimentava-se lentamente em direção à saída do porto. A movimentação em torno do referido comboio demonstrava que a atividade submarina nas costas do Brasil, naquele mês, recomendava a mais complete proteção e, portanto, estavam em execução os três tipos de missão previstos para esses casos: a patrulha do porto, a cobertura aérea do comboio e a varredura ofensiva.

O submarino foi detectado, avistado e positivamente identificado por aviões que o atacariam, um A-28 Hudson, o qual partira da Base do Galeão e o referido Catalina PBY-5, que fazia a escolta do comboio. O Hudson lançou duas bombas sem que o alvo fosse atingido e metralhou o convés, de onde os alemães reagiam.[5] Às 8:35, o Catalina, com todas as metralhadoras disparando, atacou, a partir do lado esquerdo do alvo, em um ângulo de 210º em relação a ele.[3]

Na primeira passagem, três cargas de profundidade Mark 44 foram largadas. Elas foram reguladas para uma profundidade de 12 metros que, seria o máximo que o submarino poderia ter submergido, caso tivesse iniciado o mergulho. Uma das cargas acertou próximo e outras duas caíram aquém do alvo, momento em que o submarino começou a submergir.

O avião imediatamente fez uma curva para a direita, para desfechar um novo ataque, lançando a uma distância de aproximadamente 100 metros, a última e fatal carga.[3] As bombas detonaram no momento exato em que o submarino passava. O impacto foi tão violento que a proa do "u-boot" foi lançada para fora d´água. A explosão fez com que círculos de espuma branca se formassem e, envolvidas por elas, o submarino permaneceu inerte. O afundamento não demorou mais do que três minutos[5] e, às 9:02 desapareceu nas águas.

Dos 61 alemães a bordo, foram recolhidos 12 sobreviventes, entre eles seu comandante, que foram salvos pelo USS Barnegat.

O U-199 foi o primeiro submarino de 1.200 toneladas da classe IX D2, afundado por forte bombardeio aéreo, e sua destruição deveu-se, indiscutivelmente, a uma aeronave da Força Aérea Brasileira. Além disso, o fato de se ter conseguido resgatar sobreviventes, ajudou os norte-americanos a estabelecerem novas regras de ataque àquele tipo de submarino que representava grande perigo à marinha mercante aliada durante a guerra.

Processos Judiciais
No anos que se seguiram à elucidação acerca do afundamento do Shangri-lá e ao reconhecimento de seus tripulantes como vítimas da guerra, alguns de seus descendentes ajuizaram diversas ações na Justiça Federal do Rio de Janeiro, pleiteando indenizações por danos morais e materiais em face do governo brasileiro e da Alemanha.

Em primeira instância, a pretensão dos requerentes não foi acolhida, sob o argumento de que o direito pleitado já estava prescrito e, sobretudo, pelo fato de não ser possível submeter um país soberano a pagar indenização por "atos de império". Em sede recursal, os processos foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, sob a forma de recurso ordinário, em obediência à regra expressa do artigo 105, II, letra "c", da Constituição Federal.[8]

Os ministros do STJ ficaram divididos em torno do eventual direito da Alemanha de não se submeter à jurisdição brasileira. Para alguns, a ação militar praticada em período de guerra constitui "ato de império", imune a eventuais processos em outro país. Outra corrente argumentou que durante a guerra, já se encontrava vigente o regime instituído pela Convenção de Haia, de 1907, que conferia especial importância à proteção dos não combatentes.[9]

Mesmo assim, as duas correntes entenderam que havia a necessidade de intimação da Alemanha para que aquele país se manifestasse, uma vez que, o estado estrangeiro tem, ainda nessa hipótese, a prerrogativa de renunciar à sua imunidade e submeter-se a um processo estrangeiro, como a própria Alemanha já havia feito por ocasião dos Julgamentos de Nuremberg.

O impasse no STJ levou o caso ao Supremo Tribunal Federal que, por sua vez, aguarda a citação formal da República Federal da Alemanha para se pronunciar.[9]

Notas
 A expressão Shangri-la apareceu pela primeira vez no romance Lost Horizon (Horizonte Perdido), de 1925, escrito pelo inglês James Hilton. É descrito como um lugar paradisíaco situado nas montanhas do Himalaia, local de paisagens maravilhosas e onde o tempo parece deter-se em ambiente de felicidade e saúde, com a convivência harmoniosa entre pessoas das mais diversas procedências. O romance inspirou duas versões cinematográficas nas décadas seguintes.
 Designação de um motor de combustão interna, do tipo Diesel quanto ao uso de óleo pesado como combustível, mas que trabalha com compressão menor do que esse e difere dele também no modo de ignição.
 Até então, o dia 4 de julho, quando o barco foi visto pela última vez, ao zarpar de Arrial do Cabo, era considerado como a data do sinistro. Talvez por isso, algumas fontes europeias ainda trazem tal data como sendo a do afundamento.

Filme “O Destino de Changri-lá: resgatando uma história da Segunda Guerra”
 
Publicado em O Globo - 06/02/2015  
 
Filme  relembra  a maior tragédia da pesca no litoral do estado do Rio de Janeiro
Por Rebeca Nascimento e Anna Paula Di CiccoDo G1 Região dos Lagos
 
Um caso recontado após 72 anos. Mais do que a produção de um longa, o documentário ficcional "O Destino de Changri-lá", é a reconstituição de um fato que marcou a população de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos do Rio. Na segunda matéria da série de cinco publicações do G1 que leva o nome do filme, vamos abordar o resgate da história do barco pesqueiro, afundado durante a Segunda Guerra. Um trabalho não tão simples, já que os registros eram imprecisos.

Flávio Cândido, cineasta que idealizou o projeto do longa, explica que as informações  mais acessíveis estavam na internet mas que a história dos pescadores e de seus descendentes estava em Arraial do Cabo. Logo no início do projeto, ele encontrou Paulo Silva e Elísio Gomes. Paulo liderou a recuperação dos fatos. "Sem o Paulo Silva, que esteve junto ao projeto todo esse tempo, esse filme não exisitiria. Ele me inundou de documentos e de vontade", conta Flávio. O outro contato foi Elísio Gomes, historiador que desvendou o mistério do naufrágio e pediu a reabertura do processo junto à Marinha. 

Histórias cruzadas

O resgate da história começou quando, há alguns anos, um historiador encontrou informações que se completaram e pediu a reabertura do caso de um pequeno barco desaparecido no litoral fluminense. Elísio Gomes, especialista em naufrágios, descobriu o caso nos anos 1990. Na época, quando ainda era pesquisador autodidata, ele também tinha conhecimento de um submarino que havia afundado uma pequena embarcação não identificada no litoral.

"Pesquisando sobre os anuários do tribunal marítimo achei o processo de Changri-lá, arquivado por falta de provas. Eu cruzei as informações com a história do submarino U-199 e constatei que era a mesma história", conta o pesquisador. Ele explica o possível motivo do caso não ter seguido. "Acredito que, como era uma embarcação pequena, faltou um pouco de interesse do tribunal da Marinha na época. Mas foi feito um inquérito e existiam provas que poderiam ter dado continuidade".
 
O inquérito pós-guerra dos tripulantes do submarino alemão revelou as provas que faltavam para a conclusão do caso, incerto aos olhos da Marinha. Após ser abatido, 12 homens sobreviveram. Em depoimento eles confessaram o abatimento de "uma embarcação pequena e de carga". "O capitão comandava o maior submarino enviado, de 1.200 toneladas. Eram homens ávidos por fazerem o maior número de vítimas. Não havia nenhuma necessidade de ataque de um barco pesqueiro", explica Elísio Gomes. "Eles assassinaram, foi um crime". O U-199 nunca foi encontrado após seu abatimento.

A família Changri-lá

Descendente dos primeiros portugueses que viveram em Arraial e filho de uma das "viúvas de Changri-lá", Paulo Silva conta com pesar o que foi um fator para desencadear o acidente: um decreto que fez dos pescadores auxiliares das forças navais. O grupo deveria registrar e notificar sobre tudo que acontecesse no litoral. "Eles circulavam livremente no período de guerra e, de acordo com o decreto, deviam ajudar na defesa das águas brasileiras. Mas com o que? Remos?", ele questiona, indignado. Paulo explica que houve uma grande proximidade entre o barco e o submarino. "Foram rajadas de metralhadoras e cinco tiros de canhões (que abateram o barco)".

Filho de uma "viúva do Changri-lá", Paulo Silva foi o principal agente de resgate da história para o filme (Foto: Alessandra Rezende) Filho de uma "viúva do Changri-lá", Paulo Silva foi o principal agente de resgate da história para o filme
 
Silva, que tinha contato íntimo com as famílias, foi quem apresentou a a história em detalhes para o cineasta. "Levei o Flávio para conhecer filhos de pescadores, que atestaram que os pais pescaram lado a lado com os submarinos a vista". Ele fala também da situação das famílias das vítimas. "Foram seis famílias cabistas afetadas. A esposa e mãe de duas vítimas morreu em estado vegetativo, ficou louca após saber do que tinha acontecido". O filho tinha apenas 16 anos na época.

Sem comunicações, o destino do barco não podia ser conhecido. Sem notícias de Changri-lá, o dono da embarcação começou a ficar preocupado. "Ele ia todos os dias saber sobre a volta. Outros barcos retornaram e os familiares ficaram apreensivos". Foi ele que fez o boletim de ocorrência que originou o registro do caso na justiça, até mesmo porque apenas poucos deles tinham documentos de nascimento", explica Paulo. "Minha mãe foi consultar uma vidente, que disse que ela e todas as outras esposas podiam vestir luto". Em menos de 15 dias depois um pedaço do barco chegou à orla", conta.

O senhor de 64 anos conta com pesar que todas as viúvas, exceto sua mãe, morreram antes de saber o que realmente havia acontecido com seus esposos, já que o processo só foi reativado em 2001. "Em 2004 a Marinha fez uma grande homenagem e elevou os pescadores a título de heróis de guerra", ele conta. Mesmo com esse reconhecimento, ainda existe luta para que os descendentes recebam algum tipo de indenização.


 



 

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